A eutanásia é praticada desde a antiguidade, e atualmente já é legalizada em vários países. Porém, ainda há muita discussão cercando o tema. Conheça um pouco mais sobre o “direito à morte”
Por Stella Bonici (stebonici@gmail.com)
A discussão sobre a eutanásia é polêmica. Isso porque a escolha, não só de acabar com a própria vida, mas de pedir que um terceiro o faça (no caso, o médico) gera uma discussão tão abrangente, que circunda temas que vão da psicanálise à medicina, da religião à ética. Segundo Maria Júlia Kovács, professora livre docente do Instituto de Psicologia (IP) da Universidade de São Paulo (USP), o assunto “incomoda alguns e fascina outros. Os que se incomodam veem a eutanásia como assassinato, e pensam que não cabe às pessoas decidirem sobre sua morte”.
A eutanásia
Derivada da palavra eu, que significa bem, e thanatos, significando morte, a eutanásia seria traduzida como a morte boa, ou seja, sem dor ou sofrimento. A palavra surgiu pela primeira vez em 1623, na obra Historia vitae et mortis, de Francis Bacon. A eutanásia costuma ser praticada em pacientes com doenças incuráveis, e consiste na conduta de alguém que causa a morte de outra pessoa para aliviá-la de sofrimentos e dores.
David Augusto Rodero, professor da Faculdade de Medicina de Marília (Famema), disse ser muito importante dividir o termo da eutanásia em duas vertentes: a eutanásia ativa e a passiva. “No primeiro grupo, as atitudes tomadas têm o objetivo de por fim à vida, ou seja, ocorre um ‘acordo’ entre o paciente incurável e o profissional que o assiste no intuito de dar término à vida do primeiro. Por outro lado, na eutanásia passiva ocorre a interrupção de todos e quaisquer cuidados médicos, e, dessa forma, o paciente acaba por falecer: não ocorre nenhuma conduta que ocasione a morte, mas também, nada para impedi-la”.
David ainda disse sobre a dificuldade de algumas pessoas diferenciarem quando a eutanásia é um meio viável, e quando não é: “Vivenciei situações em que familiares optaram ‘supostamente’ pela prática da eutanásia, principalmente, em pacientes da área da oncologia. Digo ‘supostamente’, porque os familiares confundem um ser humano, que demanda cuidados especiais, com um portador de doença incurável, ou seja, tais familiares optaram, na verdade, por um homicídio doloso. Dessa forma, tais pedidos são analisados individualmente e sempre esclarecidos ao enfermo ou aos seus cuidadores”.
Maria Júlia Kovács também expressou sua opinião a cerca da eutanásia: “Algumas pessoas com doença grave querem terminar a sua vida e não ter interferência no seu processo de morte. É importante a escuta deste processo, e ver se podemos ajudar no alívio do sofrimento, não no apressamento da morte”. Já um pouco diferente da eutanásia é o suicídio assistido, que consiste na promoção de meios para que o doente, ele próprio, acabe com sua vida.
Histórico
Na Antiguidade a eutanásia era aceita e largamente praticada por alguns povos. Eslavos, Escandinavos e Celtas apressavam a morte de seus pais velhos e enfermos. Povos nômades e alguns índios brasileiros matavam os velhos, doentes e feridos para que eles não ficassem abandonados à sorte, não fossem presas fáceis para alguma fera, ou para não serem alvos fáceis ao inimigo. Na Índia, velhos e doentes eram levados às margens do rio Ganges, onde tinham suas bocas e narinas tampadas por uma lama sagrada, e, logo depois, eram lançados na água. Na Birmânia, doentes incuráveis eram enterrados vivos.
E a discussão a cerca dos valores sociais, culturais e religiosos envolvidos na questão da eutanásia vem desde a Grécia antiga. Platão, Sócrates e Epicuro defendiam a idéia de que o sofrimento resultante de uma doença dolorosa justificava o suicídio. Em Marselha, nessa época, havia um depósito público de cicuta a disposição de todos. Já indo na contramão do pensamento desses filósofos, temos Aristóteles, Pitágoras e Hipócrates, que condenavam o suicídio. No juramento de Hipócrates consta: “eu não darei qualquer droga fatal a uma pessoa, se me for solicitado, nem sugerirei o uso de qualquer uma deste tipo”.
A discussão sobre o tema, prosseguiu o longo da história da humanidade, com a participação de Lutero, Thomas Morus, David Hume, Karl Marx e Schopenhauer.
