Fazer um filme sobre a vida de Elis Regina é, no mínimo, um (necessário) ato de coragem. Dona de uma das mais impressionantes vozes da história da música brasileira, é também lembrada pelos inúmeros rumores acerca de sua causa mortis – que perduram até os dias de hoje. O longa Elis (2016) é um dos primeiros com a proposta de falar sobre a vida daquela conhecida como a melhor cantora do Brasil, sem deixar de lado a preocupação em quebrar os preconceitos que rondam sua memória. Reviver Elis é trazer a história à tona – e a partir de um dos mais ricos legados musicais já ouvidos.
O filme começa com a chegada da artista no Rio de Janeiro, em pleno 1964 ― ano de início da ditadura militar. Arrimo de família desde cedo, ela era acompanhada pelo pai, que manejava seus cachês conforme as despesas da família em Porto Alegre. De início, a atuação de Andreia Horta parece pouco promissora. No entanto, conforme passam os minutos, essa sensação se esvai. A atuação se torna cada vez mais complexa e fidedigna. É impressionante como a atriz consegue trazer os trejeitos de Elis com primazia, tanto no modo de falar quanto nos eventuais (mas muito singulares) risos frouxos. Em alguns momentos, até esquecemos que aquela não é a cantora, de fato ― excelência resultante de intensos meses de preparação, como afirmou Andreia em coletiva de imprensa ocorrida no dia 9 de novembro, da qual o Cinéfilos participou.
Desenvolver um trabalho como esse exige uma minuciosa seleção de fatos, ainda mais para uma vida tão intensa quanto foi a de Elis. Já era esperado que um recorte seria feito, inclusive com algumas adaptações. Nesse sentido, evidenciar que toda a produção artística da cantora ocorreu durante o regime militar foi um acerto. As perseguições e as fortes críticas do público e da imprensa de esquerda perante sua apresentação nas Olimpíadas do Exército, por exemplo, foram essenciais para mostrar ao espectador o impacto emocional desses acontecimentos em sua vida.
Elis também não deixa de abordar a relação da cantora com Luiz Carlos Miéle (Lucio Mauro Filho), seu casamento conturbado com Ronaldo Bôscoli (Gustavo Machado), a relação com o pianista César Camargo Mariano (Caco Ciocler) e a maternidade. Ao mesmo tempo, consegue contar histórias que enriquecem o repertório do espectador, como o episódio com o cartunista Henfil, relacionado à canção O Bêbado e a Equilibrista. Nesse sentido, ainda que a artista lutasse para se afirmar perante um ambiente essencialmente machista, o filme opta por abordar apenas sua relação com homens e sua influência em suas vidas – corroborando, de certa forma, com esse protagonismo.
O longa, ainda, exibe seus conflitos internos de maneira repentina, apenas no final. Ainda que isso possa ser alvo de críticas, a montagem pode ser lida como uma tentativa de representar esteticamente o choque entre a Elis evidentemente enérgica e suas angústias desconhecidas pelo público. Por outro lado, não há ambiguidades no que se refere à fotografia de Adrian Teijido, muito bem executada. O mesmo vale para a trilha sonora, escolhida a dedo pelo diretor Hugo Prata – de 315 canções que tinha às mãos, escolheu cerca de 12. Dentre elas, estão presentes clássicas como Como Nossos Pais e Velha Roupa Colorida, ambas de Belchior, e Fascinação. Há também Cinema Olímpia – combinada a uma performance espetacular de Andreia -, e Cabaré, a grande vaia da carreira de Elis.
Por mais que haja problemáticas, o filme é uma importante retomada da história de uma das mais memoráveis vozes e personalidades já vistas no Brasil. Mesmo que dê apenas uma pincelada na vida da cantora, a narrativa consegue emocionar por sua sincronia com as canções. Trata-se de um estímulo à memória afetiva de quem é fã, ao mesmo tempo que um convite irresistível aos principiantes. Assistir a Elis é tentar entender (um pouco) o que aconteceu com a melhor cantora do Brasil ― para além das coisas que aprendemos em seus discos.
Elis estreia no dia 24 de novembro. Confira o trailer:
por Laila Mouallem
lailaelmouallem@gmail.com