Por Alessandra Ueno (aleueno@usp.br)
O livro Encarcerados, escrito pelo estadunidense John Scalzi em 2013 e publicado pela editora Tor Books em 2014, chegou em solo brasileiro por meio da Aleph. Um pensamento muito comum surge quando se fala de ficção científica: “Mas os livros mais conhecidos deste gênero são todos escritos há muito tempo, como 1984, Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, Admirável Mundo Novo, entre outros. Então, um escrito alguns anos atrás, como Encarcerados, não vai ser bom”. Bem, a obra de Scalzi prova o contrário.
O cenário da narrativa não é tão clichê futurístico, com cidades inteiramente tecnológicas, seres humanos quase extintos e o domínio das máquinas. Na verdade, a trama foca nos Estados Unidos, em Washington D.C na maior parte do tempo. Um vírus causou uma pandemia e seus sintomas iniciais eram semelhantes aos da gripe, sendo até denominado de Grande Gripe — se fosse uma história escrita a partir de 2020, poderia ser uma referência direta ao coronavírus.
Mas as sequelas deixavam claro que não era uma simples doença. O primeiro estágio da enfermidade matou muitos, já o segundo provocava inflamação cerebral, similar à meningite. A maioria sobreviveu ao segundo estágio sem deficiências físicas ou mentais, mas uma parte sofreu o encarceramento e uma parcela muito menor tornou-se uma classe chamada integrador.
A doença ficou conhecida também como Síndrome de Haden, porque a vítima mais notável foi a ex-primeira-dama dos Estados Unidos da América, Margaret Haden. Os hadens, ou encarcerados, são os sobreviventes da síndrome que tiveram o contato entre o cérebro e o resto do corpo interrompido pela ação do vírus, e assim, continuavam vivos, porém dentro de um corpo estático. Já os integradores são sobreviventes que tiveram a estrutura cerebral alterada, embora sem influência na capacidade física e mental.
Com o encarceramento afetando um grande número de cidadãos, alguns países se uniram e investiram no programa Tratado de Iniciativa à Pesquisa Haden (TIPH), que foi criado para pesquisar formas de permitir a inserção desta nova classe na sociedade. O investimento trilionário trouxe um método de migrar a mente da pessoa encarcerada para o transporte-pessoal chamado C3, ou seja, uma espécie de robô. Por meio de um equipamento conectado ao cérebro do indivíduo, denominado rede neural, é possível controlar o robô como um segundo corpo, já que o original não é viável. Houve a criação de legislações específicas para os encarcerados serem tratados como humanos perante a lei, mesmo quando estivessem ocupando um corpo metálico.
Os integradores são humanos que têm funções parecidas com as dos C3, como a de “locomover” o haden. “Ser integrador” é considerado uma profissão e, diferentemente dos C3, o integrador não é totalmente controlado pelo haden ao qual está conectado: é necessária a aprovação para que o cliente possa realizar a ação que quer no corpo que está ocupando.
Os eventos principais giram em torno do Projeto de Lei Abrams-Kettering, que foi aprovado e retira todos os subsídios governamentais dados aos hadens. Isso ocorreu porque uma grande parcela da população sem relação direta com a causa criticava que eles teriam várias vantagens sobre as outras pessoas. Greves foram organizadas por uma liderança haden, ataques a esta população tornaram-se mais frequentes e um mistério a ser resolvido que envolve muito mais que uma suspeita de suicídio são os destaques da narrativa.
“ – Não é um protesto eficaz se não tirar as pessoas do sério.”
O recém-chegado agente do FBI, Chris Shane, e sua parceira sênior, Vann, são da divisão que cuida de casos envolvendo hadens. Foi num quarto de hotel que aconteceu um crime. Assassinato? Ou seria suicídio? A investigação envolve outros estados, empresas que dominam o cenário mundial, integradores e hadens.
“Está morto? É, acho que sim. Por que diabos você matou o cara? Não acho que matei.”
O enredo do livro é interessante e a leitura é fluida. A mistura de ficção científica e romance policial entretém. A construção e os detalhes das personagens são muito bons: o leitor acaba se apegando e entrando na ação junto com elas. Por mais que não deixe reflexões filosóficas aparentes e questionamentos explícitos, é possível notar o uso de conceitos como políticas públicas, ética e sociedade nas entrelinhas.
“Porque ainda é um ser humano que conduz os C3.”
*Imagem de capa: reprodução/Editora Aleph