“Garotas não tocam guitarra”. Disseram a uma jovem Joan Jett nos anos 70. O autor da frase, um professor de música fora de seu tempo e sem nenhuma visão para o talento, não sabia que estava negando a guitarra à maior expoente do rock feminino. Ou melhor, a pioneira do gênero. Essa é a história de “The Runaways – Garotas do Rock” (The Runaways), filme que ilustra a breve existência do grupo que mudou o cenário musical em uma década de efervescência e revoluções culturais.
Da formação pouco espontânea da banda ao rápido desfecho, o longa foca na vida pessoal e nos problemas familiares de Cherry Bomb (Dakota Fanning), transformada em vocalista do grupo aos 14 anos. Escolhida a dedo na noite, chamou a atenção do produtor Fowley por sua fisionomia ingênua e expressão impassível. Chegada prematura para o mundo da música e, talvez, determinante para o rompimento da banda. O filme foi baseado no livro Neon Angel: A Memoir of a Runaway, de sua autoria.
Paralelamente à vida pré-Runaways de Cherry, vemos a rebelde Joan (Kristen Stewart) caminhar pelas ruas de Los Angeles, moldando aos poucos a personalidade que marcaria a história do Rock: moedas contadas para comprar uma jaqueta de couro, aulas de guitarra, álcool, drogas, sexo e o decisivo encontro com o produtor Kim Fowley (Michael Shannon), a quem se apresentaria como uma potencial guitarrista, a procura de companheiras para montar uma banda só de mulheres.
O arrogante produtor, a princípio pouco interessado em mais uma jovem perdida na noite e que se considera um grande talento musical não descoberto, acaba por enxergar em Joan – e em sua ambiciosa procura – um possível sucesso de vendas. “Para desbancar os Beatles”, por que não? E assim inicia-se a procura pelas demais integrantes e os ensaios no apertado trailer, conduzidos pelo autoritário produtor.
A vida das artistas consideradas almas do grupo é intensamente representada, porém em detrimento das demais integrantes. Segundo disse Fowley na época: “de cinco diferentes versões do grupo saíram as cinco garotas que todos gostavam”. A mudança regular de baixista (seis garotas diferentes assumiram o baixo, inclusive Joan) talvez seja o motivo da falta de importância dada a essa personagem. Já Sandy West, ao lado de Jett na banda do início ao fim, pediu que seu nome não fosse sequer citado na película.
Em pouco tempo a banda ganhou espaço, emplacando hits como “Cherry Bomb” – criada por Fowley, ao tentar enquadrar a aparentemente ingênua Cherry no perfil do Rock ‘n’ Roll – e “Queens of Noise”. A turnê no Japão (onde o grupo era o 4° colocado nas paradas, atrás apenas de ABBA, Kiss e Led Zeppelin) consolidou o sucesso internacional, além de ser responsável por um dos momentos mais bizarros do filme: quando as roqueiras, em meio a uma discussão de egos feridos, têm de interromper a DR para fugir de fãs japoneses ensandecidos.
Dentre uma e outra cena por vezes dispensável – como as manchetes de jornais rodopiando na tela ou os diálogos serenos em baladas ensurdecedoras – e a despeito da pobre contextualização do conturbado cenário da década de 1970, o filme tem bons momentos. A alucinação escancarada nos bastidores Rock, a relação entre as garotas, a fúria de hormônios revoltando-se contra uma realidade musical machista, uma família desestruturada e exploradores de plantão, são representados em cenas bem elaboradas e com boas atuações das atrizes até então obscurecidas no Crepúsculo.
A história de The Runaways foi breve, porém determinante para o Rock. Quando, após o término da banda, Joan Jett emplacou o hit “I Love Rock ‘n’ Roll” já era irreversível: os hormônios estavam externados na fúria do Rock para sempre.
Por Beatriz Montesanti