Se, no ano passado, no lançamento de Top Gun: Maverick (2022), Tom Cruise foi aplaudido por ter estimulado a volta das pessoas aos cinemas e por valorizar a experiência das telonas, em Missão: Impossível – Acerto de Contas – Parte 1 (Mission: Impossible – Dead Reckoning – Part 1, 2023) o ator e produtor dá um passo além. De visuais exuberantes, a um som envolvente e revolucionário e cenas de ação de encher os olhos, o sétimo filme da franquia foi feito para as salas de cinema.
Com quase três horas de duração, o longa é a primeira de duas partes do ato final da franquia que se estende há quase 30 anos. Nele, o protagonista da série Ethan Hunt (Tom Cruise) embarca em mais uma missão que, desta vez, realmente parece mais impossível – se comparado aos filmes anteriores –, contra um vilão extremamente atual: uma Entidade que funciona a partir de uma Inteligência Artificial que criou consciência e ameaça jogar o mundo em completo caos.
A maior parte da ação se desenrola a partir de uma das técnicas narrativas mais comuns em filmes de ação e aventura: a presença de um MacGuffin. O MacGuffin é um termo cunhado por Alfred Hitchcock nos anos 1930, e se refere a um objeto (dispositivo, chave, tesouro, ou até mesmo pessoa ou sentimento) que faz a trama caminhar. É uma materialização (ou designação) de algo que, no fundo, não é essencial ou realmente poderoso para o desenrolar dos eventos em si, mas em nome do qual as situações se desenrolam. Apesar de ser parte de uma “fórmula” no cinema, e de, neste caso, a chave que dá acesso a algo que pode controlar a Entidade ser um exemplo clássico do dispositivo MacGuffin, a execução do roteiro é convincente para que o espectador ainda se importe com a missão tanto quanto os personagens envolvidos – e, sobretudo, concorde que Hunt é o único que deve ser confiado com a chave, e torça para o herói.
A fórmula narrativa do filme funciona de maneira que mesmo aqueles que não viram capítulos anteriores da franquia não terão sua experiência prejudicada: não é necessário nenhum conhecimento prévio para a compreensão do filme. No entanto, para quem acompanhou as múltiplas missões anteriores, a emoção de reencontrar Hunt e personagens tão queridos quanto ele, recorrentes em vários filmes, como o hacker Luther Stickell (Ving Rhames), e os agentes Benji Dunn (Simon Pegg) e Ilsa Faust (Rebecca Ferguson) é inegável. Além dos amigos, uma poderosa traficante de armas do passado de Ethan, a Viúva Branca, Alanna Mitsopolis (Vanessa Kirby), e o chefe da Força-Tarefa Missão Impossível (IMF) do primeiro filme, Eugene Kittridge (Henry Czerny), também retornam excelentes à franquia.
O elenco já conhecido é acompanhado de novos personagens que dão à trama profundidade, reviravoltas e muitas cenas de ação. Se destacam no filme o implacável Gabriel (Esai Morales), um fantasma do passado de Ethan, e sua psicótica parceira Paris, interpretada pela Pom Klementieff, que está (quase) irreconhecível neste papel diametralmente oposto à empata Mantis, de Guardiões da Galáxia Vol. 2 (Guardians of the Galaxy Vol. 2, 2017) e outros filmes da Marvel.
Além deles, uma aliada improvável entra em cena: a ladra Grace (Hayley Atwell) se envolve na trama de maneira inusitada e se torna uma parceira essencial de Hunt. Boa parte do tom mais leve e divertido que tornam este o filme mais bem-humorado da franquia pode ser creditado ao carisma da atriz e da personagem. Ao contrário do que Ethan está acostumado, e, apesar de talentosa, Grace é uma civil, não uma agente treinada, e lida com muitas das situações exageradas e absurdas de ação como uma pessoa normal lidaria.
Também estão de volta as máscaras que permitem disfarces arrojados – e reviravoltas! –, as mensagens codificadas que se autodestroem em cinco segundos, a icônica e clássica trilha sonora da franquia e as acrobacias insanas performadas por Tom Cruise com a ajuda de pouco ou nenhum efeito digital. Para uma das cenas mais icônicas do filme, presente no trailer, o ator chegou a acelerar uma moto e saltar com ela de um penhasco mais de cinco vezes!
O comprometimento de Cruise com as acrobacias e sequências de ação se somam aos muitos efeitos imersivos do filme e torna as cenas ainda mais emocionantes. O arrepio está em saber que o que se passa na telona foi realmente executado, em um tempo em que muitas das cenas mais impactantes dos blockbusters recentes são quase integralmente digitalmente construídas. O caráter metalinguístico dessa atenção aos efeitos práticos e aos talentos das pessoas envolvidas, em um filme que trata dos perigos da nossa crescente dependência digital no mundo, é brilhante.
Todos esses aspectos já tornam o filme excepcional, mas o destaque da experiência no cinema fica a cargo da combinação do design de som das sequências de ação e da trilha sonora. Seja em uma tempestade de areia, em uma perseguição de motos ou carros, ou em cima de um trem em movimento, os técnicos fizeram o possível e o impossível para imergir completamente o espectador nas cenas. Em uma sala IMAX, o chão chega a vibrar e não tem como não se sentir ao lado de Ethan a todos os momentos.
A trilha, reconhecível no mundo todo com pouquíssimas notas, é sempre usada de maneira magistral, evocando tanto a nostalgia dos filmes anteriores quanto a grandiosidade da franquia. Nos demais momentos, ela é feita para deixar o espectador na ponta da cadeira. Vendo de olhos e ouvidos atentos, o filme garante emoção do começo ao fim.
Se a missão de Tom Cruise era convencer o público de segui-lo novamente aos cinemas com o longa, ele pode considerá-la cumprida. Agora a sua missão, caso você escolha aceitá-la, é de conferir este começo do fim da maneira correta, e ele não merece menos do que ser visto na maior tela possível, com o melhor sistema de som disponível.
O filme já está em cartaz nos cinemas. Confira o trailer:
*Imagem de capa: Divulgação/Paramount Pictures