Por Karina Merli
Imagine uma atividade em que é possível você aprender a se defender, a ter maior autocontrole e ainda queimar algumas boas calorias, independentemente de sua altura, idade, peso ou sexo. Imaginou? Parece algo distante de nossa realidade e, até mesmo, impossível, mas, sim, essa atividade existe e é chamada de krav magá. Nessa matéria, você poderá conferir tudo que está por trás desta importante luta, que vem crescendo no Brasil.
História
Para compreender a história do krav magá, é fundamental conhecer, primeiramente, a de seu criador, Imi Lichtenfeld.
Nascido em 26 de maio de 1910, em Budapeste, Lichtenfeld sempre foi incentivado pelo pai a lutar. Com apenas 19 anos, acumulou títulos nacionais e internacionais, tanto na luta greco-romana quanto no boxe. O jovem também ajudava o pai nos treinamentos de defesa pessoal da polícia secreta de Bratislava (Eslováquia), local onde cresceu. Nesse tempo, ele teve a oportunidade de adquirir conhecimentos sobre anatomia, já que o seu tio, formado em medicina, possuía diversos livros sobre.
Nos anos 30, seu foco foi direcionado à luta greco-romana, tornando-se atleta e instrutor, além de conquistar títulos importantes. Porém, sua carreira teve de ser parada com a ascensão do regime nazista sobre a Eslováquia, o que o motivou a liderar um grupo de resistência e a participar de diversos confrontos contrários aos alemães. Esse período foi crucial para que Imi, sem se dar conta, passasse a desenvolver os primeiros esboços do que seria, posteriormente, o krav magá.
Em 1940, ele conseguiu fugir das garras dos nazistas, embarcando em uma balsa. Nela ocorreu uma explosão no tanque de pressão e, por conta disso, o lutador foi capturado e levado à Alexandria, em estado grave, após quatro dias ajudando a tripulação. Uma vez recuperado, serviu o exército tcheco (aliado do Reino Unido) e lutou em diversos países do Oriente Médio. Após dar baixa, foi para Israel e passou a ser parte das Forças de Defesa do país (Tzahal), como instrutor chefe de preparo físico e de krav magá. Nascia, ali, a única luta de defesa pessoal do mundo.
Ao longo dos 20 anos seguintes, seus ensinamentos foram aprimorados tecnicamente. Ao final deste período, Lichtenfeld adaptou as técnicas para que elas fossem repassadas aos civis. Nas cidades de Tel Aviv e Natanya, abriu centros de treinamento e selecionou os responsáveis pelo futuro da luta, criando a Associação de Krav Magá, em Israel, no ano de 1978.
Até o fim de sua vida, teve papel chave na segurança do país, além de treinar os faixas pretas mais graduados. O criador da única arte de defesa pessoal faleceu em 1998. Mas o seu legado continuou.
A luta começou a se espalhar na Europa e nos Estados Unidos, graças à aprovação de sua saída das fronteiras israelenses. No Brasil e em parte da América Latina, ela chegou através do Mestre Kobi Lichtenstein. Nascido em Israel, Kobi pratica o krav magá desde os três anos de idade e revelou-se um prodígio, tanto que, com apenas 15 anos, passou a dar aulas. Na década de 90, ele fincou as suas raízes no Brasil, mais especificamente, no Rio de Janeiro, onde fundou a Associação Brasileira de Krav Magá. Foi o primeiro faixa preta a sair de Israel com a missão de divulgar e difundir essa arte.
O Grão Mestre relembra o processo de adaptação como um desafio: “As características culturais do Brasil e de Israel são muito diferentes. O tipo de violência também é. A adaptação foi difícil no início, mas a efetividade da técnica, no que diz respeito em tornar as pessoas mais confiantes e atentas, permitiu que nos estabelecêssemos e, hoje, estamos em 19 estados com treinamentos para civis e militares.”
Golpes e instrumentos
A sua técnica envolve, basicamente, impedir o ataque e aplicar o máximo de força no contra-ataque através da racionalização dos movimentos. No site da federação sul-americana, a explicação se dá de forma matemática e física, mas, mesmo para aqueles que são de humanas, é possível compreender.
