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‘O caderno’: a universalidade de José Saramago

O prestigiado escritor português demonstra sua genialidade ao explorar desde a tradicional escrita ao universo dos blogs

É difícil imaginar personalidades renomadas da literatura se aventurando a fazer publicações diárias na internet. No entanto, José Saramago, de modo a demonstrar sua versatilidade como escritor, dirigiu comentários, reflexões e opiniões a um blog localizado no site da Fundação José Saramago entre setembro de 2008 e março de 2009. Para essa coletânea de escritos, deu o nome de O caderno (Porto Editora, 2009).  

A edição mais recente, de 2023, foi publicada pela Companhia das Letras e não altera em nada as versões originais dos textos veiculados no blog, o que torna a experiência de leitura semelhante à dos leitores contemporâneos de Saramago. A organização das publicações por ordem cronológica também auxilia na fluidez da passagem dos textos.

O autor de clássicos  como Ensaio sobre a cegueira (Editorial Caminho, 1995), O Evangelho segundo Jesus Cristo (Editorial Caminho, 1991) e A jangada de pedra (Editorial Caminho, 1986), dessa vez, não assume a posição do romancista atemporal que costuma ser nas demais obras. Também não firma compromissos com a complexidade estilística de composições anteriores. Muito pelo contrário: o primeiro e único escritor português a ser honrado com o Prêmio Nobel de Literatura adere ao modelo dos blogs dos anos 2000, nos quais as temáticas estão presas ao caráter momentâneo do dia a dia. 

O autor se inspirou em seus antigos Cadernos de Lanzarote para escrever O caderno [Imagem: Acervo Pessoal/Mirela Costa]

Apesar das mudanças quanto à forma de escrita, Saramago não abandonou seu olhar crítico e detalhista sobre os pequenos acontecimentos e personagens do cotidiano. Com a sensibilidade de cronista que tem, o escritor dispõe do tom irônico característico de suas produções e dialoga com o leitor sobre tópicos históricos, sociais e até mesmo filosóficos que condiziam com a realidade da época. O interlocutor de Saramago, possivelmente, nunca se sentiu tão próximo dessa figura ilustre da literatura portuguesa como em O caderno.

“Dizem-me que as entrevistas valeram a pena. Eu, como de costume, duvido, talvez porque já esteja cansado de me ouvir. O que para outros ainda lhes poderá parecer novidade, tornou-se, para mim, com o decorrer do tempo, em caldo requentado.”

Trecho de 86 anos (novembro de 2008, página 85)

Nos seus últimos anos de vida, Saramago não deixou de se manter sempre antenado no cenário global. Temas como a crise econômica que assolava o mundo em 2008, a degeneração da democracia liberal no início do século 21 e a questão palestina são brilhantemente abordados em seus textos cronísticos, devido à percepção sensível do autor em torno dos fatos comentados. Duras críticas a líderes políticos contraditórios, como George W. Bush, ex-presidente estadunidense, e Silvio Berlusconi, ex-primeiro ministro da Itália, também aparecem na coletânea. 

“Pergunto-me como e porquê os Estados Unidos, um país em tudo grande, tem tido, tantas vezes, tão pequenos presidentes. George Bush é talvez o mais pequeno de todos eles. Inteligência medíocre, ignorância abissal, expressão verbal confusa e permanentemente atraída pela irresistível tentação do puro disparate […]”

Trecho do texto George Bush, ou a idade da mentira (18 de setembro de 2008, página 21)

O tom de denúncia, a busca por justiça social e o inconformismo diante da espetacularização do mundo — presentes com frequência em suas obras — também são encontrados na coletânea. As crônicas diárias produzidas por Saramago e publicadas em O caderno apresentam a genialidade do escritor. 

Mais de uma década depois das suas escrituras para a página, as temáticas abordadas continuam recorrentes e o escritor foi preciso em captar sinais do seu cotidiano que se desdobrariam em grandes previsões para o futuro. A atemporalidade dos textos podem, assim, surpreender quem os lê. Saramago se mantém universal e fundamental para que o homem se entenda em meio ao contexto no qual vive. 

[Imagem de capa: Divulgação/Companhia das Letras]

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