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Construindo pontes culturais

  A busca pela integração entre as diferentes formas de enxergar o mundo. por Pricilla Kesley pricillakesleyhonorato@gmail.com Se antes os homens, partindo de um único polo cultural ancestral, em algum momento repartiram-se em muitas culturas – tema o qual é objeto de intensa discussão científica – hoje o que se observa é sua aproximação cada …

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A busca pela integração entre as diferentes formas de enxergar o mundo.

por Pricilla Kesley

pricillakesleyhonorato@gmail.com

Se antes os homens, partindo de um único polo cultural ancestral, em algum momento repartiram-se em muitas culturas – tema o qual é objeto de intensa discussão científica – hoje o que se observa é sua aproximação cada vez mais intensa. Talvez não seja possível falar na construção de uma torre, que representaria a homogeneidade dos povos, mas é inteiramente possível falar em pontes, que representam o esforço humano em integrar-se culturalmente.

A circulação dos povos entre diferentes nações não é algo novo. Historicamente, muitos foram os períodos e os motivos de intensos deslocamentos humanos. Porém, na era da tecnologia, na qual as pessoas podem viajar o mundo no sofá de suas salas, movimentar-se entre culturas tornou-se ainda mais significativo. São deslocamentos intencionais onde o viajante quer a possibilidade de agregar valores e, para isso, é imprescindível que o país receptor esteja pronto a envolvê-lo em sua cultura.

O turismo em números

Alguns dados fornecidos pela Organização Internacional do Turismo demonstram essa expressiva movimentação entre os povos. Em todo o mundo, os desembarques internacionais passaram de 124 milhões nos primeiros meses de 2011. No mesmo período de 2010, o desembarque internacional foi de 119 milhões. De acordo com a atualização provisória de UNWTO World Tourism Barometer, o crescimento foi positivo em todas as regiões. A América do Sul apresentou crescimento de 15%, posicionando-se como uma das regiões mais procuradas por estrangeiros.

Dentre as muitas motivações que implicam o aumento dos deslocamentos humanos intencionais, está a busca pelo contato com o novo e os desafios de vivenciar uma cultura diferente. Nesse viés, muitos são os estrangeiros que aportam nas terras tupiniquins. O Brasil atrai àqueles que idealizam imergir numa cultura rica, que proporcione não só o enriquecimento dos olhos, mas o enriquecimento humano.

Segundo a EMBRATUR, o Brasil recebeu 5,16 milhões de estrangeiros em 2010. Embora grande parte desse contingente seja referente à viagem de negócios, há os estrangeiros que buscam crescimento pessoal e educacional através da interculturalidade. Eles chegam ao Brasil por meio de programas oferecidos pelas agências especializadas em intercâmbio, programas de universidades e também existem aqueles que, após estudar um idioma, decidem vir ao país para entrar em contato direto com a língua.

O Ministério das Relações Exteriores, em parceria com o Ministério da Cultura, promove o PEC-G, programa de intercâmbio educacional que oferece formação superior gratuita aos cidadãos de países em desenvolvimento, em diversas universidades do país, tanto particulares quanto privadas. O aluno passa por um processo de seleção e, se aprovado, fica encarregado de custear as despesas financeiras, de se deslocar e se estabelecer no Brasil. No começo deste ano foram aprovados 434 estudantes das mais diversas nacionalidades.

Intercâmbio cultural

Mariana Gaddi, consultora de vendas de escola de intercâmbio cultural, comenta sobre as finalidades do intercâmbio. As modalidades de intercâmbio para vir ao país são três: para estágio, para hospedar-se com uma família brasileira e para realizar trabalhos voluntários.

Sobre a troca de culturas, Mariana comenta que a função da agência não é só vender uma viagem, enquanto instituição educacional. Seu objetivo também é proporcionar uma experiência rica para o estrangeiro. Desde a chegada até o retorno ao país de origem, a agência oferece todo apoio para que este tenha suas expectativas concretizadas.

A agência responsabiliza-se junto com a família receptora de imergir o estrangeiro na cultura brasileira no dia-a-dia, apresentar-lhe comidas típicas, pontos culturais, belezas naturais, costumes, até impressões que fujam do senso comum sobre o Brasil. O estrangeiro também conta com visitas periódicas dos coordenadores da agência, que lhe questionará sobre sua adaptação e experiências.

