Imagem: Beatriz Crivelari / Comunicação Visual / Jornalismo Júnior
Falar sobre moda não é falar apenas sobre os itens de desejo do momento e sobre a mais nova bolsa da Chanel. Falar sobre moda é falar sobre personalidade, sobre história, sobre cultura, sobre sociedade, sobre vida.
O jeito como nos vestimos é resultado de diversas implicações políticas, econômicas e sociais; não é algo fútil ou secundário. Apesar de algumas revistas femininas e influenciadores digitais muitas vezes tratarem a moda como sendo um compilado de“#recebidosdomês” e fotos de “#looksdodia”, pode-se afirmar, com certeza, que ela é muito mais do que isso. Segundo a memorável Blair Waldorf, de Gossip Girl: “É a arte mais poderosa que existe. É um movimento, é design e é arquitetura ao mesmo tempo. Ela mostra para o mundo quem nós somos e quem nós gostaríamos de ser” (tradução livre do inglês).
O objetivo desse texto é mostrar como a moda está presente em todas as instâncias de nossa vida, explicar com mais detalhes o que é Alta Costura, como funcionam as semanas de moda e, também, entender a influência dos formadores de opinião.
Maisons francesas, Alta Costura e Paris
Para falar de maisons, é preciso primeiro entender o conceito de Alta Costura (haute couture, em francês). O termo surgiu com o estilista inglês Charles Frederick Worth, falecido no final do século XIX, quando ele fundou a própria casa de alta costura, especializada em vestuário para a alta sociedade. Nesse contexto, a ascensão da burguesia e de seu poder aquisitivo era visto como algo extremamente negativo pela nobreza, que perdia aos poucos a sua posição de elite. Assim, as novas peças, confeccionadas manualmente e expostas em salões luxuosos, surgiram como um modo de diferenciação da aristocracia em relação às outras camadas sociais.
A Alta Costura segue essa tradição até os dias atuais, sendo seriamente restrita à elite econômica, uma vez que os itens de luxo são feitos com tecidos e materiais raros, além de exigirem um longo espaço de tempo para serem produzidos. Desse modo, o mercado da haute couture, muitas vezes, traz mais prejuízos do que lucros, dada a pequena quantidade de consumidores. O que faz com que as marcas permaneçam nesse ramo é o grande prestígio e reconhecimento, além da influência na indústria da moda, em termos mundiais.
Porém, nem todo trabalho de confecção artesanal pode ser chamado de Alta Costura, uma vez que o termo é propriedade do grupo das Maisons, reconhecidas pela Fédération de la Haute Couture et de la Mode. Para ser membro desse grupo tão renomado e privilegiado, é preciso cumprir uma série de exigências, entre elas:
- – Residência obrigatória da marca em Paris
- – Apresentar duas coleções anuais (os desfiles são feitos nos grandes palácios parisienses)
- – Possuir, no mínimo, 75 funcionários
Assim, é possível entender porque os itens de marcas como Chanel, Dior, Balmain e Hermès são tão caros e inacessíveis para a maior parte das pessoas – não pagamos apenas por um item, pagamos por uma ideia, um status. Você pode conferir a lista completa de Maisons no site oficial da FHCM
O prêt-à-porter e a democratização da moda
Contrapondo-se diretamente à Alta Costura, o prêt-à-porter (tradução literal: pronto para vestir) surgiu em 1949, também na França, por intermédio do estilista J.C. Weil.
Nesse contexto, a haute couture se consolidou na manutenção da tradição do luxo, enquanto o novo estilo responsabilizou-se por uma produção em larga escala, com roupas que seguiam tendências do momento, mas eram consideravelmente mais acessíveis. A diferença marcante do prêt-à-porter, no entanto, não foi o grande estoque e a facilidade na fabricação, mas sim o fato de que as peças incorporavam estilo e estética no cotidiano.
Os itens “prontos para vestir” alcançaram sua essência nos anos 60, quando se desvencilharam da Alta Costura e passaram a agregar juventude e novidade às produções. Designers como Mary Quant, criadora da minissaia, começaram a se destacar e assim, lentamente, a AC foi perdendo seu posto de única referência no mundo na moda. As próprias ruas se erguiam como passarelas, onde os jovens podiam ser audaciosos e expressar sua personalidade através de peças acessíveis, mas extremamente marcantes.
