O passe saiu errado e o jogador cai no chão segurando a perna. As imagens no replay mostram todos os ângulos possíveis e parece que lesionou mesmo. A partida de futebol é interrompida momentaneamente para que os paramédicos possam tirá-lo de campo. O jogador ainda segura a perna parece sentir muita dor. Ele provavelmente vai passar algum tempo longe dos gramados.
Essa é uma cena relativamente comum para quem assiste jogos de futebol com frequência. Afinal de contas, quem pratica esportes (em especial os competitivos) pode acabar se machucando. Mas quais são as principais lesões específicas para os jogadores de futebol? Como elas ocorrem e como prevenir ou tratar? O médico Filipe Cortez Duarte Barbosa, especialista em medicina esportiva e médico da seleção do Esporte Clube Água Santa, em Diadema, esclarece essas dúvidas.
“As principais lesões no futebol acabam sendo de membros inferiores, principalmente as articulações do tornozelo e joelho e os músculos posteriores da coxa”, conta doutor Filipe. Obviamente, cada uma delas tem suas especificidades, mas essas lesões acontecem independentemente de ser um jogador profissional ou um jogador amador. Os danos são os mesmos, mas os motivos que levam a eles são diferentes. “O atleta profissional acaba lesionando mais por causa do excesso de carga e o amador, por uma falta de preparação.”
Principais tipos
De todas as lesões, a mais comum é a muscular. “Ocorre mais por sobrecarga, quando o jogador usa excessivamente a musculatura sem dar um descanso adequado. É geralmente o desequilíbrio entre carga de treino e o repouso”.
Dentre as lesões musculares, a mais comum é a da musculatura da parte posterior da coxa. Ela ocorre por arrancada, isto é, uma aceleração brusca em um músculo que já estava sobrecarregado antes. Na maior parte dos casos é apenas uma distensão, sem romper as fibras. Em casos raríssimos, pode ocorrer a ruptura dos músculos, sendo necessária uma cirurgia para corrigir.
Outro tipo de dano comum é a entorse de tornozelo, o famoso tornozelo torcido. “Geralmente é por uma pisada errada. Os jogadores pisam em inversão, que é pisar com o pé dobrando para fora”. Apesar de dolorida, não costuma ser uma lesão de difícil tratamento. Doutor Filipe conta que nesse tipo de contusão, pode haver o rompimento do ligamento talofibular anterior (que fica no dorso do pé, próximo ao tornozelo do lado voltado para fora), mas que não é necessária a cirurgia, apenas imobilizar e afastar o jogador por algumas semanas.
O terceiro tipo usual de lesão são as que afetam o joelho, que no geral ocorrem quando se rompe algum ligamento. O ligamento mais comum (e talvez o mais famoso) de se romper é o ligamento cruzado anterior, ou LCA. “O mecanismo de trauma são as mudanças de direção. Os atletas mudam de direção abruptamente e torcem o joelho para dentro”. Há outras formas de ocorrer o rompimento de ligamentos, como saltar e aterrissar em um pé só ou em um forte impacto durante o jogo.
Por fim, difícil não falar dos traumas. Eles ocorrem quando dois (ou mais) jogadores colidem. Pode ser apenas com o pé durante uma disputa de bola ou um impacto com velocidade. Como o que vai acontecer em um jogo é imprevisível antes da partida, não há como estimar ou prever se haverá colisões. Doutor Filipe faz o adendo de que a ocorrência ou não do trauma depende da agressividade dos jogadores na partida. Nesse caso, os atletas amadores levam uma vantagem por jogarem de modo menos violento. “Por exemplo, em uma bola dividida, um atleta profissional talvez se exponha mais a um possível trauma do que um atleta amador, que vê que é uma jogada perigosa e talvez não entre com o pé”.
Machucou. E agora?
O tratamento obviamente depende do tipo da lesão. No entanto, de um modo geral, o ideal é um tratamento conservador, ou seja, um tratamento com pouca intervenção (em especial, a ausência da intervenção cirúrgica). Sempre que possível, essa será a terapêutica escolhida.
Para as mais comum, as musculares, o tratamento é de fato conservador. Doutor Filipe já havia dito que essas surgem do desequilíbrio entre o treino e o descanso, portanto, a abordagem imediata é um afastamento de alguns dias a algumas semanas para que o atleta possa descansar. Especificamente para as lesões musculares, há o uso da chamada ‘carga ótima’: “Se você der uma carga para essa musculatura, não deixar totalmente em repouso, ela tende a cicatrizar mais rápido”. É muito raro ser necessário uma cirurgia.
As lesões de tornozelo são outras em que a terapêutica é conservadora. Não é necessário cirurgia, apenas imobilização e fisioterapia. Mesmo no caso do rompimento do ligamento talofibular, o tratamento recomendado ainda é afastar o jogador para que ele repouse e dê tempo para que esse ligamento cicatrize sozinho.
O joelho é o lugar mais complexo e grave, pois na maioria dos casos requer cirurgia. Além do LCA não cicatrizar sozinho, mais de um ligamento pode ter se rompido (caso que também requer cirurgia). “O tempo de retorno depois de uma lesão dessas acaba sendo de seis meses a um ano”.
Nos casos das lesões traumáticas, o tratamento depende ainda mais do tipo da lesão. Feridas, por exemplo, precisam ser limpas; já os hematomas, demandam compressa fria; e ossos quebrados, em geral, necessitam ser imobilizados.
Como evitar que elas ocorram?
O ideal para prevenir lesões musculares é balancear o treinamento e o repouso. “A gente, departamentos médicos e de fisioterapia, tenta trazer essa consciência que precisa existir um equilíbrio entre carga e recuperação. Quando isso não é respeitado, o índice de lesões começa a aumentar muito”, completa doutor Filipe.
As lesões de tornozelo, na maior parte do tempo, dependem da pisada do jogador. Então, a prevenção se baseia em buscar formas de auxiliar o jogador a ‘pisar direito’. “Se o atleta tem uma incidência muito alta de lesões de tornozelo, a gente recomenda fisioterapia. Tenta trabalhar a propriocepção e o equilíbrio”. Propriocepção é o termo técnico para consciência corporal, que está relacionada à posição dos músculos e do esqueleto. Esse trabalho é essencial tanto para alinhar a postura, como para corrigir a pisada.
Mas talvez a prevenção dos traumas no campo seja o mais importante. “Uma coisa que poderia prevenir essas situações são campanhas que estimulem o fair play, para tornar os jogos menos violentos”. Apesar de ser de difícil aplicação, é necessário para minimizar o risco de lesões.