O intercâmbio em sua modalidade de hospedagem pode durar de alguns meses até um ano, as idades contempladas dependem da modalidade escolhida, mas variam entre 15 até 28 anos.

“Brasil qual é o teu negócio?”

Enquanto diversos países recebem estrangeiros que têm interesse em aprender as línguas locais, o Brasil destaca-se principalmente pela diversidade e pela possibilidade de proporcionar diversos países em um único país. Os estrangeiros que aqui desembarcam querem sair daqui diferentes e saem. Já cantava Milton Nascimento:

A novidade é que o Brasil não é só litoral! (Notícias do Brasil – Os pássaros trazem).

Para além do país do futebol e carnaval, existe ainda a maior riqueza brasileira: seu povo. É retratado por quem aqui esteve como um povo acolhedor, flexível, descontraído e alegre: um povo que tem algo a ensinar.

“Os latinos americanos são diferentes”. Esta é a opinião da professora do ensino fundamental, Romina Carla Forestas, argentina, que já esteve no Brasil algumas vezes.

 

 

Argentina declara seu amor pelo Brasil.
A argentina Romina e sua filha, Lihuen, na cidade de Paraty - RJ (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Romina conta que ainda pequena se encantou com o Brasil durante uma viagem com a família ao país. De volta à Argentina, decidiu estudar a língua portuguesa e para praticar, comunicava-se pela internet com brasileiros. Ela afirma que, através dos amigos virtuais, “sentia receptividade, carinho e amabilidade, um tipo de gente que me fazia sentir confortável”.

Após quatro anos de contatos apenas pela internet, Romina diz que sentiu necessidade afetiva de visitar novamente o Brasil. Agora mãe e mais madura, queria aproveitar nossa cultura, gente e costumes diretamente. Esteve no Brasil em 2010 com sua filha Lihuen, de 5 anos, em viagem pelo sul do país e afirmou : “O Brasil só tem um problema: é muito grande!”, comenta entre risadas.

Questionada sobre o que é especial na cultura do Brasil, Romina diz que “é um país que tem um povo cálido, que se doa mais ao outro, um país com muitas diferenças culturais, possui diversidade de etnias nativas e estrangeiras, o que o torna ainda mais atraente. E claro existem as paisagens lindas de mais em suas variadas formas.”

Já as portuguesas, Teresa Filomena da Silva Vieira e Mônica Cristina Silva Duarte, estudantes de Comunicação Social do Instituto Politécnico de Lisboa que vieram ao Brasil através de um programa realizado por sua faculdade, comentam que poderiam ter ido à Europa, mas preferiram o Brasil. “Queríamos uma experiência com um povo diferente, numa cultura totalmente nova, distante de casa e pensamos: – América Latina, por que não?!”, conta Mônica com entusiasmo.

As estudantes o tempo todo se intercalam para contar suas impressões do país. Sobre como têm aprendido com a experiência vivida no Brasil, elas garantem que são bem tratadas pelos brasileiros e que viver em outro país com hábitos tão diversos tem sido marcante. Sobre o povo, Teresa afirma: “O povo daqui é mais descontraído. Nós temos em Portugal uma cultura mais conservadora, mais tradicional. Aqui no Brasil vocês são mais ‘dados’, os portugueses sempre ficam com um pé atrás.”

Mônica, sempre sorridente, conta como gostou do Rio de Janeiro, de ir à praia, caminhar no calçadão, da gente alegre, à vontade, com pouca roupa, “acho que parte dessa alegria dos brasileiros se deve ao clima também, a esse calor”. Porém, fazem uma ressalva: “há muitas piadas de portugueses aqui e em Portugal não temos piadas sobre brasileiros” e enfatizam; “nem todas as mulheres portuguesas têm bigode, algumas talvez, mas nem todas!”

O americano Elvis Ulises Diaz, estudante de Relações Internacionais e Economia, esteve no sul do Brasil durante um ano e oito meses como intercambista cultural. Com muito carinho pelo povo e pelo país ele afirma: “Se existe um deus, ele é brasileiro!”