Segundo Gilles Lipovestky, filósofo francês e teórica da Modernidade, “a era do prêt-à-porter coincide com a emergência de uma sociedade cada vez mais voltada para o presente euforizada pelo novo e pelo consumo”. Essa revolução na moda, no contexto pós-guerra, foi acompanhada por outras convulsões socioculturais e pela urgência por liberdade, que se expressou na substituição dos vestidos acinturados e dos babados por vestidos “tubinhos” e calças saint-tropez, por exemplo.
Além disso, a pluralidade do prêt-à-porter permitiu a criação de diversas tribos urbanas que tinham como um elemento de identificação o vestuário, geralmente ligado também às preferências musicais. A conexão moda-música abriu espaço para os punks, os hippies, os rockers… enfim, foi essencial para que grupos pudessem se organizar segundo um sentimento de pertencimento. Novamente, percebe-se que a moda não está isenta de implicações sociais e culturais.
Fashion weeks: Nova Iorque, Londres, Milão e Paris
A primeira Fashion Week, na verdade, foi chamada de Press Week (semana da imprensa, em uma tradução literal) e ocorreu em Nova Iorque. Devido à Segunda Guerra Mundial, os profissionais americanos foram proibidos de viajar até Paris para acompanhar os desfiles. Contudo, a publicitária Eleonor Lambert enxergou uma oportunidade nesse descontentamento: os estilistas estadunidenses poderiam expor suas coleções em NY, em um evento que fugisse da hegemonia parisiense – assim foi concebida a primeira Fashion Week.
As semanas de moda ocorrem duas vezes por ano: fevereiro/março e setembro/outubro. Nesses icônicos eventos, os principais estilistas do mundo apresentam suas coleções e, consequentemente, influenciam toda a indústria. As tendências apresentadas muitas vezes vêm de forma não convencional, com peças exuberantes e combinações que não seriam usadas cotidianamente, o que causa estranhamento no público geral. No entanto, essa mistura de estampas, texturas e cores é justamente o que define quais serão os próximos trends, que vão parar nas vitrines pouco tempo depois dos eventos, processo que é explicado mais à frente no tópico Moda: fenômeno onipresente.
Em termos de relevância, NY, Londres, Milão e Paris são as cidades mais importantes, recebendo a nomenclatura de “The Big Four”. Na América Latina, São Paulo é a cidade com a semana de moda mais influente. Apesar de serem parecidas quanto à organização e sazonalidade, cada um desses eventos tem suas particularidades e propostas estéticas. Um exemplo disso é o fato do Conselho de Moda Britânico apoiar financeiramente designers incipientes para que estes apresentem suas coleções em um dos dias da London Fashion Week (LFW).
A seguir, as principais marcas que compõem cada uma das FWs:
New York Fashion Week (NYFW)
- Anna Sui
- Brandon Maxwell
- Calvin Klein
- Diane von Furstenberg
- Kate Spade NY
- Marc Jacobs
- Tom Ford
- Ralph Lauren
London Fashion Week (LFW)
- Burberry
- Christopher Kane
- Lucas Nascimento (estilista brasileiro! Recebe suporte do Conselho de Moda Britânico)
- Marchesa
- Toga
- Sevda London
Milan Fashion Week (MFW)
- Dolce&Gabanna
- Gucci
- Moschino
- Philosphy di Lorenzo
- Prada
- Versace
Paris Fashion Week (PFW)
- Alexander McQueen
- Balmain
- Chanel
- Dior
- Givenchy
- Hermès
- Louis Vuitton
- MiuMiu
- Valentino
- Yves Saint-Laurent
As semanas de moda reúnem a mais alta cúpula da moda mundial: estilistas de alto padrão, jornalistas de moda renomados, modelos conhecidas, fotógrafos célebres e outros profissionais extremamente competentes. Assim, esses eventos são um espaço de encontro importantíssimo para a indústria, onde conceitos e ideias surgem a todo momento, em um ambiente de efervescência cultural e criativa, essencial para a renovação do mercado.
Moda: fenômeno onipresente
O icônico discurso de Miranda Priestly (Meryl Streep) em “O diabo veste Prada” (2006) sintetiza o aspecto onipresente da moda. Mesmo na tentativa de se isentar desse mundo, não se preocupando com tendências e itens do momento, é impossível negar a influência das Maisons e das marcas de luxo dentro de um contexto geral: a simples escolha de um suéter azul (ou melhor, cerúleo) não está à parte do mundo da moda.
