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Moda: uma metamorfose ambulante?

A moda nos influencia sem que percebamos: na autoestima, cultura, economia e expressão. Mas de que maneira nós a alteramos? Como os questionamentos diante do consumismo exagerado ou do padrão de beleza mudam a moda? Como ela se adapta aos desejos da sociedade, ou ao “novo normal”?   Representatividade e diversidade O mundo da moda …

Moda: uma metamorfose ambulante? Leia mais »

A moda nos influencia sem que percebamos: na autoestima, cultura, economia e expressão. Mas de que maneira nós a alteramos? Como os questionamentos diante do consumismo exagerado ou do padrão de beleza mudam a moda? Como ela se adapta aos desejos da sociedade, ou ao “novo normal”?

 

Representatividade e diversidade

O mundo da moda há muitos anos dita o que é belo na sociedade. A beleza, um tema tão abstrato, passa a concretizar-se através de revistas, desfiles e outdoors. Existe um padrão delimitado: um corpo branco (de origem europeia, na maioria das vezes) e magro. Porém, esse padrão estético passou a ser questionado, até que na década de 1980 tornou-se popular a moda “pluz size”, designada a corpos diferentes. 

Moda Plus Size [Imagem: Reprodução/Flickr August Barell Studio]
Moda Plus Size [Imagem: Reprodução/Flickr August Barell Studio]
Com a venda de tamanhos maiores, aos poucos, a sociedade passou a entender que peso não classifica beleza. Glaucia Rodrigues, pós-graduada em moda e dona da Loja 370, explica que é importante a variedade de tamanhos: “Nossa roupa é uma forma de expressão”. Glaucia analisa que se sentir bem dentro do que se veste influencia na autoestima, e não encontrar peças que se adaptem ao corpo pode afetar a saúde mental. Ela completa: “O ser humano carece de se sentir pertencente à sociedade em diversos âmbitos”. 

Além do número na etiqueta, outra questão que começou a ter destaque é o domínio branco e elitista no meio da moda. Segundo o estilista Weider Silveiro, a moda é elitista porque não dialoga com a periferia, com proximidade às pessoas comuns. “Ela dialoga com um ideal que criou e que não tem nada a ver com a maior parte da população”, afirma.

Glaucia explica que isso ocorre porque as escolas de moda são baseadas na cultura europeia e consideram a moda apenas aquilo que passou a ser produzido com a ascensão da burguesia. Assim, segundo ela, ignoram a rica moda produzida em outros locais do planeta, e a estes atribuem termos inferiores como indumentária, vestes e adornos. No entanto, ela afirma que no Brasil, por exemplo, o aumento do número de pessoas negras na universidade vem trazendo novos olhares para povos antes subjugados. Glaucia conclui que a compreensão dos saberes e da construção cultural diminui preconceitos a respeito da História, como a desvalorização da escrita e da tecnologia ancestral africana, latina e indígena.

Novos olhares [Imagem: Reprodução/Freepik]
Novos olhares [Imagem: Reprodução/Freepik]
Pensando no domínio elitista da moda  européia, um grupo de estilistas, inspirado no movimento Vidas Negras Importam, criou em 2020 uma frente de ação, a Célula Preta. Weider Silveiro é um dos membros e conta sobre o projeto: “É um lugar de pertencimento. Entre os integrantes, negros, tentamos entender e mudar todo esse sistema”. O estilista explica que criadores negros passam por muitos obstáculos: “Todos passam por situações bem vexatórias e difíceis pelo fato de ser negro”. Weider conta também que há poucas referências, principalmente pelo fato do “trabalho do branco ter muito mais eco na imprensa, a qual ainda não consegue associar os termos moda, novidade, desejo com o criador negro”.

Nesse cenário desigual, Weider conta que a Célula Preta é uma forma de combater o mercado da moda, o qual é negligente, e fomentar profissionais negros. Uma das questões é a passarela. Em 2009, O Ministério Público de São Paulo e a organização do São Paulo Fashion Week, maior evento de moda do país, assinaram um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) que prevê cota para a participação de ao menos 10% de modelos negros nos desfiles. Porém, não é um avanço muito significativo. Weider expressa indignação: “A cota mínima é desproporcional, já que 54% dos brasileiros são negros”.

