Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Entre trilhos e lendas, a Vila de Paranapiacaba

Uma história contada em fotos da vila ferroviária que se tornou a SIlent Hill brasileira

Por Luiz Dias (lhp.dias11973@usp.br)

Localizada na Serra do Mar, Paranapiacaba atrai milhares de turistas todos os anos, seja pelos icônicos festivais, pelas trilhas com cachoeiras ou pelas lendas urbanas criadas em torno da “Silent Hill brasileira”. A vila, cujo nome em tupi-guarani significa “a terra de onde se vê o mar”, reflete a história de São Paulo e do Brasil, gravada em trilhos na serra.

O povoado nasceu no auge do ciclo do café e da necessidade dos Barões do Café de escoar sua produção de Jundiaí até o porto de Santos. Com esse propósito, o Barão de Mauá e o engenheiro britânico James Brunlees idealizaram a São Paulo Railway, ferrovia que ligaria o interior ao litoral — o berço da vila e da história ferroviária brasileira.

Paranapiacaba surgiu a partir do principal acampamento de operários da ferrovia, em uma posição estratégica na serra
O grande trunfo da linha era o sistema funicular, revolucionário à época, que operava de forma intermitente, semelhante ao sistema de teleféricos
Tamanha era a inovação que o patamar principal da ferrovia contava com uma pequena arquibancada — ponto de encontro de visitantes do mundo todo — para assistir à operação
O trajeto completo, de Paranapiacaba até o litoral, pode ser visto em uma maquete com trens em movimento no Ferreo Clube do ABC
Um dos símbolos da importância da via é o Carro nº 48, ou Carro Imperial, que, junto da Locomotiva nº 15, era utilizado por Dom Pedro II em suas viagens a São Paulo

Com o intenso fluxo de capital entre o interior e o litoral, a região prosperou e se expandiu, originando a Vila de Martin Smith nas redondezas. Planejada em modelo inglês, ela abrigava os funcionários e suas famílias. Atualmente, Martin Smith se fundiu com o restante do território e é conhecida como a Parte Baixa.

O centro do projeto inglês concentrava-se no Castelinho, antiga casa do engenheiro-chefe, localizada no ponto mais alto do povoado
O Castelinho foi convertido em museu, onde os visitantes podem conhecer a história local e observar objetos históricos
Mapa do Sudeste do Brasil em exposição no Museu do Castelo

O posicionamento do Castelinho, além de projeção hierárquica, possuí uma função psicológica. Segundo Daniela Bergamini, guia turística de Paranapiacaba, os ingleses aplicaram arquitetura panóptica em Martin Smith, uma construção em que os operários teriam a sensação constante de observação por parte dos superiores e dos vigias da cidade. 

A partir de sua janela, o engenheiro-chefe mantinha vigilância sobre toda a comunidade
A partir de sua janela, o engenheiro-chefe mantinha vigilância sobre toda a comunidade
Outro marco histórico foi a criação, em 1894, do primeiro campo de futebol com medidas oficiais do país, sede do São Paulo Railway Athletic Club, atual União Lyra-Serrano

Além disso, Paranapiacaba teve papel fundamental na introdução do futebol no Brasil. Charles Miller, filho de ingleses que trabalhavam na ferrovia, é creditado por trazer o esporte ao país, levando bolas e um manual de regras — e fazendo da vila o epicentro da difusão do futebol.

Fatores como o fim do ciclo do café, a transição nacional para o modal rodoviário e a mecanização das ferrovias estagnaram o crescimento local

“O dinamismo da Vila de Paranapiacaba, intimamente ligado à vida da estrada de ferro, sofre uma interrupção com a valorização do uso do automóvel”

Citação do livro ‘Caminho do Café. Paranapiacaba: museu esquecido’

A rodovia foi desativada em 1977, e seu esqueleto se tornou a Trilha da Funicular, uma das mais perigosas do país  por conta do alto grau de deterioração dos trilhos
Outro vestígio do sistema funicular são quilômetros de galerias subterrâneas , espalhadas pela serra  escavadas manualmente
O legado da rodovia está em exposição no Museu do Funicular, empreendimento custeado totalmente com a venda de ingressos

Com a obsolescência iminente da ferrovia, autoridades locais e moradores começaram a transição para o modelo turístico que sustenta a cidade atualmente. Esse movimento foi iniciada pela compra da vila pela prefeitura de Santo André, sob gestão de Celso Daniel e o ínicio de investimentos que aumentariam o fluxo de turistas.

“Olha, esse lugar não é o fim do caminho — é a pérola do ABC”

Ex-prefeito Celso Daniel

Uma parte dos investimentos dedicados na cidade foram para capacitação de guias turísticos, dentre eles Daniela Bergamini, que destacou o compromisso dos paranapiacabanos nesse processo: “Somos nós, moradores e descendentes, que tocamos esse projeto: recebemos os visitantes, contamos as histórias de nossos pais, avós e familiares ferroviários. Essa essência ferroviária é algo que não podemos perder”.

O turismo da cidade se concentrou em museus ferroviários, mas especialmente voltado para o misticismo local. Quando questionados, moradores e guias oferecem diferentes versões sobre a origem das lendas locais.

Uma delas foi relatada por Carlos, guia do Museu do Funicular, que especula que parte das histórias surgiu de avistamentos de rituais indígenas durante a construção dos primeiros acampamentos. Após os avistamentos até fenômenos banais como o ruído nos telefones ou estalos na madeira das casas começaram a ser tomados como fenômenos paranormais.

A neblina constante, somada ao cenário industrial enferrujado, reforça o ar misterioso do local e lhe rendeu o apelido de “Silent Hill brasileira”
As lendas urbanas ganharam até um roteiro turístico próprio: o Circuito Lendas e Mitos, que inclui histórias como a de Jack, o Estripador e o cemitério local
Dentre elas, a lenda do trem-fantasma é uma das mais famosas da região e foi imortalizada em uma entrevista da saudosa Dona Francisca, uma famosa moradora local
Dentre elas, a lenda do trem-fantasma é uma das mais famosas da região e foi imortalizada em uma entrevista da saudosa Dona Francisca, uma famosa moradora local

A egrégora mística que envolve Paranapiacaba movimenta não apenas a economia, mas também práticas espirituais, como a bruxaria natural. A vila abriga a  Associação Brasileira de Bruxaria (ABB), uma instituição que oferece, através de palestras e encontros, conhecimento espiritual de diversas doutrinas. Aassociação em si não possuí caráter religioso.

A vila sedia todos os anos a Convenção de Bruxas e Magos, o principal evento sazonal da região
Além da Convenção, há outros festivais ao longo do ano, como o Festival Medieval e o Festival de Halloween, com diversas atrações temáticas
O turismo ecológico é outro destaque, com trilhas que variam do nível iniciante ao avançado
A região abriga o Parque das Nascentes de Paranapiacaba, onde trilhas atravessam cachoeiras e rios em meio à Mata Atlântica
Um dos pontos mais cobiçados dos turistas são os mirantes em que é possível observar a cidade de Cubatão
A biodiversidade local também se expressa no cambuci, fruta típica abundante na serra, vendida versões como sorvete e cachaça
E, ao final do dia, depois de explorar tudo o que for possível, a neblina e as luzes industriais se despedem dos visitantes da vila ferroviária de Paranapiacaba

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima