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O Vazamento: jornalista brasileira revela como foi participar do ‘WikiLeaks’

Fundadora da Agência Pública, Natalia Viana participa de discussão sobre seu novo livro “O Vazamento: memórias do ano em que o WikiLeaks chacoalhou o mundo”
Pessoa com livro sobre a mesa branca
Por Maria Eduarda Lameza (duda.lameza@usp.br)

No final de março, o Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE) da Escola de Comunicações e Artes, em parceria com a Jornalismo Júnior, promoveu uma aula inaugural com o tema “jornalismo investigativo internacional no século XXI”. A palestrante convidada foi Natalia Viana, uma das jornalistas fundadoras da Agência Pública, que falou sobre seu novo livro: O Vazamento: memórias do ano em que o WikiLeaks chacoalhou o mundo, lançado em 2024.

Além de sua trajetória pessoal e profissional, Natalia focou sua fala no tempo em que trabalhou no WikiLeaks ao lado de Julian Assange, episódio que, posteriormente, ficaria conhecido como um dos maiores escândalos de vazamento do mundo. O evento foi mediado pelo professor Vitor Blotta e contou com a participação dos docentes Dennis de Oliveira e Eugênio Bucci. Ao final da palestra, os participantes puderam fazer questionamentos à convidada e receber autógrafos.

Pessoas em uma mesa com microfone falando em uma palestra/aula
Da esquerda para a direita: Dennis de Oliveira, Natalia Viana e Eugênio Bucci [Imagem: Reprodução/Maria Eduarda Lameza – LAC/ECA]

Como tudo começou

Natalia se formou em jornalismo na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo em 2001 e, no ano seguinte, aos 21 anos, começou sua trajetória profissional como repórter na revista Caros Amigos. Por lá ela realizou sua primeira grande reportagem: foi para a Bolívia em 2004 e conseguiu um perfil exclusivo do ex-presidente Evo Morales.

Mas a jornalista conta aos estudantes que nem sempre foi assim. Ela explica que, quando se formou, não foi aprovada nos programas de treinamento das grandes redações da cidade e, para se manter, começou a trabalhar como repórter freelancer. Para isso, ela ia atrás das histórias que queria contar e enviava as reportagens para editores de jornais e revistas até mesmo fora do Brasil.

“Eu tinha uma inquietação. Sempre tive muita vontade de cobrir violações de direitos humanos. Para mim, o jornalismo é isso: buscar as histórias que precisam ser contadas e contá-las da melhor maneira possível”.

Natalia Viana

Entre 2006 e 2008, Natalia conta que viveu um momento chave para tudo que viria depois em sua trajetória: ganhou uma bolsa de estudos para cursar seu mestrado na Inglaterra. Lá, conheceu o modelo de jornalismo investigativo britânico realizado por organizações sem fins lucrativos. Quando voltou ao Brasil, passou a utilizar as técnicas aprendidas fora em seus trabalhos freelancer, colaborando com veículos como BBC, The Guardian, The Independent, Sunday Times, Carta Capital e Opera Mundi. Nessa época, também escreveu seu primeiro livro-reportagem: Plantados no chão: Assassinatos políticos no Brasil hoje.

Mulher falando em palestra ou aula sobre sua atuação em sua profissão
Hoje, Natalia é editora e diretora executiva da Agência Pública, mas continua escrevendo e publicando suas reportagens [Imagem: Reprodução/Maria Eduarda Lameza – LAC/ECA]

O chamado secreto

Em 2010, Natalia estava na Amazônia fazendo uma reportagem sobre crimes ambientais quando recebeu uma ligação de Sarah Harrison, uma editora que havia conhecido na Inglaterra, a convidando para voltar ao país e fazer parte de um projeto confidencial. Natalia conta que Harrison disse algo como “não posso te dizer o que é, mas você vai ter contato com a maior quantidade de documentos que qualquer um já teve, nenhum jornalista recusaria”. Após realizar uma pesquisa sobre Sarah Harrison, a jornalista imaginou que o chamado secreto fosse algo relacionado ao site WikiLeaks, que estava chamando atenção na mídia após vazar vídeos de militares norte-americanos em helicópteros. As imagens mostravam o assassinato de civis no Iraque e de dois repórteres da Agência Reuters no caso que ficou conhecido como Collateral Murder.

“Eu não tinha a menor ideia do que era, mas larguei tudo que tinha planejado para minha vida no Brasil e embarquei sem nenhum tustão”

Natalia Viana

WikiLeaks é um site criado pelo desenvolvedor de sistemas australiano Julian Assange, que publicava documentos confidenciais obtidos por meio de uma plataforma que permitia que qualquer pessoa com informações sigilosas de governos realizasse os vazamentos sem ser identificada. Esses documentos, em sua maioria sobre a influência e até crimes da diplomacia estadunidense, passavam por uma checagem antes de serem publicados no site. Segundo Natalia, o projeto era a “união da visão digital de Julian Assange com um objetivo de jornalismo de impacto para o mundo”.