Coleção de Weider Silveira na 45º Casa de Criadores  [Imagem: Reprodução/Youtube]
Coleção de Weider Silveiro na 45º Casa de Criadores  [Imagem: Reprodução/Youtube]
A discussão sobre a desmistificação do ideal de beleza está sendo ampliada cada vez mais. A moda vai se adaptando aos estilos, mostra que o que antes era estranho pode tornar-se normal. A moda sem gênero é outro exemplo. Esse movimento defende que roupa não tem gênero e que o indivíduo é livre para se expressar como quiser. 

Para algumas pessoas pode ser um choque ver um homem de saia ou vestido. Mas são práticas que já ocorreram no passado. Ao longo da história as peças se alternam entre “roupa de homem” ou “roupa de mulher”. Mestre em Têxtil e Moda pela Universidade de São Paulo (USP), Fausto Viana comenta essas alternâncias e exemplifica com o período pré-Renascentista, em que homens e mulheres usavam túnicas, semelhantes a um vestido longo. 

 

Tecnologia e consumismo

A indústria têxtil foi primordial para a Revolução Industrial do século 19 na Inglaterra. Devido a esse setor, a produção em massa aumentou e os preços diminuíram ao longo do tempo. Esse momento estampa como a moda está costurada com a tecnologia. Hoje, o que está mais evidente é a ligação com a internet, a qual alterou significantemente o consumo.

O marketing e a propaganda no mundo virtual, juntos com estímulos visuais e sonoros, mudaram o modo como o cliente deseja o produto, mesmo que não precise dele. Segundo pesquisa publicada na Revista Exame, o ramo da moda é o que mais interage nas ações digitais, com um índice de 25,5%, seguido pelo de eletrônicos, com 14,3%, e comunicação, com 11,3%. Isso demonstra que a indústria da moda investe nesses meios com muita frequência para conquistar os internautas, sobretudo, nas redes sociais.

Aumento de e-commerce no ramo da moda durante a pandemia [Imagem: Reprodução/Flickr]
Aumento de e-commerce no ramo da moda durante a pandemia [Imagem: Reprodução/Flickr]
Por meio de vídeos e fotos, a moda mescla com a comunicação. Essa combinação rapidamente gera milhões de benefícios ao comércio virtual, o e-commerce. As redes sociais, principalmente o Instagram, são a porta de entrada das marcas; as “publis” (publicidade) são os outdoors e banners, e as postagens são as vitrines.

Os criadores de conteúdo são a peça principal desse processo. Os influencers digitais possuem autoridade fashion e alcançam milhões de seguidores, isto é, fregueses. Por um lado, esse mecanismo é prático, interativo e promove uma maior conexão com o público-alvo. 

Conforme Glaucia Rodrigues, nesses meios é mais fácil encontrar pessoas as quais são referências em moda e com os mais variados tipos de corpos e belezas. Ela explica que isso gera interesse do público, aumentando o volume de vendas para esses nichos. E completa: “É um espaço que possibilita a inserção de pequenos empreendedores no mercado, pois permitem a exposição gratuita de seus produtos e oferecem ferramentas para automatização de negócios que antes só existiam no ambiente físico.”

Por outro lado, a comunicação torna-se artificial e estimula de forma excessiva o consumismo. Para Fausto, especialista em História da Moda da USP, esse consumo em massa gera perda de identidade local. Além disso, está atrelado ao existencialismo, conforme o especialista. Ele analisa que a experiência do consumismo supre muitas vezes a lacuna que no passado foi preenchida por outros elementos, como a religiosidade. E conclui: “O consumismo é estimulado para você se sentir menos vazio”.

 

Sustentabilidade e consciência

Devido ao consumo exagerado, a moda tornou-se uma das maiores vilãs contra o meio ambiente. A indústria têxtil é o segundo setor que mais polui. O famoso poliéster utiliza 70 milhões de barris de petróleo todos os anos e demora mais de 200 anos para se decompor. Já a viscose derruba 70 milhões de árvores por ano. Até mesmo o algodão utiliza 24% dos inseticidas e 11% dos pesticidas do mundo. O resultado é um guarda roupa cheio de males à natureza.

Em contraponto às coleções poluentes, na metade do século 20 iniciam-se os movimentos de eco-consciência. A moda sustentável é uma vertente que utiliza métodos e materiais que minimizam os danos ao ecossistema. Alternativas como a reciclagem de matérias primas, o reaproveitamento de materiais, a aplicação de tecidos biodegradáveis e de corantes naturais implicam na preservação da natureza. 

