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Semana de 22 e o mundo fashion: relação que perdura na atualidade

Embora a relação entre moda e modernismo nem sempre fique evidente, a Semana de Arte Moderna possui influência na área ainda hoje

Entre 2021 e 2022, coleções de joias, roupas, calçados e acessórios foram lançadas no Brasil em comemoração ao centenário da Semana de Arte Moderna. A ligação entre a moda e o modernismo, no entanto, é evidente desde o começo do movimento. 

A influência indireta na moda

A Semana de Arte Moderna propôs um repensar cultural com uma vertente brasileira, o que não designa uma preocupação específica em redefinir a moda brasileira — ideia que é contrária ao pesquisador em filosofia e teoria de moda pela Unifesp, Brunno Almeida Maia. Para ele, apesar do modernismo não ter sugerido diretamente uma nova forma de se vestir, a visão estética proposta pelo movimento foi refletida no guarda-roupa dos artistas e, consequentemente, na moda. 

O livro aborda uma faceta pouco conhecida do casal modernista. [Imagem: Divulgação/Companhia das Letras]

Nem todos os modernistas, no entanto, se destacavam com as vestimentas. Para Brunno, “a relação da moda com o movimento de 22 vai aparecer muito mais no modo de vestir do casal tarsiwald [Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade]”. Ambos os artistas se preocupavam com a aparência e as roupas que usavam, como revela o livro O guarda-roupa modernista: O casal Tarsila e Oswald e a moda (Companhia das Letras, 2022). A obra, escrita pela historiadora Carolina Casarin, é a conclusão da pesquisa dela sobre as vestimentas do casal e sobre como as escolhas de roupas representavam os ideais modernistas — o que, nos dias de hoje, é algo comum ao analisar a moda como uma representação de opinião social. 

Tarsila e  a moda atual

As obras de Tarsila do Amaral estão entre as que mais são representadas por marcas e por artistas contemporâneos. Além de ser considerada a maior pintora brasileira do modernismo por vários especialistas – como Brunno –, a artista também se destaca por sua pintura, que é grande fonte de inspiração para outros artistas, segundo o pesquisador. “Tarsila trabalha muito bem com as formas e com as cores nas suas pinturas, que [é por onde] a moda parte. Tudo começa pela forma, em como dar forma ao tecido. E, nesse sentido, a pintura de Tarsila inspira muito os criadores”, diz Brunno.

Ele também ressalta o aspecto comercial envolvendo o nome de Tarsila e suas obras, as quais são conhecidas em território nacional e internacional, de forma abrangente. “Como essas marcas têm um compromisso não só com a criação, mas com aspecto comercial/consumo, colocar uma coleção da Tarsila do Amaral é imediatamente identificada, pelo menos, por boa parte do Brasil. Então é imediato, a mensagem não só no Brasil como lá fora”, explica ele.

Brincos esculpidos com amazonita, jade, topázio azul, prasiolita e ouro amarelo 18k, da Sauer, foram inspirados na obra “Antropofagia”, de Tarsila do Amaral. [Imagem: Marcos Vianna/Sauer e Reprodução/Instagram]

Sobre o aspecto comercial, as obras de Tarsila ainda estão protegidas pela lei de direitos autorais. Mas, a família está aberta a negociações; ela, inclusive, procurou a Sauer, alta joalheria especializada em esmeraldas, para fazer uma coleção em homenagem à pintora. “O processo da coleção teve envolvimento da família da Tarsila, em especial, de Tarsilinha, sobrinha neta da artista, sempre enriquecendo as reflexões e o diálogo entre as joias e a obra [da pintora]”, contou Stephanie Wenk, diretora criativa da Sauer. 

Marcas de roupas, de sapatos, de acessórios e um filme de animação infantil também foram autorizados a usar o nome da pintora pela Tarsilinha, a administradora dos direitos autorais das obras de Tarsila. Essa permissão de uso comercial do que a pintora produziu facilita a propagação não apenas de sua arte, mas também do movimento modernista. 

Brasilidade na moda do século XX

New Look: a minissaia de nylon, a camisa bufante e a sapatilha compunham um novo traje masculino na metade do século XX. [Imagem: Arquivo CEDAE – IEL/Universidade Estadual de Campinas]

Os artistas da Semana de Arte Moderna foram influenciados pelas vanguardas europeias, como o futurismo e o surrealismo. Essa característica pode provocar indagações sobre o quanto o movimento trouxe características nacionais para a moda brasileira. Mas o propósito, conforme Brunno, não era romper completamente com a arte europeia. “A Semana de 22 abre essa vereda de questionamentos, de inquietação para se buscar não um distanciamento do que as vanguardas europeias estavam produzindo, mas como olhar para elas buscando também os nossos referenciais”, afirma o pesquisador. A intenção, então, não era propor uma cultura completamente nova, e sim, formas de artes inteiramente novas. 