Quando questionado sobre por que o Brasil foi escolhido como destino para seu intercâmbio, Elvis comenta que “[…] o Brasil vai ser um dos novos poderes mundiais ainda neste século. Além disso, o português é um dos dez idiomas mais falados do mundo. Queria ter domínio sobre um idioma como o português para poder me conectar com mais pessoas.”

Sobre a impressão do povo brasileiro, Elvis não poupa elogios: “O povo brasileiro é um povo maravilhoso. Simpático, humilde, respeitoso e. sobretudo, os brasileiros são divertidos”.

Elvis hospedou-se com uma família brasileira no estado do Paraná. De acordo com sua opinião, “Curitiba, além de ter uma ótima infraestrutura – melhor que em outras cidades brasileiras e em outros países o qual visitou – , é também uma cidade que demonstra a pluralidade e regionalismo que existem no Brasil”. Conta ainda que teve a oportunidade de participar de um grupo de dança de forró universitário, no qual pôde conhecer um outro tipo de brasileiro com o qual se encantou e aprendeu muita coisa: os nordestinos. “O povo nordestino é super alegre, gosta de festa e de dançar.”

Advindo de um país que possui uma longa história de desastres naturais, Elvis se entusiasma ao falar das condições naturais brasileiras: “O Brasil está cheio de uma exuberante natureza e não tem terromoto, furacão ou tornados”.

Encarando o Brasil com outros olhos

Constantemente a imagem Brasil é alvo de citações pouco elogiosas e estereótipos, fruto do conhecimento fragmentado de um país tão grande.

Embora o Brasil possua elementos negativos, aqueles que aqui estiveram com intenção de integrar-se culturalmente contestam os estereótipos e afirmam que há mais a ganhar do que a perder convivendo com o povo que “tem uma certa ginga”.

O assunto é controverso. Os grandes filmes de sucesso do país limitam-se às características pontuais da vida do brasileiro, fomentando ideias incompletas. Em alguns pontos os entrevistados concordam que há um exagero em relação à violência.

“Eu imaginava que aqui teria mais pobreza, que os carros nas ruas seriam mais fracos. Achei que encontraria mais violência. Não estranhei muito, depois de um tempo me senti em casa”, conta Tereza.

Monica afirma que houve alguma resistência por parte de sua família para viajar ao Brasil, tanto por ser bastante apegada ao núcleo familiar, quanto pelos estereótipos. Ela diz que sua mãe se mostrou muito preocupada com a violência que ela poderia encontrar.

“Ficaram preocupados porque falam sobre a criminalidade (…), há criminalidade aqui, mas há criminalidade em Portugal também e na Europa e na América do Norte. Estou aqui há três meses e nunca fui assaltada. As pessoas lá fora têm uma ideia errada.”

Já Elvis conta como mudou a visão superficial que tinha do país após a convivência íntima com o povo e os costumes do Brasil. “Como a maioria dos americanos, quando pensamos em Brasil, pensamos em carnaval, samba, favela, mulata […]. Aprendi que existe um Brasil fora do Rio de Janeiro, que é tão espetacular quanto a cidade maravilhosa.”

 

 

Elvis e os dois irmãos da família que o hospedou.
Elvis (na ponta, à esquerda) ao lado dos dois irmãos, Helerton e Everson, filhos da família Reis, com quem se hospedou no Brasil. (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Animado ele revela sua surpresa ao descobrir a música sertaneja. “Um big shock foi a música sertaneja. Eu não sabia que existia Brazilian Country music. Agora eu escuto Michel Teló, Victor e Léo, Chitãozinho e Xororó… ”, comenta descontraído.

A professora Romina diz que esperava mais rivalidade em relação ao futebol argentino e que as pessoas fossem mais fanáticas, o que não aconteceu. Ela diz que não possuía nenhuma ideia negativa pré-concebida sobre o Brasil e que na verdade ela tinha ótimas expectativas dado ao laço afetivo que havia desenvolvido com o povo brasileiro. Não considera os brasileiros um povo violento, diz que talvez o Brasil aparente maior violência devido ao seu tamanho geográfico e populacional e aponta: “A violência de um país não está em seu povo, está no sistema.”

