Por Crisley Santana
crisley.ss@usp.br
A franquia de filmes da produtora norte-americana Beacon Pictures, que iniciou nos anos 2000 tendo o nome Bring It On como título original (As Apimentadas no Brasil), é um compilado de cine trashs famosíssimos.
Ao todo são seis filmes, todos de comédia, que apresentam o mesmo estilo: vida estudantil e os conflitos que a envolvem – como amizade e namoro – mas é ao redor do esporte cheerleading (animação de torcida) que o enredo dos filmes gira.
A começar por Teenargers – As Apimentadas. Lançado nos anos 2000, é o primeiro filme da série e conta a história de Torrance Shipman (Kirsten Dunst). Passando a liderar o grupo Toros, a protagonista descobre o plágio realizado pela antiga líder, que sem criatividade, roubava a coreografia da equipe Clovers, de Los Angeles. A partir daí Torrance corre contra o tempo para tentar mudar o legado de Toros e fazer com que ganhem o campeonato nacional sem plagiar a dança de ninguém.
De todos os filmes da série esse é o que mais exibe os acidentes que podem ocorrer com os praticantes do cheerleading. Diversas são as cenas em que os esportistas são vistos machucados e caindo ao tentarem realizar movimentos mais perigosos, como os aéreos. Também é o filme com menos estereótipos da franquia, pois nos outros, principalmente as personagens loiras são colocadas como pessoas burras, que só prezam pela aparência. Em Teenagers é possível se divertir com piadas menos grotescas, ainda que haja. É descontraído, possui poucas competições, mas tem danças cativantes.
Já no segundo filme Mandando Ver (2003) – Bring It On Again em título original – os estereótipos começam a aparecer com maior força: “loira burra” e líder “mandona” são alguns deles. O longa também apresenta alguns aspectos que não vemos nos outros filmes. Um deles é o fato de possuir competição dentro da própria escola. Dessa vez as equipes não competem no campeonato nacional, mas sim para descobrir quem irá representar a faculdade Stinger nesse campeonato. O segundo aspecto é justamente ser na faculdade que se dá o enredo, já que nos outros filmes as equipes representam escolas do ensino médio.
Começa, como de praxe, apresentando a protagonista, que nesse caso é a caloura Whittier (Anne Judson-Yager). Ela não pensava em outra coisa ao chegar na faculdade. Assim como no ensino médio, queria fazer parte da equipe de cheerleading, pois era o que mais amava fazer. Porém, ao entrar para a tradicional equipe Stinger, percebe que terá de abdicar muitas coisas se quiser tornar-se líder, inclusive de sua amizade com Monica (Faune A. Chambers). Então decide que não pode mais continuar, tomando a iniciativa de criar uma equipe rival para representar a faculdade.
Essa também é uma típica comédia adolescente, com temas como a popularidade e a busca por ela, que pode ser prejudicial a outros aspectos da vida. Ainda, passa mensagens como prezar pela verdadeira amizade.
As Apimentadas – Tudo ou nada (Bring It On: All or Nothing, 2005), terceiro filme da franquia, é sem dúvida um dos mais famosos da série e o campeão em estereótipos e piadas. Mas também possui competições, músicas e falas que certamente são inesquecíveis.
A trama gira ao redor da vida de Britney Allen (Hayden Panettiere). Estudante do Pacific Vista High School, a capitã dos Piratas é dedicada e está decidida a manter o nome da equipe como a melhor de todas. Mas tudo parece ir por água abaixo quando ela recebe a notícia que irá mudar de bairro por conta do emprego de seu pai. Além de precisar ir para uma escola bem diferente da que costumava estudar – com falta de computadores e até livros – Britney chega a jurar que não será mais animadora de torcida. Ela, porém, conhece a equipe Guerreiros de Crenshaw Heights e as coisas mudam.
