O esporte é melhoramento físico, trabalho estético, saúde, paixão, mas além disso, é uma expressão de vida. Todos fazem alguma prática esportiva, que seja fazer yoga, dançar ou eventualmente caminhar em um parque; independentemente do exercício, alguma prática esportiva é inevitável.
Mas e se, não bastando nem uma pelada com os amigos, nem caminhadas nos fins de semana e nem mesmo uma maratona inteira, alguns buscassem um novo limite? De uma ultramaratona de 89 quilômetros na África do Sul a sete Ironmans e dois Ultramans completos, superar desafios impostos por si mesmo é uma proposta alternativa que diversas pessoas, muitas delas tendo trabalhos “ordinários”, se tornam determinadas a cumprir.
Ultramaratona: atravessando a África do Sul
A ideia de Raul Vianna, de 55 anos, veio espontaneamente em um churrasco em família. Seu pai, após experienciar a atmosfera de uma maratona de Nova York como espectador, desafiou alguns dos filhos a correr uma edição. Raul então, ‘após várias cervejas’, colocou o tênis ali mesmo e foi correr. Ele afirma que foi a partir daí que começou a se interessar pela corrida. O diferencial, desta vez, era que ele tinha um objetivo claro em mente.
Cada vez mais ele tomava gosto pelo esporte e, paralelamente, ia se interessando mais pelo mundo das corridas e maratonas. E foi assim que ele descobriu a Ultramaratona Comrades (89 km), um evento tido como referência nessa comunidade esportiva e que acontece todos os anos na África do Sul.
“São muitos que correm 5, 10 ou 15 quilômetros, mas são poucos que fazem 89 [quilômetros]”, afirma. Para Raul, foi justamente esse caráter desafiador e pouco explorado que o fez tomar a decisão. A ideia de um objetivo claro, ao mesmo tempo difícil, foi um motor para que sua vida, naquele período de treinamento, tivesse uma motivação e movimento: “Cada etapa que você cumpre para a preparação já é uma satisfação, […] quando você perde o objetivo, as coisas perdem o sentido de ser para mim”.
Alguns anos se passaram, a corrida mantendo seu lugar de importância como hobby na vida de Raul, enquanto a Ultramaratona, por sua vez, continuava sempre como uma expectativa. Até que, enfim, se propôs a de fato preparar-se para esse novo desafio; afinal, se “um dia eu vou correr… Um dia eu vou correr… Que dia é esse?”. Foram três anos de preparação e dedicação exclusiva a essa prova para que Raul pudesse finalmente, em 2014, viajar para a África do Sul e ser um participante da Ultramaratona Comrades.
Muito foi exigido dele nesse período: “São três anos longos, é um desgaste pessoal, do corpo, um desgaste da família e é muito treino”. No entanto, na opinião de Raul, esse percurso complicado fazia a expectativa crescer ainda mais e, olhando para trás, foi uma parte muito gratificante de toda essa história. “Cada etapa que você cumpre para a preparação já é uma satisfação, um objetivo atingido”, sendo que a conquista de cada objetivo é algo ‘fantástico’, é o que ‘te faz levantar de manhã’, diz ele.
Foram mais de dez horas correndo e aproximadamente 89 quilômetros percorridos. A chegada teve, como ele próprio descreve, “muito choro, alegria”. Segundo Raul, a emoção veio não só da corrida em si, mas também — e principalmente — da superação de uma expectativa que foi sendo construída ao longo de três anos.
Atualmente, ele lembra daquela época saudosamente, ainda mais pois hoje tem problemas no joelho. Ele conta que pensava que ia correr até morrer, mas que hoje, infelizmente, não é mais possível por conta dessa questão de saúde.
No entanto, fala que é feliz por ter tido essa oportunidade e de ter tomado a decisão de cumpri-la: “Ainda bem que lá atrás eu falei ‘tá na hora de eu fazer’ e parar de sonhar, porque se eu tivesse tudo problemas no joelho e não tivesse feito, eu estaria até hoje pensando ‘puxa, por que eu não fiz antes?’”.
Para o futuro, Raul não espera grandes desafios como os passados em termos esportivos, mas é grato pelas experiências que viveu e afirma que sua busca por objetivos abriu muitas outras portas em vários aspectos, e que sempre gosta de relembrar o gosto do processo de treinamento, dedicação e esforço que culminaram em uma ultramaratona de 89 km em um outro continente.
Desafios no esporte e resiliência na vida
Formado em Direito, atualmente um Analista de Fazenda, Edson Maisonnette, de 42 anos, viu o esporte como ‘vital’ durante boa parte de sua vida. Para além do movimento e competição, para ele importava a superação e todas as experiências que circundavam as provas.
Ao longo de seus 12 anos competindo em modalidades de triathlon, Edson completou sete Ironmans (3,8 km de natação, 180 km de ciclismo e 42.2 km de corrida) e dois Ultramans (10 km de natação oceânica, 421 km de ciclismo, 84,4 km de corrida, todos ao longo de três dias) sendo que, na terceira vez, ele sofreu um acidente no segundo dia e não conseguiu completar todo o percurso.
Edson afirma que sua experiência com provas extremas simboliza uma excelência naquilo que faz, uma capacidade de se mostrar capaz frente a adversidades dos mais diversos tipos. Na opinião dele, esse esporte representa um dos maiores benefícios que experiências desse tipo trouxeram à sua vida.
Ele diz que atingiu metas que, se olhadas antes de todo o esforço e treinamento seriam ‘inimagináveis’, mas “a cada prova eu submetia meu corpo e minha cabeça a uma experiência completamente nova, o que me levava a ter condições de enfrentar limites cada vez maiores”.
Essas provas de longa distância, na visão dele, possuem muitas variáveis impossíveis de serem controladas. Isso significa que sempre haverá algo que deu errado ou que não saiu como planejado. Para ele, são esses momentos que são transformadores porque, por mais que pensamentos como “o que estou fazendo aqui? Por que estou fazendo isso?” venham à cabeça, é necessário foco e resiliência para forçar a mente a enfrentar situações desagradáveis, descreve.
Os frutos dessas experiências podem ser percebidos em diversos aspectos. Se para Edson a vida é “problemas e gerenciamento desses problemas”, estar capacitado a enfrentar situações adversas com a cabeça fria é uma habilidade essencial.
Um exemplo contado por ele de como esse treinamento intensivo de resiliência o auxiliou na vida fora das pistas foi quando, em 2019, seu sobrinho relatou que sua avó — a mãe de Edson — não havia comparecido a um almoço agendado entre eles.
Edson, procurando por ela, descobriu que sua mãe havia sofrido um infarto horas antes em um banco. Aquilo foi um grande choque, causou nele muita angústia e desespero. Por outro lado, ele afirma que a sua experiência com o esporte foi vital para “ter calma, enfrentar problemas, pensar, colocar a cabeça no lugar”. Ele assumiu as responsabilidades burocráticas, por exemplo, além de acalmar os demais familiares e conseguir organizar seus próprios pensamentos.
Apesar dessa experiência ter sido um tanto extrema, ele diz que essa sua capacidade de enfrentar situações desafiadoras de conflito pode ser vista em diversos outros momentos de sua vida. Em “situações de tensão no trabalho, na família”, ao passo que ele próprio levava seu corpo e cabeça a situações desfavoráveis, crescia sua capacidade de ter resiliência frente a desafios para além de questões esportivas.