Por Nara Siqueira (nara.siqueirasil@gmail.com)
O sonho de ser o próprio chefe tem atingido muitas pessoas, especialmente estudantes e (sim!) mães. Não ser subordinado a ninguém, ter um negócio feito sob medida e comandar uma empresa é um movimento crescente na atualidade. Se antes trabalhar em empresas famosas e bem conceituadas era um dos principais objetivos, hoje as coisas mudaram: nada parece chamar mais atenção do que constituir uma nova empresa, estar no cargo mais alto dela, ter horários mais flexíveis e fazer e estabelecer metas e rotinas que sejam satisfatórias aos próprios olhos.
De acordo com a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor, 34 em cada 100 adultos (pessoas com idade superior a 18 anos) brasileiros possuem um negócio próprio. Surpreendentemente, metade desse número equivale a negócios novos, que tenham menos de 1 ano. Além disso, nós, brasileiros, somos mais empreendedores que qualquer país do BRICS e até mesmo que os Estados Unidos.
Esses números impressionam ainda mais quando medidos pelo Micro Empreendedor Individual (MEI). Em 2010, menos de 1 milhão de microempreendedores eram cadastrados no MEI. Apenas 4 anos depois, já constavam 4,6 milhões de pessoas no sistema. Um salto grande para um curto período de tempo.
Mas o que aconteceu para essa mudança de padrões? A resposta parece ser simples. Segundo Ricardo Pereira, professor de antropologia, assim como acontece com o movimento alimentício (na busca pela comida “de verdade”, caseira, orgânica, da roça para o prato), as pessoas estão procurando retornar aos tempos antigos, nos quais havia hora para começar e também para terminar o expediente. A qualidade de vida está em baixa, o que faz com que as pessoas busquem mudar as atitudes visando encontrar algo que as permita passar mais tempo com a família, com mais saúde e disposição.
“Parece que chegamos a um ponto em que percebemos que não é saudável estar 24 horas conectados com o trabalho, sob pressão do chefe, em turnos de trabalho insanos. Estamos à procura de ambientes que nos permitam encontrar um equilíbrio. O jovem de hoje em dia já sai da faculdade esquematizando seu negócio, pensando em quando vai poder abrir sua empresa”, afirma Ricardo.
Além disso, também há envolvimento de medidas políticas. Em 2006, no governo Lula, foi lançada a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, que estabeleceu normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. Ou seja, houve uma desburocratização dos processos para legalizar e oficializar a abertura de um pequeno negócio, além de algumas vantagens para o empreendedor solitário, como redução de impostos e direito à aposentadoria, auxílio-doença e licença-maternidade.
O economista Lucas Leão diz que essas políticas possibilitaram a entrada de pessoas de renda mais baixa no universo empreendedor, o que tirou muitos do desemprego e permitiu maior movimentação na economia do país. “Se antes ser dono do próprio negócio era algo possível apenas para ricos ou pessoas de classe média-alta, depois dessa lei o projeto ficou acessível para aqueles que não poderiam nem pensar nisso antes, como eu, por exemplo. Minha mãe é professora e meu pai, encanador. Sempre tivemos o necessário, nunca mais que isso”, diz Lucas, que se formou em Economia, mas decidiu que não atuaria diretamente na área: uniu esforços para abrir uma microempresa de contabilidade.
Outro fator também merece ser comemorado. O Sebrae realizou uma pesquisa em 2012, na qual 50% dos micro ou pequenos empreendedores se declararam pardos ou negros (em comparação a 2002, ano em que 42% dos cadastrados não eram brancos). “Eu acho que isso mostra que também estamos ganhando espaço, e que queremos levar a cultura negra para além da periferia. Estamos perdendo a vergonha de assumir quem somos e isso faz com que a gente ganhe espaço no universo empreendedor, desmistificando a imagem ainda consolidada que preto é sempre o empregado e nunca o patrão”, declara Elisa Barros, moradora da periferia de São Paulo e dona de uma loja de turbantes e acessórios africanos.
Mesmo com a atual crise econômica no Brasil, aqueles que desejam entrar para o time dos empreendedores não precisam perder a esperança. Existe sim espaço para quem deseja inovar.
Exemplo disso é uma área que tem registrado alta nos índices: a de mães que têm filhos pequenos e resolveram abrir o próprio negócio. “Acho que é uma junção de coisas. As mães perceberam que é maravilhoso estar com os filhos e acompanhar todas as etapas de suas vidas, mas ao mesmo tempo é gratificante e necessário ter um emprego, algo para ocupar a cabeça além de assuntos maternos”, explica Cátia Ferreira, mãe de duas meninas de 4 anos e dona de uma marca de babadores infantis. “Sendo dona do meu negócio, consigo ter horários mais flexíveis, que me permitam estar perto das minhas filhas quando elas precisam de mim. A ideia de criar uma marca de babadores veio a partir da maternidade mesmo, quando vi que as crianças passavam grande parte do dia com esse acessório e não havia modelos bonitinhos e diferentes no mercado nacional, igual vemos lá fora. Então, uni o útil ao agradável e deu nisso”, complementa ela.