Novo romance do inglês Ian McEwan , Enclausurado (Companhia das Letras, 2016) opta por um narrador pouco ortodoxo — um feto, que conta a história ainda no ventre da mãe. Sem nome, nem gênero definido, ele vivencia o mundo através de programas de rádio e podcasts; especula sobre a realidade que o aguarda do lado de fora, ora pessimista, ora otimista, e desenvolve um paladar afinado para os vinhos que sua mãe ingere (e que ele absorve por meio da placenta).
Ainda há o fio condutor principal da história: um complô no qual Trudy, a mãe, se une a Claude, seu amante, para matar John, o pai — irmão de Claude, que é herdeiro de uma mansão milionária. As referências a “Hamlet” permeiam o tom e o tema da obra (cujo título, inclusive, vem de uma fala do príncipe dinamarquês).
No entanto, “Enclausurado” é bem menos obscuro e mais esperançoso em relação à existência humana (“O mundo me acolherá, porque não pode resistir a mim”, nosso narrador matuta, restituído, após tentar o suicídio se enroscando no cordão umbilical.)
A narrativa do romance é consistente e muito bem construída. Os personagens são palpáveis e convincentes, e a trama, à medida que se desenvolve, prende o leitor até a última página — a tensão é crescente e ininterrupta, também à maneira de uma tragédia de Shakespeare. Mais do que isso, é um livro engraçado, e que dosa com competência o humor como sarcasmo, como alívio cômico, e mesmo como elemento dramático. Representa uma recuperação formidável após o medíocre “A balada de Adam Henry”, romance anterior do autor.
Outro ponto positivo da edição brasileira é a tradução primorosa, executada pelo diplomata e empresário (!) Jorio Dauster. Mesmo no português, os diálogos permanecem claros e naturais, e as frases emulam o estilo orgânico de McEwan — simples, porém potente.
Por Laura Castanho
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