O futebol, nascido na Inglaterra, chegou ao Brasil no final do século XIX. A partir de 1900, a prática esportiva foi ganhando cada vez mais adeptos. Após uma década, já existiam vários grupos regionais de jogadores amadores, como os paulistas e os cariocas.
Os ingleses participaram do surgimento da seleção brasileira de futebol. A convite da Associação do Futebol Argentino (AFA), o Exeter City veio à América do Sul. O time, hoje da quarta divisão inglesa, recebeu uma proposta dos dirigentes do Paysandu e do Fluminense: após os jogos em solo argentino, jogar três partidas no Brasil.
O começo
Em 14 de de Julho de 1914, O Exeter City enfrenta os Brasileiros, grupo que reunia os melhores jogadores de futebol do Rio de Janeiro e de São Paulo. Por 2 a 0, os Brasileiros venceram a partida, que é considerada, historicamente, o primeiro jogo da seleção brasileira. São fundadas a Federação Brasileira de Sports e a Federação Brasileira de Football. A fusão das duas, em 1916, daria origem à Confederação Brasileira de Desportos (CBD)
À época, os uniformes utilizados eram compostos por camisas de botão (malha 100% algodão), bermudas até a altura dos joelhos, meiões e botas de cano curto. Contudo, não passavam por nenhum critério rigoroso de escolha. Ademir Katara, bibliotecário do Museu do Futebol, explica: “As lojas estavam se especializando na venda de materiais esportivos: bola, camisa e chuteira. Mas não eram tão fáceis de encontrar como nos dias de hoje. Provavelmente, essa camisa branca, com detalhes em azul, era a única que estava disponível na naquele dia”
Em transformação
O critério para a cor do uniforme não tinha valor simbólico, mas técnico: um bom contraste de cores entre os times. Por esse motivo, o Brasil não manteve, a princípio, o branco como cor padrão.
No Campeonato Sul-Americano de 1916 é utilizado um uniforme com listras amarelas e verdes. Depois, o auriverde é reduzido a apenas uma faixa na altura do peito. O modelo sofreu severas críticas da elite brasileira, inconformada com a utilização das cores da bandeira em um traje de futebol.
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No primeiro jogo disputado pelo Brasil no Campeonato de 1917, contra a Argentina, o uniforme usado é totalmente branco e apresenta, pela primeira vez, o brasão da CBD. Porém, como Uruguai e Chile também utilizavam cores claras (celeste e branco, respectivamente), foi feito um sorteio para definir qual seleção deveria trocar a cor dos uniformes. O Brasil perde e passa a usar camisas vermelhas.
Em 1919, o Brasil foi sede do Sul-Americano. O uniforme branco ganha detalhes azuis na gola e nos punhos. O calção, anteriormente branco, torna-se azul. Como a competição marcou a primeira conquista continental da seleção, o modelo foi oficialmente adotado e utilizado nos 19 anos seguintes. Pequenos aspectos foram modificados nesse período, como uma mudança no escudo da CBD em 1930 e novos detalhes azuis em 1934.
O motivo pelo qual o Brasil usou um uniforme inteiramente azul em seu primeiro jogo na Copa do Mundo de 1938 foi o adversário: a Polônia também usava camisas brancas. O modelo das demais partidas era camisa branca, de manga curta e gola V com detalhes azuis e calção da mesma cor.
A tendência do primeiro uniforme branco e do segundo azul permaneceu nos anos seguintes. As variações são na escolha entre as cores para os calções e nos detalhes das golas e das mangas.
O Maracanazo de 1950 foi um marco para a história da seleção brasileira. “ O Brasil perdeu a Copa de 50 e surgiu a ideia de que a camisa branca seria azarada. Em 53, o Brasil disputou o Campeonato Sul-americano e, curiosamente, usou camisas azuis. Mesmo assim, ele perde para o Paraguai. Então, eu imagino que a história de que seria preciso substituir a camisa da Seleção deve ter surgido nesse contexto“, conta Takara.
A camisa canarinho
O jornal Correio da Manhã, em parceria com a CBD, promoveu um concurso para definir o novo uniforme da seleção brasileira. Alguns dos critérios eram: croqui do traje completo (camisa, calção e meia) e presença do brasão da CBD e das 4 cores da bandeira. A campanha contou com grande apoio da população e da imprensa. Foram mais de 300 inscritos.