O golpe, nesta luta, sai com o seu máximo de velocidade – como se fosse uma mola esperando ser liberada – o que é chamado de força de explosão e deve atingir os pontos fracos do corpo humano (vide olhos, garganta, nariz ou virilha). Assim, os adversários garantem um nível de equidade entre si.
Além disso, os movimentos são simples, rápidos e curtos, garantindo que o confronto termine o mais rápido possível. Para que o objetivo da luta seja realizado, é fundamental que o praticante desenvolva o autocontrole. Por meio dele, é possível agir com a racionalidade demandada. Ao longo dos treinos, os seis sentidos são trabalhados para que o aluno consiga aplicar o melhor golpe, no momento certo e ciente do que o seu adversário tem em mente.
Nos treinamentos, os alunos fazem um aquecimento, que envolve abdominais, flexões e alongamentos. Depois, situações do dia a dia são exploradas, para que eles possam aprender a se defender de forma correta. É importante destacar que a luta não é considerada um esporte, apesar de todos esses exercícios.
Lichtenstein complementa: “O krav magá é uma possibilidade de você se manter vivo, se nada mais der certo. Você é preparado para compreender a situação de risco em que se encontra e para sair dela o mais rápido possível, neutralizando seu agressor ou agressores. Para tanto, não há regras – pode-se usar o que tem à mão ou seu próprio corpo, a partir de técnicas (que isso fique claro, com um treinamento especializado para tal) que vão eliminar o risco.”
Os instrumentos utilizados no krav magá são justamente aqueles que são, muitas vezes, usados em situações de violência, como o bastão, a faca e a arma de fogo. Além destes, há treinamentos para resgate de reféns. No caso do primeiro, ele começou a ser utilizado na luta desde a sua criação, basicamente, pois era um instrumento de defesa no estado de Israel, onde a posse de arma de fogo era proibida.
No entanto, nos treinamentos não há necessariamente o uso deles, mas o uniforme é um item obrigatório, como explica Kobi: “No treinamento de civis, há um uniforme padrão de treino. No treinamento de militares, há o uso de uniformes e utensílios que cada corporação usa em seu cotidiano, para que as pessoas consigam atuar mesmo carregando seus equipamentos, que, muitas vezes, pesam mais de 30 quilos.”
A filosofia do krav magá
Literalmente uma arte, o krav magá tem como um dos seus alicerces a superação. A partir da luta, o aluno entende que o seu único adversário é si mesmo e que trabalhar a autoconfiança é peça-chave para um bom desempenho. Com base nisso, a sensação de segurança aumenta, assim como a pessoa passa a sentir-se mais calma, como relata Fernando Padovan, psicólogo, que também é monitor em uma das academias da luta, em São Paulo.
“[O krav magá] faz com que a gente sinta-se mais seguro em se envolver em alguma intervenção física, se necessário. Por consequência, quando a gente anda na rua, fica muito mais tranquilo… Pensando menos em situações de combate. Porque você começa a perceber, realmente, quais seriam as verdadeiras situações em que isso seria necessário. Então, me tornei uma pessoa mais confiante e mais pacífica ainda.”
Dentro dessa filosofia também há a preparação espiritual, baseada nos princípios de vida da luta: a coragem, o equilíbrio emocional, o respeito e a paciência. Durante o treinamento, o aluno, aos poucos, vai desenvolvendo e aprimorando cada um deles para reagir de forma correta.
Graduações e avaliações
O funcionamento das graduações varia de acordo com o curso. No caso do que é destinado para civis, conforme a elevação da dificuldade, há a mudança da cor da faixa.
Já o que é ensinado a instituições de segurança não segue este mesmo funcionamento, como explica mestre Kobi: “Os módulos de treinamento são formados por um conjunto selecionado de simulações de situações reais, típicas de cada unidade, considerando equipamento, risco e agressividade apresentados no dia a dia da unidade, ensinando técnicas objetivas e de simples execução. Dessa forma são preparadas as melhores unidades de segurança no mundo; como IDF, FBI, CIA, GIGN (…).” No Brasil, o Grão Mestre deu aulas para o BOPE, o Exército e a segurança da presidência.
A faixa vermelha 10º dan seria do sucessor de Imi Lichtenfeld, porém ele não nomeou ninguém.
No krav magá, o ensino para civis é dividido em duas fases: da branca até a azul (aprendizado de defesa pessoal) e da azul até a preta (aprendizado de técnicas de combate militar, combate corpo a corpo e exercícios mais complexos). Cabe destacar que a branca é para iniciantes. Nela, o aluno lida com agressões e aprende a usar, corretamente, o pé e o punho.
Para entender melhor o passo a passo, vejamos o que é ensinado em cada graduação:
- Faixa amarela: com no mínimo um ano de aprendizado, o aluno passa a aprender os movimentos de soltura e de ataque em média e curta distância. Inicialmente, ele desenvolve a técnica de forma lenta, depois, deve acelerar o movimento ao máximo que puder.
- Faixa laranja: nesta nova fase, o aluno passará a se defender, primeiramente, de golpes de curta distância, o que demanda movimentos ainda mais rápidos. Em seguida, conhecerá os movimentos para diferentes direções e ações para agressões de longa distância. Na reta final, inicia-se o contato corpo a corpo.
- Faixa verde: é o momento de aprimorar tudo que foi aprendido anteriormente. Diante de adversários que conseguem se defender com maior rapidez e objetividade, o aluno precisa tornar seus golpes cada vez mais eficientes, demandando maior preparo físico e maior velocidade.
- Faixa azul: aqui há o primeiro contato com a defesa de armas brancas e de fogo. Exige-se do praticante, mais uma vez, a velocidade, além da força de explosão e da coordenação motora. A finalização dessa etapa se dá no combate corpo a corpo, com ou sem ajuda de objetos ou armas.
- Faixa marrom: o bicho, literalmente, pega. O aluno de faixa marrom deverá enfrentar entre dois ou mais atacantes, adquirindo conhecimento básico de defesa militar em combate corpo a corpo.
“A graduação foi desenvolvida para que os alunos percebam a sua evolução em treinamento. Ele precisa aprender a bater da forma certa ou a cair sem se machucar antes de fazer um contra-ataque. Tudo isso é um processo de aprendizado, tanto mental, quanto físico”, explica o Grão Mestre. Ele esclarece que nessa luta não há improviso, mas o treinamento do corpo e da mente, “há um reconhecimento da situação e uma escolha sobre o procedimento a ser adotado.”
As avaliações, para mudar de cor de faixa, são realizadas pelo próprio Kobi Lichtenstein. “Eu aplico, pessoalmente, os exames de graduação de cada um dos alunos, dentro e fora do Brasil. Eles passam por exame físico e técnico para passar de graduação.”
Regulamentação e processos de formação
Contrariando as demais, a luta não possui regras nem competições. No entanto, isso não impede que tenha um órgão responsável pelo treinamento, preparo e reciclagem de seus instrutores. No caso da América Latina, a arte de defesa pessoal é regulamentada pela Federação Sul-Americana de Krav Magá, que visa garantir a continuidade de sua técnica e filosofia. Ademais, a entidade é a única no país a difundir, formar instrutores e ensinar a luta.
De acordo com a assessoria da federação, Kobi Lichtenstein é responsável por acompanhar todo esse trabalho. “Ele supervisiona pessoalmente a prática e a divulgação do krav magá no Brasil, na Argentina e no México, mantendo o alto nível ético e técnico dos instrutores e alunos, seguindo os passos ditados por Imi.”
No que tange à formação de instrutores, a instituição dispõe de cuidados e atenção, pois, além de questões relacionadas ao exercício em si, há a formação do caráter do profissional. O processo foi criado por Lichtenfeld e até hoje é utilizado em Israel.
Há também o curso para monitores. Este é o primeiro passo para quem pretende dar aulas da luta, demanda cinco dias dias e fornece aulas de filosofia do krav magá, fisiologia, primeiros socorros, anatomia e capacitação física.
Ao ser aprovado no curso de monitoria, o aluno deve realizar um ano de estágio, assim, ele torna-se capacitado para passar pelo curso de instrutor. O monitor, então, fica quatro anos em treino e é avaliado por seu instrutor. Ao receber o aval deste, ele é então indicado para o processo de seleção do curso, que envolve: o parecer do próprio instrutor, a avaliação psicotécnica e os testes físico e técnico. Uma vez admitido, o futuro instrutor deve cursar matérias complementares, vide marketing, primeiros socorros, fisiologia, nutrição, filosofia das artes marciais e anatomia.
Em seguida, ele aprende toda a técnica, filosofia e prática dessa arte de defesa pessoal. O curso é finalizado com uma prova, em que o aluno deve ter aproveitamento superior a 75%, e a apresentação de uma monografia. Uma vez concluído, o instrutor é acompanhado pela federação para que faça cursos de reciclagem regularmente, cruciais para manter a sua licença.
A luta na visão de quem pratica
Fernando foi ter o seu primeiro contato com a luta apenas em 2011. No entanto, quatro anos antes, o monitor já havia pesquisado e se interessado por ela em outro estado, mas a falta de tempo o impediu de ingressar. Aos 40 anos, hoje, ele fala dos diversos benefícios que sentiu com a prática: “Existem muitos benefícios ligados à prática de uma atividade física, como manter o peso baixo, manter a vitalidade, manter o preparo físico e as condições cardiorrespiratórias, mas também há a questão da confiança, andar na rua com mais tranquilidade e ter menos medo nos lugares.”
Porém, nem tudo é tão fácil quanto parece. Para ele, a flexibilidade é uma de suas principais dificuldades. Além disso, por ser monitor, Padovan já apanhou (sem querer) de alguns alunos iniciantes: “você está esperando um movimento e vem outro, né? Eles estão errando… (…) Eventualmente, esbarra no nariz, sai um pouco de sangue, esse tipo de coisa”, explica.
Para quem tem interesse, mas apresenta certo receio, o psicólogo afirma: “Eu aconselho a ir… É uma atividade física que começa de uma forma bem moderada, então qualquer pessoa consegue praticar, conforme vai ganhando o preparo físico e aprimorando as exigências de movimentos. Mas tudo de uma forma muito gradual, numa cadência possível para todo mundo.”
Além disso, de acordo com ele, as relações tendem a ser mais cordiais, por não haver competições e pelo fato dos golpes atingirem ponto sensíveis do corpo humano, demandando muito cuidado no ato do treino.
A arte de defesa pessoal nos dias atuais
O krav magá encontra-se em mais de 40 países, está presente em academias e em muitas organizações de segurança. No Brasil, cerca de 30% dos praticantes são do sexo feminino. Para elas, diante dos elevados índices de violência, saber se defender é fundamental para sair com mais tranquilidade, sem receio de abordagens violentas.
A luta, nos últimos anos, viu sua demanda crescer de forma significativa no país, entretanto, Kobi ressalta: “Esse crescimento não foi somente do trabalho da federação, mas muita gente entrou nesse mercado oferecendo técnicas de krav magá que não são krav magá. Isso é um risco.” A federação ainda pretende expandir, mas com o devido planejamento, para manter os padrões de qualidade necessários, além da supervisão.
Para aquelas cidades que não têm um instrutor, há esperanças! A entidade oferece cursos regulares, desde que exista um representante, o qual será responsável por organizar o local e os grupos para a realização da aula.
Somente uma correção: A Federação Sul Americana ão é ÚNICA RESPONSAVEL nem a “fiscalizadora” do Krav Magá no Brasil. Apenas uma delas. Existem várias organizações de Krav Magá serias no país desenvolvendo seu trabalho sem nenhuma ligação com federação sul americana. Alias a Federação Sul americana tentou em tempos idos registar o nome krav maga como marca, mas tal registro refere-se somente no que se refere a “area estética”. Ou seja, eles não detem o nome do Krav Magá como arte de combate.
Ótimas informações sobre está técnica de defesa . Gostaria muito de ser praticante