Se o assunto é filme adolescente, esse sem dúvidas é o que mais explora o tema. Com direito a rivalidade, paty girls, disputa pelo garoto mais gato da escola e todo o drama teen que adoramos. Em contrapartida, muitos estereótipos também são constantes: o já mencionado “loira burra” é um dos mais trabalhados. Questões de peso, por exemplo, e racismo também aparecem. Ainda assim, é uma opção se você deseja assistir a um filme que não exija muito da capacidade intelectual.
Dois anos após Tudo ou Nada é a vez de Entrar para Ganhar (In It to Win It, 2007) deixar sua marca. As equipes que conhecemos nesse filmes são os Sharks e os Jets. Ambas ficam no mesmo acampamento e é lá que a maioria das competições entre elas acontece. A protagonista dessa vez chama-se Carson (Ashley Benson), ela é capitã dos Sharks e possui extrema sede de vingança: são sempre os Jets que ficam em primeiro lugar no nacional e dessa vez ela não quer que isso aconteça. A única coisa que pode atrapalhar seus planos é a “paixonite” que surge, vinda diretamente da equipe dos Jets. A rivalidade só termina quando um incidente obriga as duas equipes a trabalharem juntas para participarem do campeonato.
É um longa bem fácil de ser assistido também. Possui um aspecto interessante que é a junção das equipes antes rivais, motivadas por uma única paixão: o esporte. É descontraído e engraçado, traz danças bem marcantes e uma trilha que apresenta alguns dos sucessos pops da época, como Be Good to Me da cantora Ashley Tisdale. Dá até saudade de 2007!
Em 2009 é lançado mais um filme para Bring It On, o Ainda Mais Apimentadas (originalmente Fight to the Finish). Ele é uma espécie de Tudo ou Nada ao contrário. Lina Cruz (Christina Milian), nascida em bairro pobre muda-se para um local rico, e consequentemente, para uma escola distinta da qual costumava estudar. Apesar de inicialmente não gostar de seu padrasto e nem da vida que agora leva, ela descobre um motivo pelo qual lutar em Malibu: a equipe de torcida Sea Lions definitivamente precisava de ajuda, ainda mais para derrotar as Jaguars, cuja capitã é a mais nova rival de Lina.
A trilha sonora deste longa é uma das mais interessantes da franquia. Não tem músicas muito conhecidas, como no anterior, mas são super dançantes, o que dá destaque ainda maior às coreografias das equipes. É um dos que mais tem apresentações de dança também, pois não só no campeonato, mas em várias ocasiões, as equipes estão dançando e competindo, além de haver muitas cenas com danças individuais dos personagens. O engajamento de Lina para transformar as Sea Lions na Dream Team é um dos fatores que levam aos vários momentos dançantes do longa. Principalmente para quem gosta do estilo de música reggaeton, esse filme tem muito a mostrar.
O último e mais recente filme ganhou no Brasil o título de #DesafioMundial (Worldwide #Cheersmack,2017). E não à toa. Diferente dos anteriores, neste, equipes do mundo inteiro aparecem – ainda que rapidamente – apresentando um pouco do estilo cheer.
A trama se dá ao entorno do grupo Rebels, considerado o melhor entre todos os outros de cheerleading. Nada parecia tirar o reinado delas e de sua líder Destiny (Cristine Prosperi), até que uma equipe denominada The Truths hackeia uma das apresentações das Rebels e declara guerra: além de querer derrubá-las, sugerem um desafio mundial em que equipes de todo o mundo, via internet, irão competir. O objetivo é acabar com o império das atuais campeãs. Com a equipe desfalcada, as Rebels precisam contar com um grupo de garotos que pratica dança de rua para auxiliá-las. O desafio, porém, está em adequar os rapazes à equipe, além de fazer com que o espírito de união se sobreponha ao desejo de liderar de Destiny.
O longa usa e abusa da nova tendência mundial: a internet e o consequente poder que ela traz com as redes sociais. Apesar disso, consegue apresentar críticas construtivas no que diz respeito ao uso excessivo dessas redes e a demasiada importância dada a elas, ainda que permitam aproximação, possibilitando que todos os países possam competir e assistir ao campeonato. Não possui danças tão inesquecíveis, como no penúltimo longa da franquia, mas é positivo ao mostrar equipes de várias nações.
