Por Luís Henrique Franco
Um dos esportes mais fortes no país, sendo também a modalidade individual que mais rendeu medalhas em disputas olímpicas, o judô chegou ao Brasil nas primeiras décadas do século 20, trazido pelas primeiras ondas de imigrantes japoneses como uma forma deles manterem algum laço com sua terra natal. No começo não havia locais de treinamento. Os lutadores não faziam carreira como judocas, mas lançavam e aceitavam desafios de luta como uma forma de complementação financeira. Como modalidade, o judô só começaria a ser incorporado no Brasil com Mitsuyo Maeda.
Vencedor em todos os desafios que enfrentou, Maeda chegou ao Brasil em meados da década de 10. Buscando melhorar o treinamento de seus desafiantes brasileiros, que ainda não conheciam o tipo de luta, criou, durante a década de 20, a primeira escola de judô em Belém do Pará, onde eram lecionadas tanto a luta de solo (katame waza) quanto o combate em pé (nage waza). Outros seguiram os passos de Maeda nos anos seguintes, sendo os membros da Família Gracie e Oswaldo Fadda os responsáveis por levarem o esporte a outras capitais do país, embora ambos prosperassem mais com o ensino do jiu-jitsu – ao qual o judô ainda estava extremamente relacionado.
Foi apenas em 1969 que foi criada a Confederação Brasileira de Judô, órgão que se tornou responsável pelo financiamento e administração do treinamento em todo o país e sua popularização entre as pessoas. A partir daí o estilo de luta ganhou enorme prestígio no Brasil e se tornou um de seus esportes mais fortes. Nas disputas olímpicas praticadas desde a criação da CBJ, o país não subiu ao pódio em apenas três ocasiões.
Dentro do tatame: o preparo dos judocas
Como qualquer outro esporte, o judô exige dedicação total e muito tempo de treinamento para se atingir um nível experiente e profissional. Por isso, boa parte dos atletas inicia cedo o seu treinamento, entre 6 a 10 anos, treinando e realizando a prática esportiva por uma média de 22 anos. “Quanto antes você iniciar um treinamento apropriado e de qualidade, você terá mais chance de obter grandes melhoras e mais tempo de trabalho para alcançá-las”, afirma o judoca Gabriel Gouveia de Souza, atleta da categoria meio pesado.
O fato de o treinamento ser iniciado em uma idade tão precoce acarreta intensos cuidados para a formação dos atletas. Um desses cuidados diz respeito a uma especialização esportiva unilateral, que seria muito prejudicial em idade tão jovem, quando se busca um amplo acervo motor. Dessa forma, é importante o investimento em uma ampla rede de atividades motoras diferentes, que devem ser conjugadas de maneira saudável no cotidiano das crianças, de maneira a levá-las a descobrir outros desdobramentos motores através da própria prática do judô.
Outra preocupação nessa idade diz respeito às frequências em treinamento e à devoção do atleta. É nessa idade que se faz necessário construir um compromisso como esporte. De acordo com a sensei Andrea Oguma, um bom começo é o que define a continuação da prática esportiva. “Creio que o início da prática do Judô, como de qualquer outro esporte, na infância, deve ser encarado como uma diversão, uma atividade prazerosa e aos poucos essa exigência de maior frequência e seriedade vai sendo introduzida conforme o desenvolvimento da criança/jovem. ” Afirma. “Expor uma criança muito cedo à uma exigência competitiva de resultados não é interessante, pois ela ainda está em desenvolvimento tanto físico como emocional. ”
Uma vez iniciado o treinamento, quando o discípulo já está mais acostumado com uma maior cobrança, iniciam-se os treinamentos mais aprimorados. Sendo o judô uma modalidade que exige uma grande capacidade motora extremamente diversa, treinos de diferentes tipos são efetuados em revezamento, como forma de aprimorar diferentes capacidades motoras. A rotina de treinos varia de forma a equalizar todos os requisitos para um bom atleta.
