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Cinco partos: cinema e maternidade

Algumas não escolheram. Outras planejaram por anos a fio. Muitas foram solteiras; outras apenas sozinhas. Das tantas, inúmeras, anônimas, não conseguiram. Outras foram cedo demais – e a quase nenhuma foi concedido o direito de renunciar. Mas quantas não quiseram ser? Então, como disseram às atenienses, talvez repetissem: “é este sua tarefa mais nobre.” Dever, …

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Algumas não escolheram.

Outras planejaram por anos a fio. Muitas foram solteiras; outras apenas sozinhas. Das tantas, inúmeras, anônimas, não conseguiram. Outras foram cedo demais – e a quase nenhuma foi concedido o direito de renunciar. Mas quantas não quiseram ser? Então, como disseram às atenienses, talvez repetissem: “é este sua tarefa mais nobre.”

Dever, destino, desejo, função. Todo batismo, aqui, será ingrato. As palavras, recaídas sobre a maternidade, apenas reinventam o lastro de estigmas, mitos e imposições de gênero que ainda se acumulam sobre a figura da mulher materna. Não é de causar espanto, então, que também o cinema as tenha feito de matéria-prima – mas, à parte das velhas ladainhas, as representações não poderiam ser menos que multifacetadas…

Para Sempre Alice (Still Alice, 2014)

O filme primogênito da lista não é sobre uma mãe. É, antes disso, um filme sobre uma mulher. Mas no percurso da linguista renomada que, de súbito, descobre sofrer dum Alzheimer precoce e genético, a maternidade pode ser a peripécia mais dolorosa. Afinal, quantas viverão a dor de contar a seus filhos que o mal que a faz definhar agora pode vir a acometê-los também?

maternidade Still Alice

Quantas assistirão ao próprio padecimento – à própria fuga de si mesmo – a ponto de diluir as fronteiras entre cria e criador? Neste lugar de inflexão da trama, quando a falência cognitiva de Alice (Julianne Moore) a lança num estado infantil de existência,sua relação com Lydia (Kristen Stewart) – a caçula da família – é a que mais sutilmente se reinventa; e o lugar de quem dá o colo parece de repente se deslocar.

Ainda fresca de 2014, a película se difusa num embate entre resignação e obstinação, cuja síntese valeu um Oscar de melhor atriz à Julianne Moore. E com justiça; pois o desenrolar lento dessa tragédia humana, às mãos da protagonista, é capaz de arranhar a garganta dos mais duros espectadores.

Dançando no Escuro (Dancer in the Dark, 2000)

Entregar-se; doar-se; anular-se pela cria. Qual a estribeira da alteridade materna? O sacrifício, não por acaso, sempre foi uma forma de privação associada à maternidade. A obra de Lars Von Trier, por sua vez, não só bebe desta fonte, como a extrapola, ao contar a história de Selma Jezková (Bjork).

Mãe solteira, operária e imigrante tcheca, ela vagueia para os Estados Unidos com seu filho pequeno, à deriva duma vida miserável. Molestada por uma chaga hereditária – a qual lhe provoca uma cegueira gradual e crescente – Selma labuta contra o tempo para acumular algum dinheiro e garantir que sua doença não abocanhe a vida de seu menino também.

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O drama, peculiarmente musical, é o trabalho primogênito de Bjork no cinema, que não só o canta, mas o encena com uma aptidão espantosa. Não por acaso, o caráter contemplativo e quase onírico do filme muito se assemelha às faixas musicais da artista. No fim da meada, Dançando no Escuro é também sobre resistir ao esgotamento; à traição; à opressão; e às relações estruturais de poder num mundo de dominâncias muito marcadas. Pode doer. Mas há que se assisti-lo.

Tudo sobre minha mãe (Todo sobre mi madre, 1999)

“Saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”, canta Chico Buarque, em Pedaço de Mim.

