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Na TV do brasileiro, tem ‘Sessão da Tarde’

Identidade dos filmes leves e otimistas marca a história da televisão no Brasil
Por Mariana Pontes (mariana.kpontes@usp.br)

A TV Tupi, primeira estação de televisão do Brasil e da América Latina, foi fundada no dia 18 de setembro de 1950 e, com ela, inaugurou-se a televisão brasileira. Nos 75 anos de sua existência, uma das mais famosas sessões de filmes da TV Globo esteve presente em 50 deles.

No ar todas as tardes de segunda a sexta, a “Sessão da Tarde” teve seu início em 4 de março de 1964. Ela substituiu a “Sessão das Duas”, que havia passado a se chamar “Sessão de Férias” em seus últimos meses. 

Em entrevista ao Cinéfilos, o professor da ESPM e supervisor do curso em Cinema e Audiovisual, Luiz Fernando da Silva Junior, diz que a “Sessão das Férias” foi lançada justamente nos meses de janeiro e julho, quando é necessário entreter os jovens que estão de férias escolares, mas seus pais não possuem muito tempo devido ao trabalho. Cria-se, assim, uma programação mais próxima das crianças — não necessariamente infantil, mas sim familiar —, ao contrário das sessões de filmes noturnas que já existiam para o público adulto.

Ainda que tenha surgido no período da Ditadura Militar, a escolha dos filmes de temáticas que não exigem muita reflexão não teve nenhuma relação aparente com o contexto histórico, explica o professor. A decisão teria sido unicamente mercadológica, uma vez que o programa voltado para a família funcionou muito bem para a emissora que propunha uma forma de entretenimento em casa.

“Se você conseguir fazer uma coisa melhor que a produção de Hollywood e com a mesma quantidade, você tira a Sessão da Tarde. Se não, deixa ela aí.”

Boni, diretor de programação e produção da TV Globo

Livre para todos os públicos

A estreia da “Sessão da Tarde” foi feita com o filme Oito e meio (8½, 1963), dirigido por Federico Fellini, uma escolha destoante do público-alvo amplo e familiar que prevalece no programa. Sua criação em meio ao regime ditatorial fez com que algumas cenas do longa, como as de sexo, fossem cortadas.

Pôster do filme , com classificação indicativa de 14 anos no Brasil [Imagem: Reprodução/The Movie Database]

Atualmente, o que se conhece dos filmes que passam na “Sessão da Tarde” segue o caráter de comédia, aventura, drama, romance e ação, usualmente com finais otimistas. Essa escolha se deve ao contexto de seu início, que tinha o objetivo de atender as demandas de entretenimento familiares. Por isso, a seleção é, em grande parte, livre para todos os públicos ou não recomendado para menores de 10 anos, que segue o sistema de classificação indicativa.

Na década de 70, quando o programa ainda estava se desenvolvendo, era mais barato e, consequentemente, mais benéfico para a Globo comprar um pacote de filmes de uma distribuidora ou estúdio para exibir do que produzir um capítulo de novela. Segundo Silva, a emissora comprava os chamados “enlatados”, filmes e séries internacionais que traziam audiência e ocupavam espaço na programação por um valor mais acessível.

Até hoje, as obras exibidas são selecionadas a partir de um catálogo dos títulos com direitos disponíveis, organizados por gêneros e temas. Essa lista é, então, cruzada com os índices de audiência e resultados de pesquisa. O planejamento ocorre de forma anual, mas é revisado trimestralmente e, depois, semanalmente. Essa última leva em consideração os acontecimentos recentes no mundo e, principalmente, no Brasil.

A arte imita a vida

A tentativa de agendar filmes leves, de comédia e esperançosos para o início do ano e, em julho e dezembro — período de férias —, animações para toda a família segue a ideia de que é necessário adequar a programação não só para o público, mas para o que o público está vivenciando. Essa questão pode ir além do contexto do mês, ao levar em consideração o contexto específico de um estado ou alguma notícia.

No dia 29 de janeiro de 2013, a Globo decidiu trocar a exibição de O Cachorro Bombeiro (Firehouse Dog, 2007) por Ninguém Segura Esses Fantasmas (Im Spessart sind die Geister los, 2020), para evitar qualquer correlação com a tragédia do incêndio na Boate Kiss, que havia ocorrido somente dois dias antes. Ainda que o filme tivesse a mesma audiência e que uma parcela das pessoas não o relacionassem com o acontecimento em Santa Maria, no Rio Grande do Sul — até porque a maioria do público eram crianças —, a repercussão seria negativa.

