Felipe Maia
O tango é um gênero grandiloqüente. Os arranjos envolvem quem o escuta com sensibilidade; os metais sutilmente abraçam o corpo; e o choro do bandoneão (espécie de acordeom) entra por todos os poros, não só pelo ouvido. Em certo momento, no filme Café dos Maestros (Cafe de Los Maestros, 2008), um dos “tangueros” diz que, se ao escutar o tango, o seu coração não palpitar de maneira diferente, então que vá fazer outra coisa. Esse novo ritmo no peito só se explica porque, como qualquer música, o tango traz lembranças, imagens e sentimentos. No filme, a música traz uma Argentina como um eco longínquo, quase imperceptível. Sobra tango, falta o nosso rival.
Reunir os antigos músicos de bailes e festas da dourada Buenos Aires dos anos 20 é um projeto que data de 2005. Ao fim deste ano, acontece uma apresentação única com todos os senhores e senhoras no famoso teatro Cólon. Esse é o ponto alto do filme, para o qual caminhamos após ensaios e depoimentos. A projeção se faz como uma melodia cativante, que atrai qualquer um que admire boa música. Infelizmente, uma bela canção no formato MP3 e tocada num player barato: perde-se em qualidade e detalhes, isto é, não se escuta Buenos Aires. A Buenos Aires de ar europeu, do futebol e da Bombonera, de uma época requintada e glamurosa e que nos presenteou com o tango, “nacido en el suburbio que hoy reina en todo el mundo”, como nos diz La Canción de Buenos Aires.
Não se pode negar, contudo, que esta foi uma empreitada feliz. Talvez a maior vontade na produção do filme tenha sido trazer o tango ao espectador, não só como ritmo, mas como registro histórico e social. E isso foi em grande parte conseguido por culpa dos depoimentos. O documentário tem o dedo de Walter Salles — e também o apoio da Ancine — e é dirigido por Miguel Kohan, embora o grande maestro da obra seja o produtor Gustavo Santaolalla: é ele o idealizador do projeto. Diz Santaolalla que houve preocupação em desvincular o tango de uma imagem turística da cidade, de dançarinos pelas esquinas e ruas realizando apresentações mirabolantes. Em prol disso, foram-se também as ruas, esquinas e muito do espírito tanguero, de sua origem, de sua essência: Buenos Aires.