Então, se perguntássemos a uma mãe qual seria a maior desgraça de sua vida, a morte do filho provavelmente encerraria resposta de todas elas. Pois é no limite desse martírio que Almodóvar costura o primeiro fio da trama de Tudo Sobre Minha Mãe (Todo sobre mi madre, 1999). Manuela é uma enfermeira, mãe solteira de Esteban. O jovem, aspirante a escritor, vive insaciável pela história do pai que nunca conheceu, mas um acidente impetuoso atropela-lhe a vida antes que ele o consiga.

A película almodovariana é, portanto, sobre uma mãe sem seu rebento; uma mulher estilhaçada, revisitando a si mesma, através do olhar confidente do diário de um filho que já se foi. Por culpa ou desafogo, Manuela vai atrás do pai de Esteban, como se assim pudesse se absolver do relato que ela nunca chegou a confessar. Evocando o próprio passado nesse retorno, a mãe, em luto incessante, encontra novas razões para si, ao misturar-se à vida de outras mulheres.

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No mesmo galope de outras criações de Almodóvar, Tudo Sobre Minha Mãe tambémé marcadamente autêntico; carrega certo apelo sensual e discursa personagens femininas fortíssimas. Do que é certo, será impossível não se entregar a suas identidades; não amá-las; ou, no mínimo, não se lembrar de cada uma delas.

Juno (Juno, 2007)

“Tudo começou com uma poltrona”. E, de repente, à beira da segunda cena, as roupas íntimas de Juno (Ellen Page) caem ao chão. As conclusões do enredo se desenvolvem sofregamente, a partir desse ponto – tão rápido como numa gravidez precoce. E eis aí a intriga, afinal: depois de transar com um amigo de colegial, Bleeker, Juno engravida. Então, desistente da ideia de abortar a criança, a menina decide, com uma intrepidez peculiar, levar o filho à adoção.

Embora violentamente cotidiana, a desventura articulada pelo filme carece de recortes estruturais muito particulares. Isto é: se nem todas as meninas puderam enfrentar uma gravidez na adolescência com a mesma sobriedade sarcástica de Juno, tampouco muitas delas tiveram condições materiais, emocionais ou familiares para suster tal reação. Nem todas poderão, até hoje, acessar um aborto; ou, quem dirá, considerar uma adoção.

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As notas quase ácidas de alívio cômico, porém, não deformam de todo a densidade da temática. Até porque Juno (Juno, 2007), no fim das contas, pode até se dispensar da melancolia na narração dum tema que não raro ganha esse reboco emocional; mas talvez seja justamente aí que repousa a conquista da sutileza na obra de Jason Reitman. O tabu do sexo, o aborto e a gravidez na adolescência machucam; todavia, a pergunta que sobra é: podem ser debatidos com um tanto mais de ludicidade?

Precisamos Falar Sobre Kevin (We Need To Talk About Kevin, 2011)

À parte de qualquer história, Precisamos Falar Sobre Kevin (We Need To Talk About Kevin, 2011) é o filme mais difícil da lista.

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O testemunho impotente duma mãe que percebe o filho se tornar um ser humano irrefreavelmente mau é duma angústia simbólica verossímil o quanto baste para inquietar os olhares mais imperturbáveis. A despeito disso, a aflição da obra, que se agudiza ao longo da narrativa, poderia viver um de seus golpes mais duros logo no início, quando Eva (Tilda Swinton) já não pode suportar o choro de sua criança, e paira, num momento de suplício, ao lado duma furadeira de rua.

Baseada em obra literária homônima, a adaptação cinematográfica foi dirigida  pelo olhar oportuno duma mulher, e logrou ser ainda mais valiosa  sob as atuações de Tilda Swinton e Ezra Miller, que encena a fase cronologicamente madura de Kevin.

Não bastasse isso, é preciso ainda dar nome à direção de arte que, explorando simbologias no vermelho, instigou um trabalho de especulação, paralelo a contemplação do filme, praticamente irresistível.

A obra termina, finalmente, com a sensação de que a maternidade também é desventura – mas é permanente, e é inescapável.

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