No dia 2 de setembro, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) anunciou a equiparação dos pagamentos feitos a jogadores e jogadoras convocados para as seleções brasileiras principais. O presidente da entidade, Rogério Caboclo, estava ao lado da treinadora da seleção feminina, Pia Sundhage, quando fez o anúncio. O pronunciamento também teve a apresentação das novas coordenadoras de competições femininas, Duda Luizelli e Aline Pellegrino – a primeira a nível internacional e a segunda a nível nacional.
Esses pagamentos referem-se principalmente às diárias que os atletas convocados recebem e também à efetivação dos pagamentos de premiações para atletas que mantêm bons resultados na seleção. A postura adotada pela CBF foi só o desfecho de uma situação desejada e planejada desde o início deste ano.
A Copa do Mundo Feminina de 2019, na França, proporcionou uma grande valorização comercial do evento a nível mundial. As mobilizações para uma transformação positiva do esporte no país também começaram a ser traçadas utilizando de referência os muitos países cujo futebol feminino é mais valorizado.
Mulheres à espreita dos dirigentes que ignoram os reais problemas do futebol
O abismo salarial entre jogadoras e jogadores começa pela desvalorização da capacidade da mulher em contribuir com o espetáculo da mesma maneira que os homens. No Brasil, por exemplo, estádios raramente lotam – nem mesmo em jogos importantes para clubes com alguma tradição – e comissões técnicas são pouco qualificadas e muito reduzidas. Contudo, elas tentam utilizar de boa maneira os poucos recursos que “chegam na ponta” do esporte.
“O princípio de tudo deve ser o reconhecimento da atleta do futebol feminino como uma profissional. Após isso, todas devem parar e ter uma reflexão consciente de que essa submissão [aos manda-chuvas dos clubes e federações] só prejudicará ainda mais o desenvolvimento da prática democrática do futebol em nosso país”, orienta Rinaldo.
A FIFA comandada pelo suíço Gianni Infantino coordenou diversos incentivos ao futebol feminino nos últimos anos, mas os clubes brasileiros tiveram como resultado o agravamento de suas próprias situações econômicas.
“Os investimentos são uma situação complexa no futebol feminino brasileiro. Se tratando de Seleção e CBF, existem muitos recursos, e a entidade é muito eficaz na captura de marcas para patrocinarem suas camisas. Mas, na realidade, esses valores são inferiorizados em comparação as cifras que envolvem o futebol masculino”, comenta Rinaldo.
Os negócios que flutuavam em busca de segurança nos patrocínios no mundo do futebol se viram incentivados a fechar contratos com os principais clubes do país e com a seleção nacional. Porém, a divulgação torna-se momentânea e o estímulo reduz ainda mais as expectativas do torcedor, que só deseja qualidade e competitividade no esporte.
Comparação com o cenário dos Estados Unidos
Nos Estados Unidos, atletas da seleção feminina de futebol enfrentam uma disputa judicial pela igualdade nos ganhos em relação aos atletas homens. Em maio deste ano, o juiz do caso julgou a ação como improcedente e aceitou apenas parte das reivindicações das jogadoras, deixando a questão de remuneração de lado.
Rinaldo explica que a situação do Brasil é muito diferente da americana e não vê possibilidade de um processo semelhante aqui. No processo judicial, as exigências envolvem questões para além da remuneração, mas esse é o ponto mais importante.
A decisão da CBF se aproxima da situação da seleção americana pela forma de remuneração. Segundo Rinaldo, ela não serve para equiparar os pagamentos em termos absolutos. “Não é equiparação de valor, é equiparação da porcentagem dos valores”, diz ele. Essa diferença fica mais nítida quando comparamos os ganhos de cada time. Segundo o Globo Esporte, a equipe masculina recebeu, entre 2015 e 2019, US$ 18,5 milhões por 87 partidas e a feminina recebeu US$ 24,4 milhões por 111 partidas no mesmo período.
O argumento do juiz para não aceitar a equiparação entre os gêneros é o de que elas receberam um valor maior, se comparado com os valores da Seleção Masculina, mas o problema está na diferença entre as conquistas de cada time. Elas foram campeãs da Copa do Mundo Feminina enquanto eles sequer conseguiram se classificar para a masculina. O objetivo delas é receber pagamentos que se equiparem ao que a equipe masculina receberia caso tivesse um desempenho tão promissor quanto.
A batalha judicial levou a algumas das mudanças que Bruna afirmou serem necessárias no Brasil como visibilidade, patrocínio e profissionais mais qualificados nas equipes. A jogadora acredita que o futebol feminino não recebe a atenção e credibilidade que deveria, e comentou que essa diferença de tratamento as equipes “não tem cabimento”.
Como estão as equipes femininas na pandemia
Se ao longo da carreira essa diferença foi percebida no dia a dia das jogadoras, durante a pandemia isso se torna ainda mais notável.
Rinaldo classifica como “hipócrita” a decisão da CBF de equiparar os pagamentos sem fazer “um prévio trabalho de estruturação”. Além disso, mencionou que o auxílio dado pela Confederação aos times não chegou às jogadoras. Em muitos casos isso aconteceu porque “a CBF não fiscalizou o destino do dinheiro”.
A pandemia ameaça o futebol feminino por conta da falta de visibilidade e de investimento que ele recebe. O que afeta principalmente times menores. Rinaldo aponta que, como as jogadoras muitas vezes não possuem uma relação contratual com os times, elas estão mais suscetíveis ao poder deles e têm menos possibilidade de fazer exigências.
Bruna contou que a maior dificuldade durante a paralisação dos jogos foi ter que treinar em sua casa à distância. Ela disse que nesse período os salários passaram por reajustes de acordo com cada time, mas em seu caso “agora já está tudo normalizado”.