O incêndio na Boate Kiss deixou 242 mortos e 636 feridos, instigando manifestações por parte de amigos e familiares das vítimas [Imagem: Reprodução/WikimediaCommons]

Além disso, a emissora também já decidiu exibir longas-metragens distintos em cada região do país, a exemplo do dia 25 de janeiro de 2016, quando As Crônicas de Nárnia: o Leão, a Feiticeira e o Guarda Roupa (The Chronicles of Narnia: the Lion, the Witch and the Wardrobe, 2005) foi o escolhido para o Norte e para o Nordeste, regiões sem o horário de verão. Enquanto isso, no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, Carros (Cars, 2006) foi o filme exibido, exceto na capital paulista, que comemorava seu feriado de 462 anos e assistiu A Lenda do Tesouro Perdido (National Treasure, 2004).

Em setembro do ano seguinte, a antiga atração do já extinto TV Globinho, Três Espiãs Demais: O Filme (Totally Spies! Le Film, 2009), estava na televisão dos telespectadores somente nos estados da Bahia, Ceará, Pará, Paraná e Pernambuco. Nos demais estados brasileiros foi exibido Cada Um Tem a Gêmea que Merece (Jack and Jill, 2011). Entretanto, o Rio de Janeiro viu dois capítulos da novela Senhora do Destino em “Vale a Pena Ver de Novo”, devido à cobertura jornalística sobre a ocupação na favela da Rocinha na sexta-feira prévia, que ocupou o espaço do reprise mencionado.

Sempre na TV do brasileiro

“O dado de mercado é que a televisão está presente em 95% dos lares brasileiros já há muitos anos, mais de décadas. Isso quer dizer que, dos 74 milhões de domicílios no país, 71 milhões têm um aparelho de televisão. Esse é o dado do IBGE”, declara Luiz Fernando da Silva. Mas, antes de chegar a esse ponto, a participação da televisão no cotidiano das pessoas foi aumentando gradualmente.

De acordo com o professor, entre as décadas de 60 e 70, até mesmo por seu custo elevado, eram poucas as casas que tinham um aparelho televisivo. Desse modo, tinham os “televizinhos”: indivíduos na região que tinham a TV e reuniam a vizinhança ao redor de sua sala de estar. “É do televizinho que vem a ideia de ‘Sessão da Tarde’ também, de juntar pessoas em volta da televisão”, argumenta.

Sobre a contemporaneidade, quando questionado se as novas formas de consumo cultural, principalmente os streamings, não quebram a relevância das sessões de filmes, Silva afirma que não, especialmente ao estourar a bolha do Sudeste. “Quando você começa a sair disso, você vai vendo que tem uma outra realidade que, em várias situações e em vários casos, o principal acesso à informação é pela televisão e pela TV aberta”, completa.

O professor explica como o telejornal continua sendo a forma mais disseminada para se informar sobre as notícias e, por meio das novelas, para saber sobre as temáticas mais populares do momento: “A novela é uma grande forma de levar informação para todos os cantos do país com impacto cultural”, afirma.

A exemplo de como o grande público procura e recebe influência das obras audiovisuais, o livro O Perigo de Estar Lúcida (Todavia, 2023), da escritora espanhola Rosa Montero, que a personagem Odete Roitman (Débora Bloch) leu em um dos capítulos da novela Vale Tudo (2025), disparou para o topo da lista dos livros mais vendidos no país somente 24 horas após aparecer no episódio.

Na Amazon, O Perigo de Estar Lúcida sobe para o mais vendido na área de literatura europeia após aparecer em Vale Tudo [Imagem 1: Reprodução/Instagram/@nanarude] [Imagem 2: Reprodução/Amazon]

De acordo com pesquisas de audiência mencionadas pelo professor, a TV aberta no mundo está caindo em telespectadores, mas continua estagnada no Brasil. Ao trazer novamente a novela Vale Tudo, Silva previu corretamente que, até a morte de Roitman, a produção chegaria em 30 pontos de audiência — o que equivale a 18 milhões de pessoas, número exorbitante em relação à quantidade geral de assinantes de plataformas de streaming no Brasil, que chega a cerca de 27 milhões. No caso da “Sessão da Tarde”, líder de audiência na categoria, a média é de 11 pontos de audiência. Os pontos de audiência equivalem à quantidade de espectadores de um determinado programa em comparação com o total de aparelhos ligados no país.

O público do programa continua e não continua o mesmo: “Esse perfil mais amplo do programa, com conteúdos mais tranquilos, é a base e o que é esperado pelo público em acessar quando ele aparece na ‘Sessão da Tarde’”, diz o professor. “Mas, ao mesmo tempo, a emissora continua entendendo que família é essa hoje, que não é mais a mesma família [em relação à estrutura, hábitos de consumo e dia a dia] de 50 anos atrás.”

“Aí você vai me dizer que ‘ninguém mais assiste televisão aberta’. Olha aí como assistem. Eles podem não assistir do mesmo jeito. Mas assistem.”

Luiz Fernando da Silva Junior

Na minha época…

A seleção dos filmes mais reprisados conta com títulos como Ghost: Do Outro Lado da Vida (Ghost, 1990), A Lagoa Azul (The Blue Lagoon, 1980), De Repente 30 (13 Going on 30, 2004), A Família Buscapé (The Beverly Hillbillies, 1993) e Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller’s Day Off, 1986).

A partir de 2021, adotou-se uma espécie de #TBT (Throwback Thursday) todas as quintas-feiras, quando são exibidos clássicos que marcaram a reprodução da “Sessão da Tarde”. Esse momento apela para a nostalgia e saudosismo dos telespectadores mais velhos, que, muitas vezes, anseiam compartilhar momentos felizes de seu passado com seus entes queridos que não viram as obras mais antigas apresentadas na Sessão. “São pais e filhos, avós e netos, gerações diferentes assistindo aquele mesmo filme juntos. Então, ao longo desse caminho, tem uma construção ali que a gente chama de memória afetiva”, aponta Luiz Fernando da Silva.

Para o professor, contar sobre o longa não é, nem de perto, a mesma experiência de vê-lo novamente: “Quem viu esse filme quando ele estava no auge de seu lançamento foi o pai ou a avó da criança agora. E ela vai poder, numa exibição como essa, de novo, pela milésima vez, [ver] o filme da Xuxa, por exemplo. Ela vai poder compartilhar sua memória afetiva com outra pessoa, seja da família ou não, que está em outra geração.”

Estrelando Xuxa, o conto de fadas de uma jovem aspirante a cantora fez parte da infância de grande parte da população brasileira [Imagem: Reprodução/The Movie Database]

RG da ‘Sessão da Tarde’

A expressão “filmes sessão da tarde” é comum para designar longas que se enquadram nas escolhas da sessão: leves, normalmente de comédia ou ação, que toda a família pode assistir sem altas demandas de atenção e reflexão. A forte identidade do programa foi capaz, assim, de criar uma locução adjetiva que reúne esses tipos de produções.

A Sessão, com essa estrutura tão consistente ao longo do tempo, fez com que os espectadores saibam as características dos filmes que serão exibidos lá: “Posso não gostar desse, mas eu sei que tipo de filme que é.”

Luiz Fernando da Silva Junior destaca que as pessoas já têm a expectativa do tipo de longas que passam na “Sessão da Tarde” e os assistem conforme ela. Ele descreve essa identidade que se formou como um “canto seguro e neutro”: não será um filme complexo que exija muito da atenção do indivíduo, não trará muitas informações novas e não terá nenhuma cena incompatível com a dinâmica de família, o que permite que ela o assista em conjunto.

O professor continua: “Qualquer filme tem uma razão de existir, tem um propósito. Quando um produtor ou criador decide que vai contar aquela história, ele também tenta entender qual é o efeito que espera que ela tenha no público”. O propósito desses filmes mais leves seria puramente o divertimento e o entretenimento — algo que não é melhor ou pior do que outros objetivos, somente diferente.

“Um filme mais leve, que não tem grande impacto, com o qual vou me divertir e me entreter… Esse é o filme sessão da tarde. É isso. Virou mais um rótulo cultural.”

Luiz Fernando da Silva Junior

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