por Júlia Pellizon
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O som está justamente ao redor. Ao redor das mulheres que reclamam de suas Vejas descuidadas pelos porteiros sonolentos, dos cachorros que latem incessantemente e incomodam as vizinhas, dos seguranças de rua que cobram para perambular em busca de bandidos, da classe média que se trancafia. Essa é a essência do filme brasileiro Som ao Redor (2012), longa-metragem de Kleber Mendonça Filho o qual não tem medo e dá um tapa na cara de uma sociedade mesquinha e individualista, que estamos tão acostumados a conviver e nem reparamos mais. Pelo menos, é assim se faz presente a construção de um enredo tão instigante, a partir da identificação cruel e desafiadora do público com a tela.
Passado em um bairro comum em Recife, a trama envolve uma tropa de homens que desembarca, em uma rua qualquer da zona sul da cidade, e oferece o serviço de zelo e bem-estar para os moradores do local. Uma grande oferta a uma pechincha mensal, entretanto os novos seguranças não esperavam contar com o sistema ilícito do seu Francisco, o qual mantém a estabilidade da rua com suas próprias leis e dinheiro. Enquanto isso, paralelamente à história principal, uma mulher vive um dilema em relação ao latido do cachorro da vizinhança, proporcionando um verdadeiro inferno-astral a ela.
Mas onde estaria a real graça de Som ao Redor? A simplicidade com que o diretor expõe os problemas cotidianos: o romance ao estilo ‘ficar’ de João e Sofia; o neto-trombadinha do magnata da rua; e até a maneira como os participantes da milícia de seguranças tratam o seu trabalho. A restrição da história a uma rua é capaz de trazer um caráter universal a cada problema. Neste meio, a trilha sonora e até mesmo cada ruído natural da cena e englobam o enredo inteligente em uma grande produção bem contada.
Diferentemente de produções nacionais de imenso sucesso, como Tropa de Elite (2008), Carandiru (2003) e Cidade de Deus (2002), essa obra pernambucana vai além da realidade violenta das periferias das capitais, e joga sutilmente na mesa todos os defeitos de uma classe que vive em conflito entre o público e o privado. A narrativa graciosamente construída de modo a explorar a atenção do público, logo de início coloca cenas que podem passar desapercebidas e parecem não ter nada a ver com a trama. Contudo, ao final, cada peça se encaixa e até os momentos, de certa forma, surreais – como o flash da cachoeira de sangue. Embora quebrem a relação de verossimilhança, transmitem um sentido importante para a compreensão geral da história.
Não é à toa que Som ao Redor chamou atenção não só dos olhares nacionais, mas dos internacionais também. Destaque em diversos festivais importantes, o filme estreou em 2012 no festival Roterdã, um dos maiores da Europa. Depois desse pontapé inicial, Som ao Redor foi contemplado na categoria Melhor Filme em eventos como a 36a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Festival de Gramado e Festival de Londres; além disso participou de mais de 70 de festivais em diversos continentes, além de ter sido lançado em 11 países. Mais recentemente, o filme foi escolhido para representar o Brasil no Oscar, concorrendo pela estatueta de Melhor Filme Estrangeiro. Contudo, infelizmente, não foi selecionado. A tradicional premiação ocorrerá no dia 2 de março, e seria a possibilidade de uma conquista importante para o cinema nacional. Desde a última indicação brasileira, quando Central do Brasil (1998) perdeu o prêmio para o italiano A Vida é Bela (La vita è bella, 1997), em 1998, o país não tem um representante forte na disputa.
Som ao Redor tem um gigantesco potencial de cativar os brasileiros nesta narrativa simples mas profundamente tocante, real e intensa. Se trouxesse ou não a estatueta dourada para o território nacional, o que importa efetivamente é transformar a errônea imagem que o público tem de que o cinema brasileiro se resume apenas a favela, drogas e sexo. Na realidade, há um mundo de produções independentes não exploradas pelo público e menos ainda incentivadas pelos órgãos responsáveis. A esperança de arrematar um Oscar, mais de uma década depois da última indicação na categoria, seria uma chance de uma expansão cultural no mercado cinematográfico brasileiro. Embora isso seja ainda uma pequena semente na área, é um passo importante para realçar que a delicadeza e inteligência de filmes como Som ao Redor mostram um caráter bem mais nobre do que muitos blockbusters – repletos de efeitos especiais, mas supérfluos em conteúdo.