Conheça a história de Seu Luiz, um trabalhador da cidade de São Paulo que transformou a sua vida em uma notícia
Por Aldrin Jonathan (aldrinjss@gmail.com)
É domingo na cidade de São Paulo. Uma infinitude de coisas para se fazer: missa, teatro, futebol, cinema, museu. Para seu Luiz é mais um dia de parque da “árvore velha”, ou simplesmente, Parque do Ibirapuera. O Parque oferece diversas atividades de lazer, é sempre uma boa opção para sair com a família – ou amigos – praticar esportes ou cuidar do físico. Para quem não possui carro, como eu, vai mesmo é de transporte público. Até que no final de semana dá para encarar. Há quem se arrisque a ir pedalando. É bom para a saúde e serve como um aquecimento para o dia. Se for de metrô o jeito é descer na estação Ana Rosa, linhas azul e verde, e caminhar uns 20 minutos até o parque.
Já na avenida Conselheiro Rodrigues Alves, o artista urbano Cosme Rodrigues canta “essa felicidade” animando o dia. O ritmo contagiante do pandeiro convida os pés para dançar. É impossível ficar imune. O ritmo nos assalta o imobilismo. Quando termina, Cosme todo malandrão pergunta: “Eai tem dinheiro pro Negão?”. Ele bem que merecia por alegrar o dia. E sai cantarolando até ser proibido de tocar na calçada (se é que isso existe) do Habib’s por um funcionário de lá.
No Ibirapuera, a palavra é movimento. Tem de tudo: gente correndo, gente brincando, gente conversando e gente com gente. Tem skate, tem patins, tem piquenique, tem foto, tem Mario de Andrade anônimo e tem seu Luiz. Ele é um dos “tios” que vendem coco. Ali no meio da multidão, Luiz é um ponto imóvel sentado num dos muitos bancos do parque. Assim, de longe, seu carrinho em nada se diferencia dos outros “tios”: é exatamente igual: coco, “salgadinho” e troco. Seu Luiz há treze anos observa o movimento do Ibirapuera. Ele adora admirar, sentado em seu velho banco, o zigue-zague dos corpos. Começou a vender coco quando ficou desempregado, terminou de pagar a aposentadoria como autônomo.
Aos 70 anos muita coisa já viu acontecer ali, até mesmo chegou a conhecer o tal “maníaco do parque”, que assim de vista não apresentava nenhum traço anormal. Já naquela época, 1998, ninguém conhecia ninguém, assim só de olho. Mas sonho mesmo Luiz já não tem. Ele queria retornar às origens: São José de Mipibu no Rio Grande do Norte, de onde saiu em 1973, deixando alguns dos dez irmãos para trás. Chegou até a vendar sua casa em Parelheiros para voltar para lá, mas pensou nas duas filhas e no neto Diones e decidiu ficar. Ainda mais que no começo do ano, 12 de janeiro, sua companheira de infância “viajou” para estudar os campos santos, após 45 dias de internações e cirurgias no Hospital São Paulo. Luiz custou a não cair em “depressão”. A casa se torna “muito vazia”. É uma solidão só. Mas seu Luiz até que tem sorte: Diones é seu “terapeuta”. Seu Luiz gosta muito do único neto, de 12 anos. Diones o distrai, e seu Luiz precisa se distrair.
Aliás, vender coco o distrai. São três tamanhos de copo, de quatro, de cinco e de seis reais. O coco mesmo custa cinco reais. Lucro de dois reais e setenta centavos, porque compra cada coco por dois reais e trinta centavos. Em média lucra R$ 600,00 por mês, tirando as despesas de aluguel do carrinho, marmitas que compra e os R$ 95,00 pagos à cooperativa para que ela lute judicialmente por seu direito de permanecer no parque. “Todo mundo paga”. Luiz consegue se virar com o dinheiro do coco e com a aposentadoria: até que dá pra sobreviver.
Luiz só é “tio do coco” nos finais de semana. De segunda à sexta não fica só em casa não, gosta mesmo é de passear: caminha, faz exercícios e até pensa em paquerar. Na verdade é “ficar”, mas “tem que usar camisinha”, é claro. Ele até tentou uma cantada pra cima de “uma coroa lá da [sua] rua”, mas a viúva era difícil, não dava o braço a torcer não. E que suas filhas não saibam disso, elas não gostam dessa ideia de ver o pai namorando. Mas ele protesta: “não sou boneco de barro pra ficar parado, eu estou vivo”. Seu Luiz também bebe muita água de coco pra manter a saúde e a imunidade alta, come até a polpa do coco “porque tem muito cálcio”. Hoje em dia com esses “agrotosho” e com esses “salgadinhos” se tem muita doença no corpo. É diabetes, “ostoporose”, até os jovens estão doentes. Seu Luiz até mostra um panfletinho desses de vendedor com lábia, segurando o papel com o dedo indicador da mão direita levemente cortado. Era a “água da vida”, que possuía todos os minerais essenciais à saúde. Cada galão de água, desses convencionais, custa mais de R$ 200,00. Ele acha que vai comprar.
Mas do que seu Luiz não gosta mesmo é de violência. É pai matando filho, filho matando pai. Não dá mais pra aguentar. Não há mais respeito por ninguém, virou um horror. As pessoas não ao menos se cumprimentam. A tarde do Ibirapuera acaba umas seis e meia para seu Luiz. Ele vai guardar o carrinho e vai voltar pra casa. O Ibirapuera não se dá conta de que Luiz está voltando pra casa, excetuando os outros “tios”, que sempre passam por ele balançando a cabeça num gesto de saudação, e o guardador de carrinhos. Seu Luiz está voltando para casa e leva o boné que esconde a careca branca, os óculos de grau que ofuscam os olhos claros, o jaleco verde que o identifica como “tio” (do coco) e todas as crônicas que passaram por seu nariz. No caminho de volta pra casa, pega o metrô, que também para seu Luiz é um inferno no horário de pico. A segunda feira abre o ritual semanal: academia, Diones, caminhada, novela. No final de semana tem mais coco, mais movimento, mais cores. E seu Luiz vai distraindo a vida sem pressa, com olhos calmos de experiência.