Veja a seguir uma explicação ácida, mas pertinente feita pela notável (e, para alguns, megera) Miranda Priestly:
Ao nos depararmos com análises como essas, que conectam a Alta Costura à produção em grande escala, percebemos que a moda não é algo fútil e livre de implicações políticas, econômicas, culturais e sociais. Durante muito tempo, o segmento de vestuário e beleza, geralmente associada ao público feminino, não foi considerado digno de estudo pelos intelectuais. Pensar sobre estilo não era algo comum; por isso, livros como “Moda: uma filosofia”, de Lars Svenden e “O Império do Efêmero”, de Gilles Lipovestky são essenciais para uma compreensão ampla, desmistificada e politizada dessa indústria.
Moda, comunicação e status: as novas formadoras de opinião e a “glamourização”
A comunicação está diretamente atrelada a moda. Podemos perceber isso pelo fato citado anteriormente: a primeira Fashion Week na verdade foi uma Press Week, remetendo diretamente à imprensa. No contexto atual, marcado pela onipresença da internet, as influenciadoras digitais exercem um papel crucial.
Nesse sentido, as novas formadoras de opinião são atuantes por diversos motivos. Um deles é a sua capacidade de trazer a novidade, fato que é extremamente admirado na indústria da moda, onde o “novo” é enaltecido, celebrado, enquanto o “velho” é rapidamente esquecido e depreciado. Lipovetsky, em sua obra “O Império do Efêmero” faz referência a esse fenômeno:
“Enquanto nas eras de costumes reinam o prestígio da antiguidade e a imitação dos ancestrais, nas eras da moda dominam o culto das novidades assim como a imitação dos modelos presentes e estrangeiros. Prefere-se ter semelhanças com os inovadores contemporâneos do que com os antepassados”
Nesse sentido, é válido notar a importância das redes sociais para essa transmissão do novo, em especial, o Instagram. Criado em 2010, o aplicativo voltado para fotografia foi, e ainda é, um grande propulsor para a formação de influenciadores digitais. Através de composições esteticamente agradáveis e possibilidade de interação com os seguidores, a rede foi ganhando espaço dentre as blogueiras (considerando que as mulheres são a maioria no segmento Moda e Beleza), que abandonaram aos poucos os blogs de fato e hoje marcam sua presença por meio do Instagram e do Youtube.
Uma das vantagens da rede é a rapidez com a qual se consegue publicar conteúdo: uma influenciadora na Paris Fashion Week consegue facilmente postar uma foto da roupa usada, um vídeo do desfile ou uma selfie. Desse modo, a instantaneidade do IG (abreviação de Instagram) consegue transmitir o novo e agradar o público leitor-consumidor, contemplando o fenômeno descrito por Lipovetsky.
No entanto, as redes sociais também abriram espaço para impressões erradas, na medida em que promovem uma “glamourização” da vida dos profissionais de moda. Muitas vezes, a rotina das Fashion Weeks, dos ensaios fotográficos e das roupas de marca é tida como algo simples, fácil e recheado de luxo. É impossível negar que há um certo glamour presente na indústria, em especial nos grandes centros, como as cidades do “The Big Four”. Contudo, nem tudo são flores e champagne.
Ter uma profissão no meio da moda é, ainda assim, um trabalho. Portanto, exige extrema dedicação e comprometimento. Por esse motivo, a necessidade de status não é suficiente para alguém que queira trabalhar na indústria. É preciso lidar com os ossos do ofício: pouco tempo de descanso, ritmo frenético de viagens, preocupação com a imagem, atenção para as novas tendências e, em meio a tudo isso, ainda ter tempo de publicar conteúdo de qualidade, uma vez que as formadoras de opinião têm uma responsabilidade e um compromisso com seus seguidores. Atualmente, elas são o portal através do qual as pessoas têm contato com a moda, devendo ser responsáveis e conscientes, considerando o impacto social de suas ações.
Por fim, pode-se dizer que a Moda é um fenômeno incrível de ser estudado e apreciado. Ele contempla diversos aspectos da sociedade e da cultura, caracterizando-se como uma das formas de expressão pessoal mais importantes da atualidade.
“A moda não está apenas em vestidos. A moda está no céu, na rua, a moda tem a ver com ideias, com o jeito que vivemos, com o que está acontecendo” (Coco Chanel)
Recomendações de filmes, livros e documentários sobre Moda
- – Filme “O Diabo veste Prada” (2006)
- – Documentário “The September Issue” (2009)
- – Livro “O Império do Efêmero”, de Gilles Lipovestsky
- – Filme “Coco antes de Chanel” (2009)
- – Documentário “Valentino: The Last Emperor” (2008)
- – Livros “Moda: uma filosofia”, de Lars Svendsen
- – Livro “Moda à brasileira”, de Alice Ferraz
Por Maria Eduarda Nogueira
mariaeduardanogueira@usp.br