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Ai, tem um bicho em cima de mim!

O medo tão intenso de animais como aranhas e baratas pode parecer inexplicável, mas a ciência traça a origem desse sentimento

Uma simples barata pode causar tumulto em uma casa inteira a depender da família em que ela aparece. A confusão pode parecer estranha quando pensamos que se trata de um inseto tão pequeno e que não apresenta riscos diretos aos seres humanos, mas não é apenas frescura das pessoas. Sentir medo de insetos e aracnídeos é importante para a sobrevivência e existem múltiplas causas para ele. Hereditariedade, mecanismo de defesa, cultura e deslocamento no subconsciente são apenas algumas das razões que fazem as pessoas se arrepiarem ao verem uma barata, uma aranha ou até mesmo uma borboleta.

Uma herança dos nossos ancestrais

A hereditariedade é um dos mecanismos que molda as características dos seres vivos e também influencia no medo que apresentamos. Bebês de seis meses podem apresentar pavor de determinados animais, mesmo sem nunca os terem visto antes. Essa foi a conclusão de um estudo publicado na revista científica Frontiers in Psychology

A parte superior da imagem mostra 4 espécies de flores e na parte de baixo, há quatro tipos de aranhas.
Para resultados mais precisos, as imagens mostradas para os bebês no experimento traziam semelhanças nas cores. [Imagem: Reprodução/Hoehl, Hellmer, Johansson e Gredebäck – Frontiers in Psychology]

O experimento consistia em mostrar aos bebês imagens de aranhas, flores, cobras e peixes. Com condições ambientais semelhantes, eles tiveram aumento da dilatação das pupilas ao verem imagens de aranhas e cobras, o que não ocorreu com as de flores e peixes. Os autores do estudo concluíram, então, que crianças pequenas respondem a estímulos que representam uma ameaça ancestral aos humanos. Adultos também respondem a esses estímulos, mas era difícil determinar se a causa era realmente a herança genética. 

[Imagem: Reprodução/Instagram]

A reação dos bebês condiz com o perigo que alguns animais pequenos representavam aos nossos ancestrais. Há cerca de 250 mil anos, ser picado por alguns seres, como escorpiões, significava perder a vida. Segundo o mestre biólogo Fábio Túlio Pacelhe, formado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), identificar de forma rápida esses animais era uma forma de garantir a sobrevivência, o que foi passado de geração em geração. “Se você entra numa sala e tem uma aranha, você consegue bater o olho nela muito rápido e identificar que aquilo é uma aranha. Automaticamente você já cria um estado de alerta justamente para evitar o risco”, diz o biólogo.

O medo, assim, pode ser explicado evolutivamente. “É natural as pessoas terem medo daqueles animais que podem causar algum tipo de mal, como aranhas, escorpiões, abelhas, vespas, formigas e lagartas. Afinal, evitar esses animais significava, pelo menos para os nossos ancestrais, continuar vivo”, afirma Fábio.

O caso da barata

 Tirinha da Turma da Mônica. Na esquerda vemos o cascão dizendo: "Calma, Mônica! Eu só achei que essa era a melhor maneira de tirar a barata que tá aí nas suas costas", e a Mônica com expressão assustada diz: " Barata?!". No segundo quadrinho o Cascão ri da amiga, enquanto ela se mexe para assustar a barata do corpo dizendo: "AAAAI! Cascão, me ajuda aqui! Me ajuda!"
Comumente retratado como um traço do sexo feminino na mídia, o medo de barata pode ter raízes profundas. [Imagem: Reprodução/Revista do Cebolinha Nº 38 (Ed. Globo, 1990)]

Conhecidas como as únicas que sobreviveriam ao fim do mundo, as baratas são insetos temidos por várias pessoas. Mas, sem apresentar riscos diretos aos seres humanos, o medo exagerado desses seres “não tem muita explicação biológica”, segundo Fábio. O temor excessivo por esses pequenos animais é, na realidade, advindo da cultura. 

[Imagem: Arquivo pessoal/Amilton dos Santos Júnior]

Ao viver em ambientes sujos e insalubres, a barata ganhou uma conotação negativa. E o risco de contaminação realmente existe: o animal pode carregar em seu corpo parasitas e outros seres que causam doenças aos humanos, mas o medo apresentado por muitas pessoas é desproporcional ao perigo que o inseto apresenta. Para o professor doutor pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e psiquiatra Amilton dos Santos Júnior, essa situação pode ter se originado anos atrás, quando o machismo era ainda maior e a inserção da mulher no mercado de trabalho, menor.

“Naquele modelo clássico da mulher dona de casa, do lar, ela tinha que mostrar que a casa estava em ordem e aí aparecia uma barata”. Nessa situação, a mulher era julgada e ficava mal consigo mesma ao não conseguir cumprir o seu papel social, o que podia originar o medo nelas. “Em uma cultura que valoriza muito a limpeza é mais comum [ter o medo de baratas]”, afirma o psiquiatra.

