O que seria o apocalipse? A explosão da Terra? A destruição global, sem resquício de vida, de, sequer, matéria? Nosso planeta se transformaria em uma gigante bola de fogo, em combustão até não sobrar nada além de calor e energia que vão se esvaindo aos poucos até não restar mais nada? Ou seria a nossa morte? O fim do nosso próprio mundo, daquilo que conhecemos e concebemos?
Os judeus essênios viveram entre 2 a.C e 1 d.C na Palestina em uma espécie de ordem monástica. Nela, os homens recolhiam-se no deserto para estudar e rezar, “como se estivessem se preparando para alguma coisa”, explica o professor de língua hebraica e literatura rabínica da Unisal Alexandre Leone. Os judeus são bastante reconhecidos por fazerem parte de uma religião fortemente messiânica. Nesse sentido, os essênios entre, mais ou menos, 66 d.C e 73 d.C previram um fim do mundo com a chegada do messias. Isso aconteceu durante o período da chamada Primeira Guerra Judaico-romana, cuja revolta se pautou na luta contra os altos impostos cobrados pelo Império Romano, da desigualdade interna, a tentativa de dominação religiosa por Roma, dentre outros motivos (história liberta).
As obras dos Rolos do Mar Morto, cuja autoria é dada por diversos cientistas aos essênios, possui um caráter apocalíptico. Dentre esses documentos é possível citar a Regras da Guerra dos Filhos da Luz contra os Filhos das Trevas, que deixa a imaginar se esse povo judeu refletiu no que seria a luta cósmica entre o bem e o mal em sua própria revolta contra os romanos. Para eles, haveria de chegar um messias, o qual iria trazer a redenção de Israel e o início de uma nova era, portanto, o fim de um tempo. Essa nova era traria paz e o término de idolatrias, em que todos passariam a praticar o monoteísmo. Dessa forma, o apocalipse para eles está relacionado à ideia de uma libertação nacional, de recuperação do templo que fora contaminado.
No entanto, os essênios duraram pouco tempo após o fim da Grande Revolta. Não se sabe como, nem ao certo quando, mas eles desapareceram, deixando muitas dúvidas e incertezas sobre a sua existência. Chega a ser irônico perceber que, de fato, um fim do mundo aconteceu. Alexandre Leone esclarece: “aquele mundo, tal como os essênios o viviam, com o templo em Jerusalém, com aquelas tensões, isso chegou ao fim, numa guerra que de certa forma foi a guerra do fim do mundo”. Então, aconteceu o término de um universo. Talvez, não do jeito que era esperado por esse povo, com a chegada do messias ou com a salvação de Israel,
Outra conclusão pode ser tirada desse pensamento: O fim do mundo, não pode ser “reduzido” a uma catástrofe global que aniquilaria a vida e o planeta como um todo. Afinal, “o mundo não é objetivo, ele é uma ordenação que você faz”.
Trazendo mais para a atualidade esses pensamentos, com o caso do Bug do Milênio, fica mais fácil ver como a influência temporal pode alterar completamente os nossos conceitos. Ele aconteceu na virada de 1999 para 2000. Nessa época, devido aos altos custos relacionados à memória dos computadores, o ano era era salvo e interpretado com dois dígitos. Assim, na virada do milênio, surgiu um medo generalizado de que haveria uma erro de leitura e o ano 2000 seria confundido pelos computadores pelo de 1900. Surgiu, então, uma expectativa, que extrapolou e muito a questão técnica de “como os computadores responderiam à passagem do século ou do milênio”, assim explica o professor de história da ciência da Universidade de São Paulo, Francisco Queiroz.