Aldyr Garcia Schlee tinha 19 anos e trabalhava como desenhista de um jornal local. Nascido em Jaguarão, no Rio Grande do Sul, o jovem tinha um pedaço do coração em cada lado da fronteira. Aldyr era um grande amante do futebol uruguaio, o mesmo carrasco que ceifou o sonho da Copa de 1950. Em entrevista à revista FuLiA/ UFMG, Schlee conta que não iria participar do concurso do uniforme: “A ideia que me ocorreu ao ler o regulamento, logo, foi a de que quatro cores tinham que estar na camiseta. As camisas eram muito bem comportadas a partir do modelo original inglês. Não havia nada que pudesse admitir quatro cores numa camiseta de futebol, não existia.”
Aldyr mudou de ideia após uma viagem ao Rio de Janeiro. Viu a Portuguesa Carioca jogando com camisas verdes e calções vermelhos. A possibilidade de uma cor diferente dos tradicionais branco, preto e azul dos calções fez Schlee repensar a disposição das 4 cores da bandeira brasileira nos componentes do traje futebolístico. Após centenas de testes de croqui, o desenhista chegou a conclusão de que a meia e o calção são neutros em relação ao fardamento. Ademir Takara comenta: “O Flamengo, por exemplo, usa historicamente uma camisa rubro-negra e calções brancos, mas isso nunca fez dele um time tricolor. O calção era considerado elemento neutro, então não se jogava as cores do Clube”
A nova camisa da seleção brasileira foi decidida com a vitória de Aldyr Schlee no concurso do Correio da Manhã. Camisa amarelo-ouro, com o brasão da CBD no peito e com detalhes em verde nas mangas e na gola, calção azul-cobalto e meias brancas.
As cores utilizadas foram as que Schlee tinha disponíveis. Embora não fossem exatamente iguais às da bandeira, permaneceram no modelo final.
A estreia do novo uniforme foi na Copa do Mundo de 1954. Durante a partida, o jornalista Geraldo José de Almeida apelidou o Brasil de “Seleção Canarinho”, por conta do amarelo da camisa. O traje, assim como o apelido, foram sucessos nacionais e se tornaram símbolos de identidade nacional.
Tradição
O primeiro título de Copa do Mundo conquistado pelo Brasil não foi com a camisa canarinho. Apesar de toda a campanha ter sido de amarelo-ouro, os rivais da final usavam camisas da mesma cor. A Fifa deu preferência à Suécia, país sede. O Brasil havia levado camisas de treino verdes, brancas e vermelhas. Porém, a comissão técnica decidiu comprar novos uniformes. A cor disponível era azul.
Além do mistério da numeração das camisas, o paradeiro das camisas amarelas e azuis de 1958 é desconhecido. Isso porque as camisas canarinhos foram desmanchadas para que os apliques do brasão, dos números e dos nomes dos jogadores pudessem ser costurados aos uniformes improvisados, às vésperas da decisão. Após a mudança, Paulo Machado de Carvalho, chefe da Delegação Brasileira, define que o azul seria uma homenagem ao manto de Nossa Senhora de Aparecida, santa padroeira do Brasil. Com a vitória, o azul tornou-se oficialmente a cor do segundo uniforme brasileiro.
Nos anos seguintes, os uniformes seguem o padrão oficial. As estrelas são incorporadas ao uniforme após o tricampeonato de 1970. Na campanha das Eliminatórias e da Copa de 1978, o traje brasileiro carrega as tradicionais 3 faixas, após a CBD contratar a Adidas como fornecedora.
Mudanças
Em 1979, a Fifa emite um decreto exigindo que todas as entidades nacionais de futebol cuidassem exclusivamente desse esporte em seus países. A CBD era responsável pelo desenvolvimento de todos os esportes praticados no Brasil. Para substituir a entidade, foi criada a Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
A princípio, a sigla do brasão é substituída. Uma parceria entre a CBF e o Instituto Brasileiro do Café (IBC) ocasionou a primeira aparição de uma logomarca no uniforme da seleção, o que é vetado pela Fifa. Então, é proposta uma remodelação do escudo. O concurso realizado pela Escola de Belas Artes resultou em um escudo composto pela taça Jules Rimet com um ramo de café na base. Dois anos depois, o ramo é retirado do escudo. Houve uma partida realizada com o logo da Coca-Cola em destaque no centro do uniforme, que também foi vetado pela Fifa. O escudo com a cruz de Malta e a sigla da CBF retorna quando a Umbro assume a fabricação das camisas, em 1991.
