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Estudo revela ferramentas inovadoras para conservação de tubarões e raias a partir de DNA

Ameaçados por pesca predatória, peixes cartilaginosos podem ser protegidos com técnicas de identificação genética e fiscalização do comércio ilegal; pesquisadoras desenvolvem e-book para tornar conhecimento mais acessível
Por Gabriella dos Santos (gabriella.santos12@usp.br) e Victor Gama (victorgamasilva@usp.br)

Uma pesquisa conjunta entre cientistas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), da Universidade do Porto (Portugal) e da Universidade do Texas (Estados Unidos) revelou que ferramentas rápidas de identificação de espécies baseadas em DNA individual e DNA ambiental, também conhecido como eDNA, são cruciais no combate à pesca ilegal e na conservação de tubarões, raias e quimeras, pertencentes a classe Chondrichthyes. O eDNA corresponde a fragmentos de material genético, como escamas, fezes, urina e secreções, que podem ser detectados em amostras de água.

Os peixes cartilaginosos estão entre os vertebrados mais ameaçados do mundo, ficando atrás somente dos anfíbios – principalmente devido à sobrepesca e ao comércio ilegal de barbatanas, carne e outros subprodutos. Esses fatores levaram a uma queda de 50% da sua biodiversidade.

A partir da análise de 68 estudos realizados entre 2000 e 2025, as pesquisadoras observaram a aplicabilidade de ferramentas que detectam padrões genéticos específicos sem a necessidade do sequenciamento completo do material genético. Elas podem ser utilizadas em amostras de tecidos de animais capturados ou no material genético coletado na água. 

Identificar para conservar

A identificação rápida e precisa de espécies é fundamental para aprimorar a fiscalização das regulamentações de pesca e comércio, especialmente para grupos vulneráveis como os Chondrichthyes. Entretanto, existe uma prática comum na pesca de processar animais ainda no mar, removendo a cabeça, barbatanas e vísceras. Isso dificulta a identificação das espécies com base em características morfológicas e, consequentemente, prejudica a sua conservação.

As raias, tubarões e quimeras representam uma preocupação por, muitas vezes, serem espécies endêmicas (que só estão presentes em uma região específica do planeta) e possuírem características únicas — como maturação tardia, poucos descendentes e crescimento lento — que dificultam a recuperação de suas populações. Esses fatores, somados à sobrepesca e ao comércio ilegal, levam a espécie à ameaça de extinção. 

A pesquisadora Patrícia Charvet, da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que os peixes, em geral, são essenciais para a biodiversidade marinha. Ela destaca o papel dos condrictes para a manutenção de um ecossistema estável. “Eles são predadores de topo de cadeias, portanto cruciais para a ciclagem de nutrientes no oceano e para a saúde dos ecossistemas, eliminando indivíduos doentes e regulando populações de outras espécies”, afirma.

quimeras carecem de estudo em relação a tubarões
As quimeras (Hydrolagus colliei) ainda carecem de estudos em comparação a tubarões e raias, pois são animais que vivem em águas mais profundas [Imagem: Reprodução/ Animalia]

O artigo aponta para as ferramentas rápidas de identificação como uma solução para esse entrave. O eDNA, em particular, é uma alternativa não invasiva em relação aos modelos tradicionais e mais caros de pesquisa, como censos visuais subaquáticos (UVCs) e sistemas de vídeos subaquáticos com iscas (BRUVS). Estudos indicaram que o eDNA pode detectar até 44% mais tubarões do que os métodos convencionais, incluindo espécies nunca antes observadas. 

Essas ferramentas tornam o processo mais rápido e barato para gestores ambientais, agentes de fiscalização e pesquisadores, mas sua implementação ainda enfrenta desafios financeiros, logísticos e de monitoramento. “Devido à rápida degradação do eDNA, quando vamos realizar uma análise de amostras em regiões remotas, provavelmente ele (o eDNA) já estará comprometido antes que chegue ao laboratório”, explicou Patrícia sobre um desafio técnico recorrente. 

Limitações geográficas e de acessibilidade

Muitas espécies não são encontradas em áreas de distribuição geográfica específicas e, por isso, são exploradas por diversas nações. Para as pesquisadoras, esse cenário reforça a necessidade de cooperação internacional. As regulamentações variam entre os países, e muitos ainda têm dificuldades de cumprir  acordos firmados — como os da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção (CITES) —, o que resulta em ameaças contínuas a condrictes.

