O handebol feminino brasileiro tem uma recente, porém vitoriosa história. A seleção brasileira nunca teve tanto destaque entre os países do restante da América. Durante todo esse período, o trabalho das handebolistas brasileiras se disseminou para outros estados da federação – uma pena que essa evolução não segue até hoje os rumos profissionais do esporte.
A demonstração de que o Brasil surgia como potência feminina veio nos Jogos Pan-Americanos de Winnipeg, no Canadá. Tanto as mulheres quanto os homens foram vitoriosos na competição. Só não conseguiram êxito total na competição, pois Cuba derrotou a equipe masculina na final. A vitória feminina frente às canadenses foi o passo inicial para a construção de uma história que agora é também Olímpica. Atualmente elas possuem uma grande hegemonia local. Desde aquela conquista, a seleção não entregou sua medalha de ouro a nenhuma outra concorrente dos Pan-Americanos, conquistando em Lima o hexacampeonato. Hoje, o Arquibancada demonstra o quanto ainda é difícil para organizadores trazerem o atrativo final ao jogo de handebol em nosso país.
A criação da Liga Nacional de Handebol Brasileira
A alguns anos atrás, antes mesmo da convocação das atletas para essa competição no Canadá, surgia a Liga Nacional de Handebol Feminino. A necessidade da criação da competição era concreta porque a busca das atletas que não se adaptaram em outras modalidades por um novo desafio no mundo dos esportes também já era uma grande demanda. Portanto, já virava uma tendência as equipes tradicionais em outros esportes no país lançarem suas apostas criando suas equipes de handebol.
As primeiras equipes de destaque no país foram o Metodista/São Bernardo – agora UNIP/São Bernardo –, o Esporte Clube Pinheiros, Guaru e o Blumenau/FURB. Mayara Moura, jogadora do Pinheiros e armadora da seleção, convocada por diversas vezes, comenta sobre as primeiras temporadas da liga, que teve início em 1997: “As primeiras temporadas eram mais equilibradas, existiam mais times competitivos. As equipes conseguiam investir melhor nas equipes femininas. Hoje, existem mais barreiras do que naquela época e isso reflete totalmente no desempenho dos times e automaticamente na organização do campeonato”.
Em 1997, as equipes que chegaram à final foram o Guaru e C.E. Mauá/UNIVERSO – dois times que alcançaram esse patamar nos primeiros anos da competição e não se encontram mais em destaque nas primeiras posições do campeonato nacional. Várias deficiências encontradas desde a criação do torneio persistem sem uma resolução. Além disso, também é muito comum verificar que os clubes, na maioria das vezes, surgem por meio de parcerias entre instituições de ensino e algum apoio governamental da região onde se instalam.
“Atualmente, as equipes se concentram em sua grande maioria no Sul e no Sudeste. Temos cada vez menos equipes conseguindo investir no handebol feminino. As atletas não encontram soluções e alternativas para continuarem jogando aqui no país e a única saída é buscar as equipes da Europa – que é uma mercado forte do esporte e que sabe do potencial das brasileiras”, afirma a atleta.
Os maiores destaques da competição durante toda sua história foram os títulos da equipe estreante Metodista/São Bernardo por sete anos consecutivos – de 2006 a 2012 – e as primeiras e únicas quatro conquistas do Guaru – segundo maior detentor de títulos do campeonato.
A competição e sua organização
A Confederação Brasileira de Handebol já propôs e colocou em prática diversos formatos para a Liga. Porém, por conta de o número de equipes participantes a cada ano ser modificado, esses formatos se articulam conforme interesses das federações estaduais e questões de calendário. Segundo Mayara, o formato tende novamente a passar por novas reformulações. “A Liga Feminina Adulta de 2019 foi realizada entre agosto e dezembro. O modelo de conferências foi adotado, portanto as equipes foram divididas em regiões para jogarem partidas de ida e volta. Os melhores classificados se reuniram em uma sede neutra para a disputa de um final four durante um fim de semana”, complementa a atleta campeã nacional em 2019.
A entidade representante do esporte no Brasil a nível internacional também criou, em 1999, uma segunda divisão para clubes menores e de pouca expressão no cenário nacional. Contudo, os clubes sofrem com a falta de torcida nas arquibancadas e até mesmo de bons equipamentos esportivos para mandarem seus jogos. Por esses motivos é que se torna praticamente impossível criar mais divisões da Liga com o objetivo de profissionalizar e trazer mais competitividade aos jogos. E isso é um item importantíssimo para qualquer modalidade, pois é o que traz valorização ao esporte como produto.
“Temos pouquíssimos times participando nos torneios nacionais e também estaduais, tudo pela queda nos investimentos. O que falta é pensar a longo prazo. E principalmente ter um projeto que, nos próximos anos, torne a Liga em um produto atrativo para a mídia, colaboradores, patrocinadores, tornando, assim, a competição mais sólida e com muito mais equipes”, opina a jogadora.
Portanto, não é difícil verificar que a má organização do handebol feminino brasileiro dura muitos anos. Os esforços devem ser contínuos para que as competições brasileiras sigam pela mesma linha de desenvolvimento das europeias em todas as temporadas. Afinal, só com uma boa base e estrutura aqui de nosso país poderemos ter ainda mais atletas reconhecidas mundialmente e atuantes no handebol europeu.