O filme que estreou somente oito anos após o último lançado é “[…] dedicado às animadoras de torcida e fãs em todo o mundo, que mantêm a luz do espírito cheer brilhando”, segundo o próprio retrata na cena final.
Curiosidades
1. No primeiro filme da franquia uma das cheerleaders é a personagem Marnie, interpretada por Bethany Joy Galeotti. Na vida real, ela também praticou cheer.
2. Ao assistir Mandando Ver, o rosto da personagem Mônica, interpretada por Faune A. Chambers, não parece ser estranho… E não é mesmo! É a mesma atriz que em As Branquelas (White Chicks, 2005) faz o papel de Gina, esposa do policial Marcus (Marlon Wayans).
3. A primeira aparição cinematográfica da cantora Rihanna foi no filme As Apimentadas: Tudo ou Nada. No longa, Rihanna apresenta a competição nacional, além de oferecer à equipe vencedora a oportunidade de estrelar o clipe da música, que também faz parte da trilha sonora do filme, Pon de Replay.
4. Em Entrar para Ganhar, as equipes rivais (Sharks e Jets) receberam o mesmo nome das gangues, também rivais, do filme Amor Sublime Amor (West Side Story, 1961)
5. Apesar de ser uma franquia, nenhum dos filmes tem relação com o anterior. É perfeitamente possível assistir qualquer um deles sem precisar ter acompanhado a sequência. A única coisa que podemos ver em um filme que mais tarde será visto em outro, é o bastão dos líderes de torcida – Spirit Stick – que fica nos acampamentos de cheer. É uma espécie de amuleto da sorte para as equipes. Ele aparece no primeiro filme, e depois no quinto, Mandando Ver.
Cheerleading na vida real
O Cinéfilos conversou com alguns membros da equipe de cheerleaders da Unesp de Bauru, Texuguetes, para ver se a vida de um praticante de cheer é realmente como mostrada nos filmes.
Bruno Campos, estudante de Engenharia de Produção, que atua na base do grupo, disse que não: “Quando descobri que havia um time de cheerleading da faculdade, o que me motivou a ir aos tryouts foi justamente a vontade de ser líder de torcida que quase todo mundo tem ao assistir a esses filmes. Porém, quando descobri o que era o esporte e a sua dimensão, percebi que a realidade é muito diferente”.
Nos filmes, há algumas cenas em que os homens cheers sofrem preconceito de outros colegas. Quando perguntado se há isso no cheerleading da vida real, Bruno respondeu que “de forma alguma! Hoje existem muitos homens no esporte. Também não há preconceitos relacionados ao corpo, não é necessário ser magro, forte, alto ou qualquer outra restrição que possa aparecer nos filmes”.
Outra aspecto que ele diz diferir bastante da ficção é a rivalidade entre as equipes, e que esse comportamento antidesportivo só atrapalha o desenvolvimento da prática: “O que posso falar é que a competição existe sim, mas em um sentido de treinar muito para superar outras equipes, porém isso não provoca nenhuma inimizade, pelo contrário, isso só torna o esporte mais sério e ao mesmo tempo mais divertido”. Para ele, a única coisa que se assemelha ao que é mostrado nos filmes é o amor que os atletas têm pelo cheerleading, e a dedicação a ele, fazendo com que grande parte da vida do praticante esteja relacionada ao esporte.
Quem também possui a rotina altamente relacionada ao cheerleading é Aldrei, base lateral das Texuguetes, atualmente cursando o quarto semestre da graduação em Jornalismo. Ela relata o quanto de sua vida tem relação com o cheer, como os atletas dos filmes: “Meu namorado é do time, meus melhores amigos são parte do time, eu moro com a capitã do nosso time então é meio impossível desvincular uma coisa da outra. Sou Texuguete há quatro anos e serei por mais todos os anos em que eu puder (risos)”.