O lado obscuro do Brasil

Embora o Brasil seja um país alegre e atraente, ainda enfrenta muitos problemas sociais. A integração cultural numa realidade nova implica na disponibilidade do estrangeiro em lidar tanto com os aspectos positivos quanto negativos da sociedade onde está imerso, tendo coomo objetivo tirar o máximo de lições possíveis. Ao lado da beleza do Brasil convivem dificuldades que não passam despercebidas pelo estrangeiro. O Brasil despe-se de suas belas cores e revela o seu lado obscuro.

Comentando as particularidades negativas encontradas no país, Elvis é critico:

“É necessário investir em todo Brasil, não apenas em algumas regiões e lugares que figuram como grandes centros econômicos. Tem que pensar no povo, educá-lo, oferecer ferramentas a ele, para que ele possa mudar pra melhor.”

Ele ainda complementa dizendo que entrando em contato com o povo nordestino, pode ver as muitas necessidades com as quais a região do nordeste ainda convive.

Tereza comenta: “Eu esperava que no Brasil houvesse mais acesso à educação e percebi que não é assim. Lá (em Portugal) existem muitos auxílios, bolsas para quem não tem condições. É difícil alguém não estudar. Aqui há uma desigualdade social acentuada. Pessoas muito, muito pobres e pessoa muito ricas.”

Sobre as dificuldades que enfrentou quanto à violência e aos problemas sociais Elvis relata:

“Como em qualquer cidade urbana que integra um país em desenvolvimento, vi coisas no Brasil que não estava acostumado a ver nos Estados Unidos: meninos pedindo esmola e ‘caras’ que cuidavam do meu carro em troca de dinheiro”. O americano comenta que quase foi assaltado três vezes. Em duas ele conseguiu escapar, porém na terceira não teve saída. “o ‘cara’ era grande e pediu pra passar a grana senão… Quando ele me disse pra passar a grana eu dei o que tinha e corri. Ele levou dez reais”.

O que o Brasil ensina

Sobre a importância da interculturalidade, das experiências vividas e do crescimento pessoal que desenvolveram enquanto estiveram imersos na cultura brasileira, há unanimidade. O brasileiro ensina àqueles que vêm de fora que é possível ter harmonia na multiplicidade, a não levar tudo tão a sério e que há sempre tempo para uma bela caminhada na praia ao fim do dia.

A experiência de contato direto com a cultura faz toda diferença, não é a mesma coisa que estudá-la via internet ou livros. A este respeito Romina comenta: “Você aprende a ser mais aberto, a ser mais disposto, a conhecer o diferente. Você vivência a realidade das pessoas. Eu voltaria muitas vezes ao Brasil”.

As portuguesas, Tereza e Mônica, comentam que viver longe da família lhes ensinou responsabilidade, flexibilidade e a partilhar. Não poder correr à família assim que necessitam fez muita diferença. Além disso, estar no Brasil lhes proporcionou ter a oportunidade de conhecer outros valores e a olhar as pessoas de maneira diferente.

Questionadas sobre qual postura em particular elas absorveram do povo brasileiro, Mônica responde de imediato: “Aprendi a ser mais prática, menos teórica, mais simples e com certeza mais à vontade!”.

Elvis afirma: “Agora sou praticamente brasileiro de coração! Aquilo que absorvi do Brasil e sempre estará comigo é a paixão pelo futebol – Atlético Paranaense! O melhor do mundo! – , a música – a voz e as letras de Chico Buarque são sensacionais –  e a humildade do povo brasileiro”.

Ele afirma que a experiência no Brasi foi uma aprendizagem humana, que conheceu uma nova cultura, idioma e desenvolveu uma nova impressão do mundo além do seu próprio.

“Adorei o começo! Porque não entendia nada. Me sentia liberto. não estava sendo bombardeado por comerciais de TV, anúncios na rua, por toda aquela propaganda da mídia e pressão da sociedade. Era maravilhoso porque estava cercado de pessoas e ao mesmo tempo não estava, uma vez que não podia me comunicar com os outros. Estava sozinho. Durante esse tempo eu conversava comigo mesmo e aprendi muito sobre mim.”

Embora a comunicação instantânea seja um grande avanço nas relações humanas, jamais será o modo ideal de assimilar o outro, de conhecê-lo completamente. Mônica afirma que venceu a resistência de sua mãe com o seguinte argumento “Tenho que ir, tenho que ver, tenho que experimentar, eu tenho que estar lá, para desenvolver minha própria opinião.”

 

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