Uma das pessoas influenciada pela visão de mundo trazida pela Semana de 22 foi o artista Flávio de Carvalho. Próximo à elite cultural do período, ele publicou mais de 30 artigos sob o título A moda e o novo homem (1956). Segundo Brunno, o artista propôs uma roupa que questionava a moda do passado a partir de ideais modernistas. “A grande inquietação do Flávio era a seguinte: por que os homens dos trópicos ainda usam esse uniforme tipicamente burguês envelopado e sem ventilação [terno e gravata] em um país em que o calor é absurdo? Então, é uma contestação do modo de vestir burguês, algo que vai aparecer também nas vanguardas modernistas”. 

Assim, Flávio propôs o New Look, o que, de acordo com Brunno, “é a primeira proposição de vestimenta formal, partindo de um artista, para o homem brasileiro”. 

“O modernismo não acabou”

Alexandre Herchcovitch, Ronaldo Fraga e Walter Rodrigues, respectivamente. Cada um se relaciona ao Movimento de 22 de modo singular. [Imagem: Reprodução/Instagram]

Embora 100 anos tenham se passado desde a Semana de Arte Moderna, Brunno defende que a influência dela não terminou. “O modernismo é uma pergunta constante para a atualidade. Estamos ainda no modernismo”. Para o pesquisador, o movimento se atualiza cada vez que um artista propõe novas inquietações e novas formas, como feito pelos estilistas contemporâneos Alexandre Herchcovitch, Walter Rodrigues e Ronaldo Fraga, que trabalham a brasilidade e a pluralidade do país. 

Além deles, segundo Brunno, marcas independentes que questionam o corpo padrão branco e que valorizam corpos plurais, como AfroPerifa e Balbina, também são heranças da Semana de Arte Moderna. “Essa inquietação e esse desejo por ruptura e por buscar novas formas, conteúdos, belezas, corpos e  maneiras de expressar aquilo que nós denominamos arte olhando sempre para o contemporâneo teve uma influência não só na moda, mas em todos os campos, absolutamente todos os cantos”, afirma o pesquisador. 

Pintura corporal do “Abaporu”, feita por Larissa. [Imagem: Arquivo pessoal/Larissa Moreira Farias]

Um desses campos é o da artista Larissa Moreira Farias. Ela usa o corpo como suporte para fazer releituras de imagens famosas, o que foge do padrão de pinturas em tela e em parede. “[Com as pinturas corporais] você tira um pouco do pudor do corpo, da questão de achar que o corpo tem toda a questão da intimidade. Você faz com que as pessoas vejam o corpo feminino não como objeto, não como uma forma de sedução, e sim como uma beleza, como uma forma artística de divulgação e de exposição”, afirma a artista. Ela ainda diz que o modernismo está presente por causa do local escolhido como suporte para a arte — que, por si só, já é revolucionário. 

Apesar de não ter muito contato com a moda, Larissa costura pequenas peças, como toucas e roupas de bebê. Ela também percebe a relação entre as vestimentas que faz e o modernismo. “Seria a versatilidade, a capacidade de mudar, de ter novas peças e de fazer composições com poucas peças. Eu acho que o modernismo tem muito disso. Tem esse movimento antropofágico de pegar um pouco da cultura de cada lugar e meio que expressar minha cultura”, fala a artista. Para ela, esse movimento representa muito do Brasil, porque, mesmo seguindo tendências mundiais, o artista nacional tenta se adequar a cada uma de suas próprias particularidades.

Uma das estampas de Nicolle, criada para a Chico Rei, foi inspirada na Tarsila do Amaral [Imagem: Arquivo pessoal/Nicolle Bello]

Ilustradora de estampas para produtos como camisetas, a artista multidisciplinar Nicolle Bello entende a moda como expressão do momento cultural, além de carregar valores que convergem com os da Semana de 22. “Acho que meu trabalho dialoga com o modernismo brasileiro nas ideias de negação ao academicismo europeu, no enaltecimento da linguagem popular e da arte enquanto matéria democrática e acessível, e na concepção de uma estética livre e condizente com o que os olhos factualmente vêem: um retrato de cores e contrastes intensos”, afirma Nicolle. 

A artista, contudo, recusa o termo modernista para se auto definir. “Apesar de explorar a ideia de brasilidade em meu trabalho e contestar fórmulas estéticas, não me considero modernista, pois acho que é uma definição limitada com a qual não me identifico”.

Seja como for, é inegável que o mundo fashion ficou mais rico com a influência da arte de modernistas, como da Tarsila. Direta ou indiretamente, os valores da Semana de Arte Moderna ainda perduram na atualidade e muitas obras inspiram novas criações. 

Imagem da capa: Montagem [Reprodução/Instagram/Marcos Vianna/Sauer]

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