Amilton também chega a duvidar se nos dias atuais somente mulheres têm medo de baratas. “O homem, talvez por ter essa representação social de virilidade, muitas vezes tem medo, mas ele engole em seco e mata a barata para mostrar uma certa questão de masculinidade”.

Esse temor criado pela cultura também pode ser passado de adultos para os filhos: “Quando a gente é criança, vemos nossos pais sempre matando barata e aquilo vai criando um viés de risco que às vezes a criança não entende”, afirma Fábio. O biólogo ainda enfatiza que as baratas vistas nas cidades representam uma pequena parcela da população delas e, a maior parte, na verdade, não apresenta risco algum aos humanos.

O caso da borboleta 

Imagem de uma mulher vestindo uma blusa bege com ilustrações de borboletas.
As borboletas comumente são retratadas em roupas, mas não agradam a todos. [Imagem: Divulgação/Shein]

 

Ao contrário da barata, a borboleta não vive em ambientes sujos e muitas pessoas até gostam dela. Mesmo assim, existem humanos que sentem medo desses pequenos insetos. 

Esse sentimento pode ter origem nos mitos populares. “Na minha cidade de origem, o pessoal falava muito que se entrar uma mariposa grande na sua casa, vai morrer alguém próximo da sua família. As pessoas ficavam com medo de mariposa e às vezes, por extensão, até de borboleta”, conta o psiquiatra Amilton. Borboletas e mariposas são de espécies diferentes, mas possuem semelhanças na aparência e são facilmente confundidas.

Experiências traumáticas também originam o medo. Segundo o biólogo Fábio, as borboletas, especialmente as coloridas, não possuem gostos agradáveis. Colocar esses insetos na boca durante a infância pode ser uma experiência que fica marcada na memória e, assim, provocar o medo irracional desses animais no futuro. 

Há ainda o risco direto apresentado por mariposas. Existem espécies delas que podem desencadear reações alérgicas, como as do gênero Hylesia. Esses insetos provocaram um surto de lesões na pele em ao menos 21 cidades pernambucanas em dezembro de 2021, o que causou pavor desses insetos nos habitantes da região. E, às vezes, nem é o animal em si que causa a doença ou a alergia, contudo, de acordo com Amilton, a associação inconsciente do animal com o problema de saúde é capaz de provocar o medo.

Outra associação comum de ser feita é entre a lagarta, a fase larval, e a borboleta em si. “Às vezes, a criança encosta em uma lagarta urticante, o que gera uma lesão na pele dela e pode ser um motivo de gerar trauma, uma vez que ela relaciona a lagarta com a borboleta”, afirma Fábio.

A explicação da psicanálise

Divisora de opinião, o mecanismo de deslocamento da psicanálise é uma forma alternativa de explicar o medo de insetos e aracnídeos que não são perigosos. Com base na teoria, o temor por pequenos animais é originado pela mudança de significado de algum temor escondido no inconsciente. O sentimento advém de vivências cotidianas das pessoas, como a escola, o trabalho, a família e os amigos e, além de ser um mecanismo de defesa, direciona o medo para algo teoricamente menos ameaçador.

Imagem de um esgoto com tampa enferrujada e aspecto de sujo.
Escondida em esgotos, a barata representa aquilo que não queremos ver. [Imagem: Reprodução/Pixabay]

Para exemplificar, Amilton fala sobre a barata. “Ela representa, de uma certa forma, aquilo que fica na escuridão, escondido. Para algumas pessoas que possuem conflitos com determinadas questões muito pesadas, muito densas de vir à tona; esse conflito pode ser deslocado [e direcionado ao medo de baratas]”.

O deslocamento também pode ocorrer de forma mais evidente, como explica o psiquiatra. Quando uma criança sofre bullying ou o professor dá bronca e ela vê uma borboleta voando, de uma forma meio irracional, a criança pode associar o inseto com aquela situação ruim que passou. “Então ela pode desenvolver também uma fobia secundária de borboleta, porque ela desloca. [A criança] não consegue muitas vezes acessar – ou mesmo que acesse é uma lembrança muito pesada – aquele conflito que é mais difícil de lidar ou aquela situação concomitante que ela viveu”, de acordo com o psiquiatra. Nessa situação, a criança pode desenvolver o medo de insetos que naturalmente não são repugnantes ou que não causariam medo. 

Transtornos psicológicos

Embora medo e fobia muitas vezes sejam usados como sinônimos, os termos possuem significados diferentes. “O medo não está necessariamente no campo patológico”, explica Amilton. “O medo até certo ponto protege, porque se as pessoas não têm medo de nada em geral, elas se expõem mais a riscos e podem morrer mais cedo do que as outras ou terem mais consequências sérias.”

