Quando as primeiras batidas de Ta fête soam no palco, todo o público vibra freneticamente. No meio do mix de frenesi entre música e plateia, Stromae surge do escuro anunciando: il est l’heure (é a hora). Ele dança, ele pula, ele remixa, ele pulsa, ele não para. O belga Paul Van Haver (seu nome de batismo) mistura música eletrônica com hip hop e tirou todo mundo do chão durante seu show nesse domingo (22) na da Áudio Clube, Zona Oeste de São Paulo.
Stromae estourou em 2009 com a música Alors On Danse. A partir de então a efervescência de seu ritmo, a força de suas letras e seu carisma lhe renderam mais e mais notabilidade. Ele foi convidado para compor o tema da seleção da Bélgica na Copa do Mundo de 2014: Ta Fête.
Conhecido por sua timidez, em cima do palco ele se transforma. É um performer, interpreta e sente cada palavra de suas letras e se entrega à música, ao show, à plateia. Ali, ele não é o Paul reservado, é o maestro de tudo que acontece à sua volta. Rege cada minuto de seu show e cada movimento efusivo de seu público. E ele sorri, suado, cansado, mas extremamente feliz.
Bâtard é a segunda música que ele toca. É a hora de fazer todo mundo bater palmas e cantar à capela os versos de tremenda simbologia: Ni l’un ni l’autre, je suis, j’étais et resterai moi (nem um nem outro, eu sou, era e serei eu mesmo). Bârtard fala sobre o racismo, do racismo velado, do racismo que acha que não é racismo. Stromae é filho de uma mistura: uma belga e um ruandês. Bastardo?
Para cantar Tous les mêmes, ele trouxe o figurino característico: o terninho verde e rosa. Além da roupa, ele encenou alguns momentos essenciais do clipe e reproduziu no palco a dança do refrão. Teatral, quase caricato, Stromae envolveu e arrancou gritos do público durante a apresentação. E se o primeiro verso da música se aplica a ele (“Vocês homens são todos iguais”)? Suas músicas brilhantes e esse show mostraram que não.
Quando se trata de Stromae, nada é demais e tudo é pouco. Para cantar Ave Cesaria, uma garrafa de rum. Ele despeja a bebida no copo e todos se divertem. Um brinde pro alto, ao universo. Será que ele vai beber? O suspense dura menos de um minuto: ele vira todo o copo. A plateia enlouquece: “Evora, Evora”.
Uma das músicas que mais fizeram sucesso na internet, Formidable diminuiu o ritmo frenético, mas trouxe também um dos momentos mais bonitos do show. O clipe da música viralizou na internet. Filmado com câmera escondida, Stromae é um bêbado vagando nas ruas de Bruxelas. Quando o gravou, a notícia se espalhou como sendo verídica. Depois, a surpresa. Assim como na web, a música também é sensação ao vivo. O coro das pessoas acompanhou fielmente enquanto ele agonizava no chão do palco.
Alors on danse, uma das músicas de maior sucesso no Brasil, diz muito sobre Stromae e seu trabalho: “Então a gente sai para esquecer todos os problemas. Então a gente dança”, diz um trecho da canção. Tocar em temas tão delicados como racismo, ausência de pai, relacionamentos ruins e miséria através da música eletrônica extremamente pulsante parece controverso. Em recente entrevista, ele deixou claro que suas músicas visam exatamente isso: um escape. Fazer que com pessoas do mundo inteiro dancem ao som de mazelas da civilização é, no mínimo, interessante.
Durante, o show, ele ratificou a imagem carismática. Ao dizer várias palavras em português e fazer diversas menções a São Paulo, o cantor ganhou para sempre o público. Além disso, ainda conversou em inglês e francês (seu idioma) com a plateia. E como conversou! as interações com o público foram muitas e sempre animadas. Além de cantor, dançarino e performer, Stromae é um comunicador.
C’est fini
O belga guardou o melhor para o final. Chegou carregado por sua banda com o sorriso plastificado característico de Papaoutai, a música mais esperada da noite. A canção durou 10 minutos, e músico e banda abusaram dos recursos da música eletrônica e dos do corpo humano também: Stromae era mãos, braços, pernas, contorcionismo e voz, muita voz.
Após os agradecimentos, a galera gritava: mais um, mais um! “Tá bom”, ele respondeu com sotaque carregado. Pediou silêncio e como quem toca com os amigos na sala do apartamento, cantou com sua banda uma versão de Tous les Mêmes à capela. Foi a cereja de um bolo-show que agradou o paladar de todos e deixou cada um ali querendo mais.
Setlist:
Ta Fête
Bâtard
peace or Violence
Tous les Mêmes
Ave cesaria
Quand C’est?
Moules Frites
Formidable
Carmen
Humain à l’eau
Alors on Danse
Papaoutai
Merci
Tous les memes (a cappella)
Por Thais Mattos
thais.matos.pinheiro@gmail.com