Glaucia, dona de uma marca que utiliza  tecidos sustentáveis provenientes de garrafas PET, explica que  “consumir de pequenos empreendedores sustentáveis significa uma tentativa de reduzir impactos ambientais, e muitas vezes consumir produtos com uma maior durabilidade e, consequentemente, menor descarte”.

Tecido sustentável da Loja 370 [Imagem: Reprodução/Instagram Loja 370]
Tecido sustentável da Loja 370 [Imagem: Reprodução/Instagram Loja 370]
Outro movimento eco fashion é a moda consciente. Diferente da moda sustentável, que visa as formas de produção da indústria têxtil, a moda consciente é quando o consumidor manifesta em suas compras a preocupação com as questões ambientais e também sociais.

Conforme a pesquisa The Global Slavery Index 2018, da fundação Walk Free, a moda é a segunda categoria de exportação que mais explora o trabalho forçado. Por isso, os consumidores conscientes são os que pensam duas vezes antes de comprar uma peça. Eles prestam atenção na cadeia produtiva da roupa e nos valores da empresa. Detalhes como a transparência na divulgação dos nomes de fornecedores e dos artesãos são fatores decisivos na hora da compra. Desse modo, as lojas transmitem mais credibilidade ao cliente. 

Além da conscientização socioambiental, a mudança de comportamento dos consumidores permite contribuir com o slow fashion, prática de preços justos que incorporam custos sociais e ecológicos e mantém sua produção entre pequena e média escalas. Mudanças de hábitos, como o consumo em brechós e bazares, são práticas do slow fashion. No primeiro caso, muitas vezes há garantia da qualidade da roupa, já que após o uso o produto permanece sem falhas; e há aumento da durabilidade da roupa. No segundo, além desses benefícios, há a questão da causa solidária incluída nos preços.

Customização aumenta a durabilidade da peça [Imagem: Reprodução/Youtube/Elise Buch]
Customização aumenta a durabilidade da peça [Imagem: Reprodução/Youtube/Elise Buch]
Na década de 1990, deu-se início ao movimento minimalista voltado ao ramo da moda e ao upcycling. O minimalismo “veste” o slow fashion porque visa um guarda roupa com número de peças reduzido, com tons neutros, o suficiente para o dia a dia. Já a tendência upcycling, processo de criar algo novo a partir de itens antigos, incorpora o slow fashion pois aumenta o tempo de vida da roupa com a customização. Um exemplo recente no Brasil, que muitas pessoas desenvolvem de forma caseira, é a moda retrô do Tie Dye, que consiste no tingimento em forma “degradê” de uma roupa antiga, tornando-a original.

 

Pandemia e tendências

O mundo com a Covid-19 passou por diversas mudanças, inclusive no setor da moda. Viver a maior parte do tempo em casa alterou até o modo que nos vestimos. Tornou-se um hábito ficar com um moletom ou um pijama, e a quarentena gerou a tendência de comprar itens confortáveis pela internet. Um estudo elaborado pela Conversion (consultoria de performance & SEO) demonstra que no Brasil o comércio eletrônico quase dobrou em 2020 (95,3%).

[Imagem: Reprodução/Stock] 
[Imagem: Reprodução/Stock]
O mercado de grifes luxuosas também se adaptou ao “novo normal”. Alguns estilistas independentes começaram a vender seus produtos na Amazon (empresa de comércio virtual), algo impensável anteriormente. Já outras marcas investiram em nanotecnologia com íons de prata para produzir roupas antivirais. Por exemplo a firma suíça HeiQ, que lançou em março o Viroblock NPJ03, um tipo de resina fabricada com nitrato de prata aplicada no tecido que, conforme os testes, retém mais de 99% de diversos tipos de vírus e bactérias em até meia hora.

Apesar dos bons resultados e das melhorias na área da moda, a pandemia também gerou dificuldades. Várias Semanas de Moda foram canceladas e outras foram transmitidas por redes sociais. Mesmo assim, houve prejuízo, já que nesses grandes eventos estão envolvidos vários empregos diretamente, como nos bastidores, e indiretamente, como o turismo local. 

Ainda assim, a produção foi a parte que mais sofreu impacto econômico. A Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) realizou uma pesquisa a qual mostra que 96% das empresas tiveram queda na carteira de encomendas, sendo que mais da metade das fábricas registrou redução superior a 50% no número de pedidos. Diante da falta de encomendas, 60% das empresas informaram que demitiram funcionários durante a crise.

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