Além da desigualdade geográfica, o acesso a recursos para desenvolver ferramentas de identificação é um obstáculo significativo. Embora os Estados Unidos e o Brasil  liderem o desenvolvimento desses materiais, com 32,35% e 19,12% da produção, respectivamente, o Brasil ainda não publicou artigos sobre o uso de eDNA para identificação. Países como China e Indonésia, que são mercados-chave no comércio de barbatanas, e outros grandes exportadores de carne de tubarão, como Argentina, Portugal e Espanha, também apresentam limitações na aplicação dessas ferramentas para o monitoramento comercial.

Popularmente conhecidas como arraias, as raias (Elasmobranchii) estão presentes em regiões oceânicas tropicais, subtropicais e temperadas [Imagem: Reprodução/Flickr]

Isso pode ser explicado pelo custo elevado de novas ferramentas genéticas, que exigem investimento em equipamentos específicos e profissionais qualificados — um entrave para países com grande biodiversidade, mas orçamentos limitados para pesquisa. 

Segundo Marcela Alvarenga, pesquisadora da Universidade do Porto, optar por técnicas de baixo custo e fácil implementação, como a Amplificação Isotérmica Mediada por Loop (LAMP) (que amplifica sequências de DNA ambiental a uma temperatura constante)  é uma alternativa que pode tornar a conservação de tubarões mais acessível e efetiva. 

“É necessário um esforço local e global para identificar necessidades e coletar amostras para preencher lacunas de sequenciamento genético”

Marcela Alvarenga 

A pesquisa também aponta lacunas na cobertura de espécies que podem ser identificadas a partir dessas ferramentas. Marcela explica que a prioridade de desenvolvimento das técnicas para preencher as lacunas deve visar à pesquisa em que há maior necessidade de preservação. “Se, por exemplo, em uma localidadel tem dez espécies que são muito comercializadas e só há recurso para reconhecer sete, então temos que priorizar desenvolver o recurso para as três que faltam. Mas isso depende muito do desenho do estudo”, ressalta.

Cooperação internacional e banco de dados

O sucesso das técnicas de sequenciamento genético depende de bancos de dados diversos e organizados. Para alcançar o monitoramento genético e a conservação dos peixes cartilaginosos a nível global, é crucial expandir essas informações para regiões com alta biodiversidade pouco estudadas, como o sudeste da Ásia, a costa brasileira e Madagascar. 

Segundo Patrícia, o investimento em ciência e acesso a dados se concentrou nos países desenvolvidos. Ela acrescenta que, atualmente, há esforços de países do Sul Global para projetar seus próprios bancos de dados. “Há projetos no Peru e laboratórios no Brasil para coletar amostras de toda a costa e preencher lacunas de pesquisas, não apenas para tubarões, mas para outros peixes”, aponta a pesquisadora. 

tubarão nadando com homem
A coleta de tecidos de tubarões vivos ou mortos é complexa devido à mobilidade das espécies, condições ambientais hostis e regulamentações éticas/legais para manipulação de espécies ameaçadas [Imagem: Reprodução/ Public Domain]

Uma base completamente brasileira está em fase final de desenvolvimento e visa preencher lacunas persistentes no sequenciamento genético de tubarões, raias e quimeras. De acordo com Marcela, é preciso investir e “colocar os livros na biblioteca” aos poucos.

O artigo sugere que pesquisas futuras devem se concentrar em aprimorar ferramentas já existentes e torná-las mais conhecidas e utilizadas. As pesquisadoras Marcela Alvarenga e Patrícia Charvet têm desenvolvido um e-book que ajudará a descomplicar a genética e a orientar praticantes sobre como analisar amostras de forma eficaz. “Ele [o e-book] terá uma linguagem acessível para que, por exemplo, um fiscal sem formação em biologia possa entender como fixar uma amostra corretamente, evitando erros comuns que degradam o DNA”, afirma Patricia.

Este recurso estará disponível em múltiplos idiomas e representa um passo significativo para tornar as ferramentas genéticas mais acessíveis e efetivas, especialmente para países do Sul Global, em que a necessidade de monitoramento e fiscalização é mais urgente.

Imagem de Capa: Reprodução/ Pixabay

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