A exportação do talento brasileiro
A jogadora brasileira que pode ser considerada a pioneira no despertar de interesse do mercado europeu foi a catarinense e goleira Chana Masson. Ela jogou por aproximadamente dez anos na Dinamarca e foi a responsável por atrair os clubes europeus para buscarem nomes no Brasil. Como a exigência por na Europa é incomparável a de torneios brasileiros, é muito difícil as handebolistas se adaptarem rapidamente aos novos estilos e oportunidades de jogo com os quais nunca tiveram contato antes.
Mesmo enfrentando essas adversidades, as jogadoras brasileiras se destacam bastante há alguns anos. Em 2019, por exemplo, a armadora Bruna de Paula foi eleita a melhor jogadora da Liga Francesa. Aliás, essa mesma Liga abriga um dos melhores times da Europa na atualidade, o Montpellier.
Eduarda Amorim também é um dos grandes nomes que atuam na Europa. Ela foi artilheira da Liga dos Campeões, em 2019, jogando pelo Gyori, da Hungria. Além disso, já foi várias vezes destaque na Liga Húngara e na seleção brasileira – por essa última chegando a maior consagração de sua carreira: o título mundial.
Porém, o problema de baixos salários das jogadoras brasileiras em comparação com as europeias é muito evidente. “Atualmente, as Ligas femininas mais competitivas, com jogos de alto nível técnico, são a francesa, dinamarquesa, húngara e a romena. Aqui, no nosso campeonato, estamos longe dessa competitividade que existe na Europa. A questão também se relaciona com a disponibilidade estrutural do esporte. As jogadoras são estáveis e podem ter condições de se dedicarem somente ao handebol – por lá existem treinos em dois períodos, por isso elas podem focar nos jogos sem ter que precisar trabalhar ou estudar paralelamente. O calendário permite que os jogos sejam frequentes e fortalece muito todas as equipes participantes”, compara Mayara em relação à realidade brasileira.
A garra de uma conquista invicta
As brasileiras que fizeram história em Belgrado, na Sérvia, já viveram nessa dimensão europeia do esporte. Mas, o que a equipe comandada por Morten Soubak fez naquela conquista mundial invicta em 2013 é algo digno da repercussão que teve. Essa geração de ouro se mantém muito bem, pois muitas das atletas brasileiras ainda disputam concorrência com as atletas europeias mesmo após mais de cinco anos da conquista. A exemplo disso temos a armadora Deonise – que também está atuando na França, no Bourg-de-Péage, e foi considerada a melhor goleira daquela conquista – e Babi Arenhart, que joga, atualmente, em uma equipe de Montenegro.
O caso da Mayara é um pouco diferente. Depois da conquista, ela foi contratada pela equipe dinamarquesa do Nikøbing, mas em 2015 sofreu uma lesão em um ligamento do joelho e acabou decidindo voltar para o Brasil para tratá-la. Foi uma vinda precoce, pois ela almejava continuar na Europa depois da conclusão do tratamento – proposta que não se concretizou devido a uma outra lesão adquirida aqui no país. A sua decisão de ficar no Brasil veio a partir da possibilidade que o Esporte Clube Pinheiros lhe daria para a prática do esporte conciliada aos estudos.
“Foi um conjunto de situações que colaboraram para a saída das nossas principais jogadoras para a Europa. Na minha opinião, o principal fator que influiu nessa situação foi a vivência na seleção com os técnicos europeus e o investimento em treinamentos e jogos das meninas com grandes seleções europeias. A visibilidade da seleção é muito maior do que a dos clubes no país. Por isso vários nomes passaram a ser revelados em tão pouco tempo. Isso porque a ascensão do Brasil lançou muitas boas atletas em poucos anos. Automaticamente os clubes europeus foram os primeiros a reagirem”, explica ela sobre a fuga de nossas principais jogadoras.
A estrutura para desenvolver um bom período de pré-temporada é o que fortalece as equipes do velho continente. Mayara cita que aqui no Brasil a Confederação já erra quando não soluciona o problema das datas, pois a realização de campeonatos por períodos de dois a quatro meses afeta e desgasta bastante as atletas. Ainda segundo ela, a maioria das equipes começam o ano somente um pouco antes das competições iniciarem, ou seja, quem conseguir jogar os estaduais no primeiro semestre já tem alguma sequência. Bem diferente dos times que ficam parados nesse período e que acabam não tendo condições para a inscrição nas competições nacionais – Copa do Brasil, Brasileiro da 1ª divisão e a Liga – disputadas no segundo semestre da temporada.
O sonho das atletas brasileiras de observarem uma real transformação de seus campeonatos locais é movido, na maioria das vezes, por suas vontades de continuarem no país. A Europa pode oferecer condições financeiras inimagináveis às atletas, mas as crises e dificuldades da vida pessoal de cada uma delas poderiam ser melhor interpretadas pelos dirigentes locais do esporte em nosso país.
Um exemplo positivo para o esporte nacional é a Superliga Feminina de Vôlei: uma competição com altos níveis de interesse por parte da mídia e com uma evolução de competitividade extraordinária durante as últimas duas décadas. As jogadoras se firmam nos clubes de uma forma impressionante e um dos principais fatores para essa mudança positiva foi a adequação do calendário de partidas para o método utilizado internacionalmente, na temporada de 1988/89. Novos desafios devem ser encarados de frente para que a consequência final seja a melhoria do handebol feminino nacional.