por Pedro Passos Guijarro
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Não é fácil escrever sobre Woody Allen sem repetir o que muitos já disseram sobre o diretor-ator. Com uma carreira extensa, iniciada com Um assaltante bem trapalhão (Take the money and run, 1969), muito já foi falado sobre como seus filmes inspiram uns e chateiam outros. Há quem veja nas neuroses do criador aspectos de genialidade, mas há também quem não as suporte, taxando sua obra de prolixa e repetitiva.
É bem verdade que os filmes de Allen circulam sempre sobre os mesmos temas centrais (medo da morte, problemas familiares, relações amorosas complicadas), fazendo dele um especialista em questões existenciais. Mas por serem temas de uma complexidade enorme, possibilitam também uma variedade igualmente enorme de abordagens e reflexões. Enredos completamente distintos têm como pano de fundo os mesmos temas, montando um painel coeso. Essa é a principal marca da autoria do diretor, o que faz cada um de seus filmes reconhecível como parte de um conjunto cinematográfico.
Além de uma terapia para si mesmo, seus filmes acabaram se tornando uma terapia para os espectador. Muitas vezes ao assistir clássicos como Hannah e suas Irmãs (Hannah and her Sisters, 1986) ou Interiores (Interiors, 1978), nos deparamos com nossos próprios questionamentos e problemas diários. É ai que se encontra a maior qualidade de seus filmes: trazer os dilemas morais para as situações cotidianas e fazer a platéia pensar sobre a condução de sua própria vida.
Muitos críticos argumentam que ele subutiliza as técnicas artísticas e que seus filmes são pobres no formato, sendo muito mais um relato pessoal do que uma criação artística. Mas isso cai por terra ao ver a qualidade plástica e as soluções estéticas que ele encontrou para muitas de suas obras. A escolha do preto e branco, a divisão de tela para mostrar cenas concomitantes, a câmera em movimento seguindo personagens pelas ruas, são alguns dos inúmeros exemplos de escolhas visuais que dão aos seus filmes um valor artístico e criativo real.
Acima de tudo, quem mais tem a agradecer à existência de Woody Allen são os psicanalistas. Pois a presença constante desse método em seus filmes é como uma propaganda gratuita. Os conceitos freudianos sempre estiveram presentes nos cinemas de Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni. Porém foi o americano que os trouxe para uma atmosfera mais trivial e palpável, levando muitas pessoas aos consultórios.
Minha relação com Woody Allen
Escrever sobre o cinema de Woody Allen também é muito difícil por se tratar de um dos meus diretores favoritos, fazendo a isenção na minha análise desaparecer. São singelos detalhes de algumas cenas de seus filmes que me fazem relembrar sempre de sua obra e nunca esquecer sua influência no modo como eu vejo o mundo. Como o sorriso de Isaac Davis (papel do próprio Allen) no final de Manhattan (Manhattan, 1979), capaz de alegrar o meu dia mais melancólico.
Meu primeiro contato com o diretor foi em 2008, quando vi pela primeira vez Vicky Cristina Barcelona (Vicky Cristina Barcelona, 2008), em DVD infelizmente. Não me interessei muito, achei o filme cansativo. Na época eu estava no último ano do ensino fundamental e não tinha grande interesse nos chamados “filmes cabeça”. Gostava de um humor claro e direto, que fosse compreensível sem nenhuma bagagem anterior.
Uma cena, porém, permaneceu por um bom tempo na minha cabeça adolescente (e olha que não foi o beijo entre Penelope Cruz e Scarlett Johansson). Era o momento em que as duas protagonistas, descem a escada rolante de um aeroporto e o narrador analisa como ambas continuaram suas vidas, depois da viagem à Espanha. Uma delas termina feliz, mas ainda em busca de novas sensações e experiências amorosas, já a outra sai do filme conformada com seu casamento infeliz, tentando esquecer tudo que vivenciou em Barcelona. Na época achei o contraste das duas interessante.