Como o sistema de seleção é baseado no desempenho individual dos judocas E seus resultados nas disputas regionais e campeonatos brasileiros, a subida rumo a uma carreira de sucesso depende exclusivamente da dedicação do atleta ao treino. Para ajudar nesse quesito, muitos senseis realizam um acompanhamento completo das atividades do judoca. “Sempre costumamos fazer um acompanhamento tanto nos ambientes de treino e competição como fora. ” Explica Andrea Oguma. “É importante saber como o atleta está se alimentando, se dorme bem, se está com algum problema pessoal que pode afetar seu desempenho, conhecer o atleta na íntegra. ” Alguns treinadores vão um pouco mais longe nesse acompanhamento, chegando a inclusive exercer um controle sobre o que os atletas fazem fora do ambiente de treino. É o caso de Kiko Pereira, sensei treinador de alguns dos maiores campeões brasileiros, que costuma visitar as famílias de seus discípulos e fazer amizades com seus familiares para que possa supervisionar a dieta e os exercícios por eles praticados fora do ambiente de treino.
Um treinamento de respeito
Como qualquer esporte, o judô demanda o respeito entre os atletas e se baseia em princípios filosóficos como o “Jita Kiyoei”, que significa “Bem-estar e benefícios mútuos”. Ou seja, a prática deve proporcionar benefícios a todos os seus praticantes, pregando a ajuda mútua entre os judocas para possibilitar o desenvolvimento igual de todos. Um dos principais exemplos de práticas que pregam o respeito no tatame é a saudação, onde se demonstra a gratidão de um lutador pelo outro pelo fato de este o estar ensinando, ajudando-o a se desenvolver. O ideal é que estes sejam princípios a serem levados para a vida, e que não fiquem presos apenas ao momento da competição.
O financiamento à formação dos atletas
O judô é um esporte de prestígio no Brasil, e uma das modalidades com melhor histórico no país. É de se esperar, então, que haja um grande investimento na formação de atletas de alto nível e no trabalho de treinos para a obtenção de bons resultados. De fato, existe um grande investimento e uma boa estrutura para o treinamento do judô de alto nível, mas o problema começa na iniciação dos discípulos. “Existem dificuldades na iniciação e formação, não por falta de qualidade dos professores e atletas, mas é difícil para as academias e clubes menores conseguirem recursos para seguir realizando seu trabalho”, afirma Andrea Oguma.
O peso da falta de investimentos é especialmente sentido pelos judocas. Membros da seleção brasileira e atletas que disputam torneios internacionais recebem maior atenção, mas o mesmo não pode ser dito sobre a formação em nível nacional. “Campeões nacionais como o campeão paulista, brasileiro, Troféu Brasil, etc., não recebem nem 1% do que outros atletas de outras modalidades recebem, sendo que estes sequer chegaram perto de conquistar títulos iguais”, diz Gabriel Gouveia, “Muitos judocas de altíssimo nível são obrigados a largar o judô para estudar e trabalhar para poder pagar o aluguel, as contas básicas”.
Centro Pan-americano de Judô
Construído em ocasião das Olimpíadas de 2016, no município de Lauro de Freitas, na Bahia, o Centro Pan-americano de judô é, atualmente, a maior estrutura de treinamento de judocas da América Latina. Seu objetivo era servir de palco para a preparação dos atletas americanos que estariam presentes nos Jogos, além de abrigar ações de iniciação e formação no esporte.
Construído no antigo terreno do Kartódromo Ayrton Senna, ocupa uma área de 20 mil metros quadrados e é equipado com ginásio climatizado, alojamento e setor administrativo, além de áreas de preparação e recuperação física dos atletas. Possui também um museu do judô, centro de capacitação profissional, auditório e capacidade para até 2500 pessoas.
A construção foi financiada pela União e pelo governo estadual da Bahia. O equipamento esportivo foi objeto de um Termo de Cessão de Uso para a CBJ, que despendeu 5,1 milhões de reais destinados ao projeto executivo, equipamentos e mobiliário.