Quando chegou na Inglaterra, Natalia descobriu que, até o momento, o WikiLeaks havia conseguido mais de 250 mil documentos diplomáticos confidenciais dos EUA sobre suas ações ao redor do mundo. Ela contou aos estudantes que ficou alguns meses isolada em um casarão no interior norte do país com Harrison, Assange e outros jornalistas. Sua tarefa era traduzir, checar e publicar as informações referentes ao Brasil. “Ficamos pensando e nos preparando para publicar esse vazamento que a gente sabia que seria o maior da história do jornalismo”, explica Natalia. Ela ainda ressalta que esse não é o maior vazamento em quantidade de terabytes, mas é o único que envolveu mais de 150 países.

Natalia Viana e Julian Assange, jornalistas conversando no sofá, batendo um papo
Natalia Viana e Julian Assange trabalhando juntos na Inglaterra em meados de 2010 [Imagem: Natalia Viana/Acervo Pessoal]

Além de escrever reportagens para o WikiLeaks de forma voluntária sobre as questões brasileiras que foram vazadas, Natalia também firmou parcerias com os jornais Folha de S. Paulo e O Globo: “Quando recebi esses documentos, tive dez dias para pensar em uma estratégia de como publicar isso no Brasil”. Um dos temas mais recorrentes foi a presença de agentes do FBI – Departamento Federal de Investigação – em território nacional, com influência em prisões por falsas alegações que culminaram na extradição de cidadãos brasileiros para os EUA, no que Natalia chamou de “caça às bruxas a supostos terroristas”.

Os legados do WikiLeaks

Após três meses dessa parceria, o interesse dos grandes jornais brasileiros pelos vazamentos do WikiLeaks foi se acabando. Segundo Natalia, isso pode ter acontecido já que tanto a Folha de S. Paulo quanto O Globo não tinham um olhar investigativo para os documentos, o que não produzia grandes furos de reportagem, e sim uma proposta de cobrir diariamente as principais notícias do país.

Em 2011, para continuar investigando os documentos vazados pelo WikiLeaks e publicando seus desdobramentos para o Brasil, Natalia Viana e as jornalistas Marina Amaral e Tatiana Merlino – colegas na revista Caros Amigos – resolveram tirar do papel o sonho antigo de criar uma agência de jornalismo investigativo independente e sem fins lucrativos. E assim nasceu a Agência Pública.

Natalia conta que mesmo longe, com seu retorno ao Brasil e trabalho na Pública, “acompanhou de perto a perseguição que Assange sofreu por 14 anos”. Ainda em 2010, ele foi acusado de abuso sexual na Suécia e, em 2012, ficou asilado na embaixada do Equador em Londres, onde ficou por sete anos. Quando o governo do Equador mudou em 2019, seu asilo foi negado e ele foi preso na Inglaterra até o ano passado. Apesar das acusações de abuso sexual terem sito arquivadas por falta de provas, os Estados Unidos realizaram diversos pedidos de extradição alegando crimes de espionagem.

Julian Assange foi solto em 2024, após firmar um acordo com o governo norte-americano em que se declarou culpado por publicar documentos confidenciais, o que, para Natalia, “é se declarar culpado de fazer jornalismo”. Ela ainda considera que Assange foi vítima de lawfare, um mecanismo de perseguição de opositores políticos através do sistema jurídico.

Pessoa escrevendo autógrafos em um livro sobre jornalismo investigativo e de história de sua vida na profissão
Alguns exemplares do livro foram dados ao estudantes que fizeram perguntas à Natalia no debate, que autografou todos ao final do evento [Imagem: Reprodução/Maria Eduarda Lameza – LAC/ECA]

Ao final de sua palestra, Natalia Viana disse que resolveu contar essa história em seu livro para lembrar que, em meio a um cenário de desinformação, a aliança entre o jornalismo e a tecnologia pode ser benéfica: “a tecnologia também é libertadora, depende do uso que a gente faz dela”. Para ela, o WikiLeaks teve importante papel em moldar o jornalismo como conhecemos hoje e por inspirar outros vazamentos de grande relevância pública, como os casos Vaza Jato, Snowden e Panamá Papers.

“Julian Assange operacionalizou os grandes vazamentos modernos, uma marca do jornalismo investigativo atual que gerou grandes furos jornalisticos que mudaram a história de países”

Natalia Viana

Assista à transmissão do evento completo no youtube.

[Imagem : Reprodução/Maria Eduarda Lameza – LAC/ECA]

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