Isso representava consequências que seriam tão terríveis a ponto de trazer um verdadeiro clima de fim de mundo associado a um “colapso sistêmico” como, por exemplo, aposentadorias canceladas e disputas jurídicas entre fornecedores e compradores. Também seriam prejudicados a cobrança de impostos, acompanhamento de arrecadação, estatísticas do comércio exterior. O mais frágil dos sistemas era o financeiro, que poderia ser vítima de contas erradas dos rendimentos de aplicações, além de não poder projetar cálculos para depois do novo ano (acessa.com).


Segundo Francisco, a capacidade técnica para resolver isso já existia, porém o que prevalecia era uma questão muito mais antiga: a passagem do milênio. Se na ida para o século 21 isso exprimiu uma incerteza quanto à tecnologia, no ano 1000 d.C o apocalipse estava muito vinculado ao cristianismo.
Foi dado o nome de ano mil para a entrada do milênio, que representava 1000 anos após a morte de Jesus de Nazaré. Baseando-se nesse “aniversário” e no livro de Apocalipse de São João, o qual retrata a guerra celestial entre o bem e o mal, o retorno de Cristo, o julgamento que condenaria ou recompensaria cada indivíduo, os clérigos previram mais um fim do mundo. Como tal agouro não foi concretizado o dia foi adiado para 1033 d.C, considerado um milênio da morte, ao invés do nascimento, de Cristo.
Para o professor de história da ciência, essas datas são associadas à ideia de fim dos tempos devido à insegurança humana. Por temos nossos medos, lançamos mão de vários elementos que seriam capazes de prever o futuro, aquilo que ainda está por vir. No entanto, eles falham. Isso não envolve apenas práticas mais supersticiosas, como leitura de tarot, horóscopos ou religião. O fim do mundo maia, a título de exemplo, foi fundamentado em leituras equivocadas dos antigos documentos dessa civilização pré-colombiana que sugeriram o famoso presságio para o 21 de dezembro de 2012.
Tal crença, além da necessidade dos homens em saber seu destino, foi fomentada pelo cinema com o lançamento do filme 2012. O longa, aproveitando-se do período em que foi lançado, retrata um fim do mundo em sua destruição quase total, com apenas alguns sobreviventes, e ajudou a instaurar um ar de colapso cósmico. “A gente fica bastante sensibilizado, [esse tipo de produção que retratam cenas apocalípticas] possui consequências problemáticas: suicídios coletivos, pessoas que vendem tudo e se mudam para aguardar o fim”, declara Francisco de Queiroz.
De fato, histórias de cataclismos vendem muito. Outro caso aconteceu envolvendo o cometa Halley. Esse objeto do espaço volta a ser visto da Terra de 76 em 76 anos. Não obstante, em 1910 prevaleceu um imaginário de que o cometa iria provocar uma grande catástrofe. Muita gente acreditava que a cauda do cometa iria atingir a Terra, seus perigosos gases iriam acabar com ela e a pele das pessoas seria, simplesmente, dissolvida. Nesse momento, muitos passaram a comprar máscaras de gás, garrafas de oxigênio e comprimidos capazes de protegê-lo do mortal cometa (deutschwelle).

Assim como nos casos de virada do milênio, Francisco Queiroz acredita que o medo em relação ao cometa Halley também tem suas origens em algo muito antigo: a ideia de que objetos espaciais, os astros possuem influência em nossas vidas. Ele defende que o ser humano é complexo e racional, porém não somente isso, uma vez que a racionalidade e o misticismo, a religião e as crendices são “planos que estão em áreas diferentes, para necessidades diferentes”. E nem mesmo a Europa, terra do iluminismo, empirismo e toda a racionalidade ocidental sobreviveu às crises de pânico trazidas por um possível fim dos tempos.


No fim das contas, não importa o quanto uma sociedade é “evoluída” cientificamente, o quanto de informação ou noção da vastidão do mundo ela tem. Enquanto houver matéria humana em nós composta da particular dualidade entre razão e emoção, haverá as mais cabulosas previsões, que vão de tragédias globais à volta de messias, com grande potencial para virarem motivo de piada das próximas gerações que se seguirem.