Ela disse que assistia com frequência aos filmes da franquia As Apimentadas e sonhava com a possibilidade de ser líder de torcida, ainda que o esporte seja pouco difundido no Brasil: “A gente às vezes acha que nasceu no país errado”.
O filme também teve influência na vida de Jaqueline, capitã da equipe, que está cursando o último semestre de Educação Física: “Me lembro de pequena brincando de ser cheer com outras crianças, fazendo pompons e inventando gritos. Quando passei na faculdade e vi que existia um time de cheer logo fiquei apaixonada e morrendo de vontade de participar”.
Como as líderes de torcida da franquia, Jaqueline também precisou percorrer uma trajetória para chegar à liderança do grupo: “Entrei no time em 2015, mas permaneci por pouco tempo. Sofria uma certa pressão das pessoas para sair, pois o preconceito era grande. O cheer nessa época na Unesp Bauru era mais voltado para dança e menos para o esporte em si. Em 2016 retornei, fiquei durante um ano como flyer (uma ‘modalidade’ do esporte), ajudei o time a crescer e em 2017 assumi como capitã junto a uma amiga. O time triplicou de tamanho e o trabalho foi grande. Competimos no InterUnesp e ficamos em terceiro lugar. Em 2018 permaneço como capitã, em meu último ano de graduação, e estamos buscando o primeiro lugar na competição”. E, apesar de uma dedicação que às vezes exige um certo abandono do curso, a atual líder diz não se arrepender, pois a prática acrescentou muito em sua vida pessoal e profissional.
A vida de Matheus Sanches, que está no décimo semestre de engenharia mecânica, também mudou quando ele passou a ser cheerleader. No início, ele nem imaginava participar do time. Foi só para acompanhar uma amiga que resolveu entrar, mas sem a intenção de permanecer. Influência dos filmes também não havia, apesar de ele admirar o esporte e a mistura de ginástica e dança.
Porém, após um tempo de participação e um momento de desligamento da equipe, Matheus resolveu voltar e ficou de vez, ainda mais por conta da ajuda que obteve: “Retornei pois me fazia muita falta. Nesse tempo, outras pessoas com dificuldades assim como eu entraram no time e sempre fornecemos o mesmo apoio. Além de um time, éramos um ambiente acolhedor em meio ao ambiente frígido e estressante da graduação. Formamos um subgrupo que apelidamos de “time superação”. Como sabíamos da nossa necessidade de maior repetição para consolidar os movimentos, nos organizamos para auxiliar uns aos outros: fazíamos mais repetições, nos corrigimos, pedíamos ajuda ao restante do time para avaliar e nos ajudar a ‘limpar’ onde necessário”.
Para ele, além de todo o apoio da equipe, o sentimento de superação que carrega o faz sentir-se realizado. “Justamente como acontece nos filmes, do time recém-formado de pessoas ‘leigas’ que se superam, mas com um avanço hollywoodiano no caso deles” disse Matheus.
A questão do preconceito é outro aspecto que, assim como Bruno, Matheus diz não ter sentido, por ser homem e fazer parte do grupo: “Eu sou homossexual, e no curso de engenharia mecânica, já sou uma situação não usual para o “estudante padrão” deste curso. Acredito que por ter deixado minha orientação sexual exposta desde que entrei, não vivenciei tanto preconceito ao entrar no time.” Ele relatou também a surpresa que obteve quando um orientador o incentivou a colocar em seu currículo que praticava cheerleading: “Fazia um ano que havia terminado minha pesquisa com ele e nunca comentei do cheer. Ao conversar com ele sobre currículo ele recomendou que colocasse que praticava cheerleading, pois poderia ser um ponto interessante a algum entrevistador ou interesse em comum com algum possível empregador. Achei curioso e fiquei muito feliz com a posição dele. Hoje no meu currículo tenho “atleta e organização do time de cheerleading da Unesp Bauru desde 2014”.
Abaixo, um vídeo não oficial, divulgado pela página das Texuguetes no Facebook, de sua apresentação no InterUnesp 2017.
https://www.facebook.com/Texuguetescheer/videos/1413454958762804/