Só fui voltar a me encontrar com seus filmes novamente depois de dois anos, ao alugar, por indicação da minha psicanalista, o filme Noivo neurótico, Noiva nervosa (Annie Hall, 1977). Realmente, minha analista estava certa, esse filme me ajudou a passar pelos grandes dramas típicos de um adolescente. Mas além de servir como uma sessão de terapia, a história do fracasso amoroso do par principal também me deixou impressionado com as capacidade de Allen em explorar a narrativa e o conteúdo, com um estilo bem marcante.
A partir dai fui em busca de suas diversas fases. Sua estréia inspirada no humor dos anos 20, mais físico do que falado e com grandes obras como Bananas (Bananas, 1971). Sua fase mais famosa, a das neuroses do homem moderno, que se passa em Nova York e é repleta dos mais icônicos diálogos, conhecida por filmes como Manhattan (obra prima) e Broadway Danny Rose (Broadway Danny Rose, 1984). Sua fase de dramas, alguns mais pesados e outros pontuados com um leve humor, como Crimes e Pecados (Crimes and Misdemeanors, 1989). E sua fase mais recente, rodada no exterior, com uma fotografia mais quente e iluminada, com marcos como Meia Noite em Paris (Midnight in Paris, 2011).
Hoje, eu, que de início o subestimei, sou um fã confesso. Sempre recorro aos seus filmes quando passo por uma fase difícil, ou quando simplesmente quero rir sem compromisso. Mesmo que não haja em seus filmes uma grande revolução na narrativa clássica, são eles os que mais divertem e fazem refletir em fins de semana solitários.
A influência de Allen nos novos diretores
Se as recentes produções de Allen têm trazido uma visão jovial para o seu já consagrado estilo, também é verdade que seus filmes clássicos dos anos 70, 80 e 90 tem sido uma forte influência nos diretores deste século. Seja no formato ou no conteúdo.
São muitos os aspectos que fazem o diretor Novaiorquino ser um marco para quem já era adulto nas décadas de 70 e 80. Mas há também vários jovens diretores tem se mostrado herdeiros do estilo cinematográfico de Woody Allen. Fazendo filmes que trazem ares novos às temáticas e estilos do mestre, que faz 78 anos em dezembro.
Frances Ha (Frances Ha, 2012), filme de Noah Baumbach que está em cartaz no país, traz claras referencias às obras de Allen. A história de uma dançarina, que não sabe muito bem como lidar com a vida adulta, se passa em Nova York em preto e branco. O humor levemente sarcástico e a ternura com a que as personagens foram construídas fazem do filme uma experiência bem próxima de ver um clássico como Memórias.
No cinema latino americano podemos citar Gustavo Taretto como um dos afluentes desse cinema das neuroses e do humor mordaz. Medianeras (Medianeras, 2011) mostra personagens tão perdidos em Buenos Aires quanto qualquer personagem de Allen perdido na ilha de Manhattan. A influência foi tão forte que há no filme uma homenagem. Em uma cena os personagens, Martín e Mariana, assistem a Manhattan e choram, como se ambos se vissem retratados na tela.
O brasileiro Matheus Souza é nosso grande representante nacional dessa herança de Woody. Seu primeiro filme, Apenas o Fim (Apenas o Fim, 2008), mostra uma grande discussão de relacionamento de um casal prestes a se separar. Como em Noivo neurótico, Noiva nervosa, as obsessões do protagonistas dificultam o romance e ocultam os inúmeros momentos de felicidade que os namorados tiveram.
Woody Allen pode não ser – como o próprio odeia ser chamado – um gênio. Pode ser que nenhum de seus filmes tenha sido considerado o melhor de sua década. Mas ele é um diretor esforçado e apaixonado pelo que faz. É justamente por isso que seus filmes conseguem tocar tantas pessoas. Certamente ele ainda estará na raiz de muitos diretores das próximas gerações.