A Igreja Católica
A partir do nascimento do judaísmo e do cristianismo, a vida passou a ter um caráter divino, e Deus era o único ser que poderia tirar a vida de alguém, logo, a eutanásia, o direito de tirar a própria vida, começou a ser condenado. E foi a partir do direito moderno que a prática passou a ser criminalizada.
Segundo a professora Maria Júlia, “O direito à morte está vinculado a uma ideia de liberdade num sentido radical. Ela é proibida pela sua associação com assassinato, com o fato de que as pessoas podem não ter lucidez para tomar essa decisão. Os religiosos consideram que a morte é um desígnio divino”.
Apesar da igreja católica não concordar com a prática da eutanásia, existe uma organização não governamental cristã que a aprova e defende. Trata-se da organização Católicas pelo Direito de Decidir (CDD), formada por militantes feministas cristãs que não concordam com as encíclicas ou com outros documentos elaborados pela cúpula da igreja.
Países que permitem a eutanásia
A Europa foi o continente que mais avançou na discussão a cerca da eutanásia, já que oito países europeus legalizam ou toleram prática. São eles: Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Suécia, Suíça, Alemanha, Áustria e França. No caso holandês, a prática foi legalizada em abril de 2002, e no belga, em setembro do mesmo ano. Em Luxemburgo, a prática foi legalizada em março de 2009. Na Suécia, autoriza-se a assistência médica ao suicídio. Já no caso suíço, a eutanásia não é legal, mas é tolerada: um médico pode administrar uma dose letal de medicamento a um doente terminal que queira morrer, mas essa decisão deve partir do próprio paciente. Na Alemanha e na Áustria, a eutanásia passiva não é ilegal, desde que o paciente esteja de acordo com essa ação. Na França, o Conselho Nacional da Ordem dos Médicos anunciou em fevereiro desse ano que um colégio médico deve permitir uma “sedação terminal” aos pacientes em fim de vida que tenham feito “pedidos persistentes, lúcidos e reiterados”.
E apesar de haver todo esse posicionamento partindo dos países europeus, o assunto também já percorreu os países da América Latina, em especial, o Uruguai e a Colômbia. O Código Penal uruguaio, que data da década de 1930, não penaliza todo aquele que praticar “homicídio piedoso”, desde que conte com “antecedentes honráveis” e que pratique a ação por piedade e mediante “reiteradas súplicas” da vítima.
A Colômbia iniciou um movimento de direito à morte em 1979, e em maio de 1997, a Corte Constitucional Colombiana estabeleceu que “ninguém pode ser responsabilizado criminalmente por tirar a vida de um paciente terminal que tenha dado seu claro consentimento”. Essa posição gerou debates em torno do tema, mas, por fim, um juíz discordou do texto aprovado, anulando todo o processo.
Outro país que já se posicionou a cerca do assunto foi Israel. Em dezembro de 2005, a Câmara Legislativa israelense legalizou a eutanásia para doentes terminais, desde que sejam maiores de 17 anos e que possam expressar sua vontade. Além disso, temos o caso dos Estados Unidos, que possui três estados que permitem a eutanásia: Washington, Oregon e Vermont.
Caso Brasileiro
O Brasil já chegou a ter uma iniciativa parlamentar favorável a eutanásia: foi o projeto de lei 125/96, cujo autor fora o senador Gilvam Borges, do PMDB. A lei pretendia liberar a prática em alguma situações, e foi submetido à avaliação das comissões parlamentares em 1996. O projeto acabou não prosperando e foi arquivado três anos depois. Já se tratando de um projeto de lei oposto, o deputado Osmânio Pereira propôs a proibição clara da eutanásia no país, definindo-a como crime hediondo, porém, a proposta também foi arquivada.
Portanto, hoje, as leis brasileiras não preveem a prática da eutanásia. Nem mesmo o Código Penal Brasileiro, que data de 1940, ou a Constituição Federal mencionam o assunto. Por isso, legalmente falando, o Brasil não tem nenhum caso de eutanásia, mas quando algo parecido acontece, recebe nome de homicídio ou suicídio. De acordo com a interpretação de advogados e juízes, os artigos 121 e 122 do Código Penal podem ser empregados para fundamentar posições em relação à prática. O artigo 121 trata do homicídio qualificado, que inclui a morte provocada por motivo fútil, com emprego de meios de tortura ou com recurso que “dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido”. O artigo 122 versa sobre o suicídio induzido, instigado ou auxiliado por terceiros.
Boa noite. Gostaria de utilizar esse artigo para um trabalho, como devo referencia-lo nas normas da ABNT?????