A fobia, por sua vez, advém do exagero. “Quando o medo é excessivo ou relacionado a situações que não necessariamente o justificam, a gente começa a falar de algo na esfera mais patológica, porque causa sofrimento e a pessoa começa a ficar mais limitada em sua vida”, afirma o psicólogo. Nesses casos, o medo causa implicações funcionais no cotidiano das pessoas e se torna um transtorno. Identificar esse momento é essencial para o bem estar e a melhoria na qualidade de vida. Amilton sugere que as pessoas tentem perceber se o medo está influenciando em suas vidas, se o sofrimento é muito grande e dispara sintomas como falta de ar, crises de ansiedade ou crises de pânico.

Outros quadros psiquiátricos, como transtorno obsessivo compulsivo, esquizofrenia, transtornos delirantes, ansiedade, depressão e paranoias também podem causar o medo excessivo de animais pequenos. “A pessoa pode dar uma interpretação delirante à aranha, como se fosse o demônio ou um mensageiro, um representante”, afirma Amilton. Para ele, é comum haver associação entre transtornos mentais e um pode se tornar um fator de risco a outros.

Ilustração de uma aranha, no lugar da "cabeça" há o desenho de uma caveira.
Os animais podem ganhar significados diferentes na mente das pessoas. [Imagem: Reprodução/Freepik]

O tratamento

As fobias possuem muitas vezes nomes específicos: a fobia de insetos é chamada de entomofobia; de aranhas, aracnofobia; de borboletas, motemobia; e a de baratas, catsaridafobia. O tratamento para cada uma delas varia conforme a causa e as implicações na vida das pessoas. Ele pode ocorrer por métodos médicos ou alternativos.

Para aqueles que possuem muito medo de algum inseto ou aracnídeo, uma das soluções é evitar lugares onde naturalmente esses animais estão presentes. Caso não seja possível, Amilton explica que não existe um medicamento específico para fazer o medo passar. Mas há terapias e outros métodos que podem ser usados. De acordo com o psiquiatra, uma das mais comuns no caso de entomofobia é a terapia de exposição em ambientes controlados. Nesse método, a pessoa é exposta aos poucos aos animais que têm medo e os profissionais tentam entender a origem dessas angústias.

Nem sempre, contudo, é possível entender a origem do medo, então é necessário pensar em métodos alternativos. A terapia cognitivo-comportamental, a hipnoterapia, o uso de realidade virtual e a terapia conhecida como dessensibilização e reprocessamento dos movimentos oculares são outros métodos usados por profissionais para o tratamento.

Fábio também aponta o conhecimento como uma das formas de diminuir o medo. “Ao meu ver, o desconhecimento sobre a biologia e a ecologia desses animais (insetos e aracnídeos), certamente é o grande vilão e o gatilho para qualquer tipo de sentimento ruim que essa pessoa pode sentir em algum encontro com eles.”

Para que mais pessoas saibam sobre os insetos, o biólogo começou a oferecer um curso online que ensina amplos aspectos desses animais. Com as aulas, Fábio conta que vários alunos começaram a enxergar os insetos como menos prejudiciais e mais como naturais e essenciais ao mundo. “O conhecimento contribui muito para você reduzir o medo desses animais e também ajuda você a se precaver em caso de acidentes, porque é muito comum acontecer.”

A importância dos insetos e dos aracnídeos

Imagem de uma cadeia alimentar que envolve insetos. É possível ver, por exemplo, que uma das presas do sapo é a lagarta.
Os insetos fazem parte de diversas cadeias alimentares na natureza. [Imagem: Reprodução/CEFET e COLTEC]

Embora muitos dos insetos sejam aterrorizantes, não se pode negar a importância desses seres na natureza. Polinização de plantas, fornecimento de mel, decomposição e ciclagem de nutrientes são apenas algumas das muitas funções listadas por Fábio. O grupo formado por esses animais é amplo e somente uma pequena parte é prejudicial aos humanos, por transmitirem doenças ou serem pragas, segundo o biólogo.  

“As pessoas precisam dos insetos para sobreviverem, mas eles não precisam de nós”

Fábio Túlio Pacelhe

As baratas, classificadas como insetos, não são apenas assustadoras e nojentas. No ecossistema natural, onde a maior parte das espécies vivem, elas realizam a limpeza dos ambientes, ao comerem folhas, mudas, fungos e madeira. Além dessa função, elas servem de alimento para outros animais, o que é essencial para a manutenção das cadeias alimentares, explica o biólogo.

As borboletas, divisoras de opinião entre a população, também exercem papel fundamental na natureza. Fábio explica que elas possuem funções diferentes de acordo com a fase do ciclo de vida delas. Quando são larvas – as famosas lagartas –, elas são herbívoras e desempenham, assim, o controle de crescimento de várias espécies de plantas na natureza. Papel bem diferente do que a borboleta em si exerce. Ao crescerem, a borboleta se alimenta de néctar. Então, ela é polinizadora e colabora para a reprodução de plantas.

Os aracnídeos não exercem as mesmas funções que os insetos. Ao se alimentarem de insetos, eles fazem, principalmente, o controle populacional deles no meio natural.

Resumir os insetos e os aracnídeos a nojentos, assustadores, transmissores de doenças ou pragas é injusto quando pensamos que eles são essenciais na manutenção do ecossistema.

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