“Lamento
Caiu no sofrimento
E foi morar na casa da saudade
E dessa abstinência que invade
Sinto falta de ser meu.”
A música de Caio Prado, tocada ao final de Lamento (2021), traduz a vivência de um protagonista desestabilizado. Produzido pela Oger Sepol e distribuído pela Moro Filmes, o longa de estreia dos diretores Diego Lopes e Claudio Bitencourt conta com uma premissa interessante. Elder (Marco Ricca) é um empreendedor fracassado que luta contra seus demônios internos. Seu hotel está à beira da falência e seu casamento está em ruínas. Sem qualquer perspectiva de melhora, Elder precisa enfrentar as consequências dos seus atos impulsivos para tentar salvar o que ainda lhe resta.
O conceito da ação e reação é a base principal da história de Elder. O seu desejo é salvar o hotel a todo custo, mas ao mesmo tempo esse preço parece pequeno para ele. O protagonista é acomodado, não tem controle sobre a própria vida e, assim, não consegue ter controle sobre o seu entorno para mudar a sua realidade. O personagem de Ricca também faz julgamentos sobre os outros e acha culpados para o seu fracasso, e é notável como o errado no outro é a falha que ele tem dentro dele, sendo igual a quem julga. Não são os hóspedes ou o advogado (Otavio Linhares) que levam Elder ao buraco, e sim ele mesmo, com os seus vícios, o seu egoísmo e a sua falta de percepção sobre si. Esse é um conceito relevante para se discutir sobre as armadilhas da mente humana e até onde ela pode fazer alguém chegar.
Desde o princípio, o espectador entra em um dilema de sentir as angústias de Elder ao mesmo tempo que não consegue compreender a fundo o que se passa em sua mente. É nítido o quão insatisfeito ele está com os rumos que a sua vida está tomando, mas como um personagem recluso e reservado, ele não transparece claramente o que pensa em algumas situações. Assim, uma possível empatia por ele é quebrada, e Elder, como os outros personagens de Lamento, que não são bem desenvolvidos, perde a chance de gerar afeto em quem o assiste.
Esse rompimento afetivo com o personagem é também influenciado pela falta de uma completa linearidade do filme. Em um grau de semelhança com o suspense de Hitchcock, o longa Lamento corta alguns eventos do campo visual do espectador, o que deixa a história com peças faltando. É a partir daí que se passa a desconfiar do protagonista.
Por meio dos jogos de luz e sombra, dos tons frios dos corredores do Hotel Orleans captados pela câmera torta e das músicas martelantes, as cenas conseguem transparecer bem a realidade caótica do protagonista. O hotel de Elder passa a sensação de ser um hotel pacato e até mesmo perigoso, no estilo Cena do Crime – Mistério e Morte no Hotel Cecil. O ambiente é soturno e as características da fotografia e da trilha sonora juntas causam um sentimento de claustrofobia e desespero. Em algumas partes você suplica para que as cenas avancem e esses sentimentos cessem, o que não exprime um ponto essencialmente ruim do longa, e sim um acerto da equipe ao passar as sensações corretas de acordo com as emoções do protagonista e com o suspense que segue os acontecimentos.
Mas o enredo intrigante e as questões técnicas não conseguem sustentar o filme por completo. Lamento de fato começa interessante, misterioso e te conduz a se questionar sobre o que vai acontecer. O problema é que, em um certo ponto, ele se torna chato e repetitivo, deixando de atrair a atenção de quem assiste. No meio do longa, as questões que antes pareciam vitais cansam o espectador e a película parece caminhar mais lentamente. É duro engolir a segunda metade da obra com tantas enrolações.
Além disso, como antes mencionado, nenhum personagem de Lamento consegue cativar o espectador de alguma forma, sendo quase impossível torcer para algum lado da história. Rosa (Veronica Rodrigues), esposa de Elder, tem certa importância na trama, mas quase não aparece e é tomada por uma atuação um pouco preguiçosa da atriz. Já o Luciano conta com uma atuação por vezes forçada, o que torna algumas cenas do longa difíceis de serem levadas a sério. A moça misteriosa interpretada por Thaila Ayala tem o seu potencial desperdiçado, fora outros personagens que não apresentam relevância para a trama e poderiam ser facilmente descartados.
Lamento é um bom filme para entender como a mente pode ser perturbadora e as maldades que as pessoas possuem no fundo de si. Porém, é custoso assistir, não é marcante e pode rapidamente cair no esquecimento do público.
O longa Lamento estreia no dia 26 de agosto nos cinemas brasileiros. Confira o trailer:
Achei perfeita a crítica da Ana Paula. Ela escreve indiscutivelmente bem !!!!