Nas décadas de 70 e 80, os tecidos sintéticos começaram a ser utilizados na fabricação dos uniformes. Fibras acrílicas e misturas de poliéster e de algodão foram testadas. Havia um maior cuidado na confecção do vestuário, em busca de maior conforto e leveza. Com a evolução da tecnologia, os tecidos passaram a receber texturas e estampas diversificadas. A partir da Copa de 1970, com a novidade da televisão a cores, o aspecto visual dos uniformes ganhou grande apelo dos espectadores. Com a Umbro em 1991 e com a Nike, a partir de 1997, novos designs começam a ser implementados nos trajes.
Tetracampeão
O uniforme da Copa de 1994 possuía três escudos do Brasil estampados, em referência aos três títulos já conquistados pela seleção. Após 24 anos de jejum, o Brasil volta a conquistar a Copa, superando os fantasmas dos últimos anos.
Crizam César de Oliveira Filho, mais conhecido como Zinho, foi o camisa 9 do tetra. Em entrevista ao Arquibancada, ele comenta a experiência de vestir a camisa canarinho “Essa é minha camisa do Brasil favorita, a que eu usei quando fui campeão. É a maior honra para um jogador de futebol: jogar pelo seu país e conquistar o título da Copa do Mundo”
Pentacampeão
A camisa da Copa de 2002 foi idealizada pela Nike. A tendência de modernização dos trajes era visível pelo design e pelas novas tecnologias desenvolvidas para a elaboração do uniforme.
Uma das imagens mais icônicas do futebol é a do capitão Cafu levantando a taça, após ter escrito “100% Jardim Irene” em seu uniforme. A frase era uma homenagem ao bairro onde cresceu, na Zona Sul de São Paulo.
Uma nova era
A ciência desempenha um papel fundamental para a evolução de diversos aspectos do futebol. A moda é um destes. A confecção de uniformes conta com estudos de altos níveis técnicos, como químicos, biólogos, físicos, estilistas e diversos outros profissionais.
Desde 2006, a tecnologia Cool Motion tem sido amplamente utilizada nos uniformes. Ela consiste em camisas compostas por duas camadas. A camada interna utiliza a tecnologia DRI-FIT, que consiste em um tecido com microrrelevos que imitam um “engradado de ovos”. As pontas que encostam no corpo não ficam úmidas. O suor absorvido pela parte que não fica em contato constante com a pele é rapidamente evaporado devido ao calor corporal. Já a camada externa é composta por um tecido impermeável e elástico, com diversos orifícios que otimizam a circulação do ar e a regulagem da temperatura corporal do jogador.
Quanto ao design, Ademir Takara comenta. “Pela terceira vez, a Fifa tenta transformar os uniformes monocromáticos. A França, por exemplo, sempre foi um símbolo muito forte: camisa azul, calça branca e meias vermelhas. Agora, ela joga inteira de azul. Mas eu acho que o Brasil pode resistir a isso. O tradicionalismo e a paixão pelo uniforme auriverde têm conseguido manter o maior símbolo da seleção brasileira.”
Em busca do hexacampeonato
Para a campanha do Catar, a seleção não só resistiu à tendência monocromática como inovou na combinação de cores e estampas do uniforme
No dia 7 de Agosto, a Nike divulgou oficialmente o traje que será utilizado pelos jogadores brasileiros na Copa. Batizada de “Veste a garra”, a coleção é uma homenagem ao Pantanal, bioma detentor de grandiosa biodiversidade e reconhecido pela Unesco como Patrimônio Natural da Humanidade e Reserva da Biosfera.
A camisa titular é amarela, com estampa em relevo que homenageia o padrão da onça-pintada, animal típico do bioma. A gola é verde, com bordas azuis e possui um botão com as cores e formas da bandeira brasileira. Na parte interna, é possível observar um selo com os dizeres “Garra Brasileira”. As mangas seguem os detalhes da gola e o símbolo da Nike é na cor azul. Já a camisa reserva é azul, com a estampa de onça em degradê para o verde nas mangas. O símbolo da Nike é na cor verde.
Simbolizando o “espírito e coragem da nação”, a Seleção Brasileira vai ao Catar em busca do título inédito de hexacampeã do mundo.