Inspirado no modelo em que o grande documentarista brasileiro Eduardo Coutinho baseava seus filmes, característicos pela sensibilidade dos temas e pela naturalidade na qual os entrevistados eram apresentados, Libelu – Abaixo a Ditadura (2020) é uma retomada da luta estudantil universitária contra a Ditadura Militar. O longa, vencedor do prêmio de melhor documentário nacional no 25º Festival É Tudo Verdade, narra a ascensão do grupo trotskista Liberdade e Luta (mais conhecido como Libelu) criado nos anos 1970 para lutar contra a ditadura brasileira. Assim, ele serve, além de muitas coisas, como um lembrete para que o que vivemos anteriormente não se repita.
A estrutura fílmica é simples: um misto de cenas de arquivo e entrevistas filmadas em um único cenário, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Porém, evitando ao máximo cair em fórmulas de cenas repetitivas, a montagem constrói a narrativa de maneira intrigante. O montador André Felipe sabe quando inserir os momentos chaves do período histórico narrado para suscitar emoções em quem assiste, ao mesmo tempo em que mescla o som das vozes dos entrevistados com as cenas de arquivo, o que garante força para que a narrativa não caia na mesmice.
O palco para as entrevistas é uma escolha certeira. Lá, dezenas de ex-integrantes da Libelu dão seus depoimentos. Para além da óbvia escolha de ser a universidade onde o grupo se reunia e lutava, é um local que confere nostalgia aos ex-Libelus. Entre eles, há nomes como o cientista político Demétrio Magnoli e o jornalista Reinaldo Azevedo.
E é nesse contexto que o modelo Coutinho se mostra claro. Assim como nos filmes do famoso documentarista, o diretor estreante Diógenes Muniz e toda sua equipe são constantemente filmados por trás da câmera das entrevistas. Além disso, há a presença de cenas em que o entrevistado não concorda com eles ou até não deseja falar algo. É uma naturalização do processo de se fazer um documentário, que não tenta esconder que as pessoas estão sendo filmadas, logo, por estarem de frente para uma câmera, agem de acordo com tal situação.
São poucos os momentos em que as falas se alongam muito. Além das estratégias já citadas para tentar evitar uma monotonia, também é marcante a presença de uma trilha sonora que se adequa ao clima de cada momento apresentado e uma grande variedade de ex-Libelus, com seus mais variados caminhos tomados desde a época em que eram ativos no grupo.
O longa traz elementos comuns de uma estrutura dramática para dar motor à narrativa, como um clímax e uma espécie de anticlímax mais perto do fim. Algumas imagens de arquivo surpreendem pelo impacto das cenas que conseguem registrar, como passeatas ou momentos chave da luta estudantil contra a ditadura. Autocríticas também são feitas pelos próprios entrevistados sobre o que eles podiam ter feito de diferente, como a falta de representatividade de certas minorias no grupo estudantil.
A sensibilidade de mostrar o que as pessoas se tornaram depois de tantos anos é uma das maiores forças do documentário. Há pessoas que deixaram de seguir o trotskismo e o vanguardismo fielmente, que passaram a ter o criticado estilo de vida do burguês médio ou até que deixaram de acreditar na esquerda. O mais marcante deles, com certeza, é o ex-Libelu Antônio Palocci, ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil, que se encontra atualmente preso em regime aberto por corrupção e lavagem de dinheiro.
Cada um deles tem sua visão sobre o mundo, mas, para alguns, fica claro que se veem como uma geração que podia ter feito mais. É a representação do que dizem Belchior e Elis Regina: “Minha dor é perceber que, apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”.
O documentário Libelu – Abaixo a Ditadura estreia hoje nos cinemas. Confira o trailer: