Ilustração: Júlia Vieira/Comunicação Visual – Jornalismo Júnior
Em seu primeiro livro de contos, Chimamanda Ngozi Adichie fala sobre a Nigéria partindo dos mais diversos pontos de vista. O país está presente nas doze histórias, seja como plano de fundo ou como parte do imaginário saudoso das personagens, as quais podem ser babás, escritores, mestrandos ou grandes empresários que, por sua vez, enriquecem a obra com a pluralidade de experiências e valores que carregam.
O livro também apresenta outros aspectos recorrentes na obra de Chimamanda. O primeiro deles é a intersecção entre as realidades nigeriana e estadunidense. Aqui, novamente, nota-se o esforço da escritora para não reproduzir uma história única. A migração de nigerianos para os Estados Unidos é abordada de forma muito completa. Fala-se sobre o choque cultural, a burocracia para obter um visto e o racismo. Tudo isso abrangendo diversas classes, de trabalhadores ilegais a estudantes.
O segundo ponto comum na produção da autora é sua técnica de ambientação. Recursos como o uso de expressões do dialeto igbo nas falas das personagens: “Querida, kedu? [como você está?]”, sua descrição minuciosa dos ambientes, utilizando modelos de carros e marcas de alimentos como marcadores culturais ou citações de músicas, escritores e pratos típicos, que possibilitam uma imersão completa e são o pontapé inicial para o leitor interessado em saber mais sobre a cultura nigeriana.
Apesar de permanecer fiel a algumas características de escrita, Chimamanda também traz inovações. “Jumping Monkey Hill” é um conto que abriga outro conto. Nele, há trechos de um trabalho que a escritora Ujunwa, sua personagem central, está redigindo. A autora ainda faz uso de um experimentalismo mais ousado. Em “No seu pescoço”, conto que nomeia a obra, e “Amanhã é tarde demais” o leitor se depara com histórias narradas em segunda pessoa e, assim, sente na pele a angústia de personagens que passam por experiências extremamente traumáticas.
A empatia do interlocutor pelas personagens é estimulada inclusive quando os temas centrais são episódios históricos da Nigéria. Isso, pois esses acontecimentos são tratados de forma personalizada. Acompanha-se o sofrimento de uma família perseguida por motivos políticos durante um regime autoritário, a agonia de duas mulheres que se abrigam em meio a um conflito entre cristãos igbos e muçulmanos hausas, a desilusão dos professores Ikenna e James ao relembrarem as consequências da Guerra Civil para suas vidas, sendo impossível manter-se indiferente a tantas histórias de dor.
No seu pescoço (Companhia das Letras, 2017) é uma boa pincelada sobre conflitos enfrentados pela população nigeriana, mas o seu foco está nas relações familiares e nos vínculos de amizade, que permeiam a vida de qualquer um. Por ser um livro de contos, ele é um ótima oportunidade para os que não conhecem o estilo de Chimamanda se familiarizarem. Além do novo formato, as experimentações técnicas da autora fazem dele uma experiência nova também para aqueles que já acompanham seu trabalho.
Por Letícia Vieira Santos
leticiavs@usp.br