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Observatório I José Saramago: Centenário do mais prestigiado escritor português contemporâneo

“Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos”. Há cem anos, nasceu o autor desta frase, José Saramago, um dos nomes mais importantes da literatura portuguesa contemporânea. O escritor veio de uma família humilde de camponeses do povoado de Azinhaga, na província de Ribatejo, em Portugal. Com …

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“Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos”. Há cem anos, nasceu o autor desta frase, José Saramago, um dos nomes mais importantes da literatura portuguesa contemporânea. O escritor veio de uma família humilde de camponeses do povoado de Azinhaga, na província de Ribatejo, em Portugal. Com apenas 2 anos de idade, a família se mudou para Lisboa, onde Saramago viria a descobrir sua afinidade com a escrita e o mundo literário ao frequentar a biblioteca pública do Palácio Galveias.

O primeiro romance de Saramago, intitulado A Viúva (Companhia das Letras, 2022), foi publicado originalmente em 1947, mas com outro nome, A terra do pecado (Porto Editora, 2015), por questões comerciais. O autor chegou a escrever outra obra, Claraboia (Companhia das Letras, 2020), assinada com o pseudônimo Honorato. A obra foi ignorada pela editora e publicada apenas depois da morte dele, em 2010. Por quase 20 anos, o escritor português fez uma pausa na escrita por acreditar que “não havia nada que pudesse contar”. Apenas em 1966, com a publicação de sua primeira obra poética, Os Poemas Possíveis (Porto Editora, 2015), ele retornou ao cenário literário.

No período em que esteve ausente da escrita, José Saramago atuou como editor no Estúdios Cor, o que permitiu que criasse laços com importantes autores portugueses. Também atuou como tradutor e crítico literário. Depois que deixou a editora, trabalhou no Diário de Lisboa e, em 1975, exerceu o cargo de diretor adjunto do Diário de Notícias, mas foi demitido devido às mudanças provocadas pela tentativa de golpe militar em 25 de novembro.

A partir de então, passou a se dedicar inteiramente à escrita. Com a publicação do romance O memorial do convento (Companhia das Letras, 2020), em 1982, Saramago ganhou mais fama e reconhecimento. Foi por meio dos seus romances que conheceu Pilar Del Río, jornalista e escritora, com quem se casou em 1988. Em 1991, Saramago foi impedido de concorrer ao Prêmio Literário Europeu, devido à censura e à insatisfação com a sua obra, O Evangelho Segundo Jesus Cristo (Companhia de Bolso, 2005), considerado ofensivo para a Igreja Católica. 

Esse acontecimento resultou na mudança do casal de escritores para as Ilhas Canárias, em Lanzarote. José Saramago começou a escrever uma de suas obras mais famosas, Ensaio sobre a Cegueira (Companhia das Letras, 2017), publicada originalmente em 1995. Nesse mesmo ano, o autor recebeu o Prêmio Camões, maior prêmio da literatura portuguesa.

Atualmente, Pilar del Río é presidente da Fundação Saramago, localizada em Lisboa, que visa eternizar as obras do escritor e o legado deixado para a literatura portuguesa [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

Três anos depois, em 1988, o trabalho do autor foi reconhecido mundialmente, ao receber o Prêmio Nobel de Literatura. Até hoje, Saramago se mantém como o único escritor português a ganhar tal homenagem. Em 2009, publicou seu último romance, Caim (Companhia das Letras, 2017). Já com idade avançada, 88 anos, veio a falecer em 2010 em decorrência de falência múltipla dos órgãos.

Obras famosas

O romancista marcou a literatura portuguesa com seu estilo de pontuação, uso de ironias e metáforas. Segundo Julián Fuks, escritor e crítico literário, “Saramago tem essa capacidade imaginativa, essa construção de argumentos muito marcantes e consistentes que depois resultam em tramas realistas”.

O autor português desenvolveu um traço de escrita caracterizado pelos parágrafos longos com poucas divisões, o uso da vírgula no lugar de outros sinais de pontuação final, além da intertextualidade e das marcas de oralidade.

Ensaio sobre a Cegueira é uma das obras mais conhecidas de Saramago. O romance retrata uma epidemia que acomete uma cidade inteira, na qual os doentes perdem a capacidade de enxergar. Apenas uma mulher não é afetada e ela passa a presenciar os horrores que são feitos quando ninguém está vendo. 

“Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem.”

Após a publicação de O Evangelho Segundo Jesus Cristo, o escritor sofreu duras críticas. O livro apresenta Jesus humanizado, que comete erros, tem dúvidas e possui uma relação amorosa com Maria Madalena. A obra critica a imagem de um Deus punitivo ao retratá-lo como cruel e vingativo. 

A ideia para escrever O Evangelho Segundo Jesus Cristo (Companhia de Bolso, 2005) surgiu após Saramago ler o que viria a ser o título do livro na manchete de um jornal [Reprodução/Instagram/@fjsaramago]

Publicado em 1984, O ano da morte de Ricardo Reis mostra o retorno do heterônimo de Fernando Pessoa para Portugal e suas vivências por Lisboa após o exílio no Brasil. O personagem passa a ser assombrado pelo fantasma do poeta. Saramago faz referência a Camões e Jorge Luís Borges, escritor e poeta argentino, além da explícita intertextualidade com Pessoa. 

Adaptações para o cinema

Muitas obras de Saramago foram levadas do papel até às telas de cinema. A obra Ensaio sobre a Cegueira rendeu o filme homônimo, dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles e lançado em 2008. O filme conta com a participação de atores conhecidos, como Alice Braga, Mark Ruffalo e Julianne Moore. A produção cinematográfica abriu o Festival de Cannes de 2008. 

O conto Embargo, contido na coletânea Objecto Quase, inspirou o filme de mesmo nome, dirigido por Antônio Ferreira. O conto retrata um automóvel que ganha vida após sofrer restrições de combustível, provocadas por questões políticas. Saramago escreveu a obra no contexto da crise do petróleo causada pelo conflito entre árabes e israelenses na Guerra do Yom Kippur. O escritor transmite a narrativa por meio de um tom crítico e pelo uso da ironia. A adaptação para o cinema apresenta Nuno, funcionário de uma lanchonete, que fica preso em seu carro.

Outra obra adaptada foi O homem duplicado, levada ao cinema pelo diretor Denis Villeneuve. O romance mostra um professor de história que descobre ter um sósia após assistir um filme no qual um dos atores é exatamente igual a ele. 

O professor Adam Bell descobre que tem um sósia e fica obcecado em achá-lo. A produção cinematográfica é estrelada por Jake Gyllenhaal e foi lançada em 2013 [Reprodução/Entertainment One]

Presença na literatura de língua portuguesa

José Saramago permanece presente na literatura de língua portuguesa, sobretudo no que diz respeito ao seu teor crítico. Recorrente em toda a sua carreira, a criticidade varia em escopo e métodos nas obras que o sucederam. O jeito singular de escrever, tanto no âmbito da gramática como do incisivo olhar sob a humanidade, explicita a sua perspectiva do mundo. Mais ainda, ele manifesta suas ideias — e verdades — do ambiente em que vivemos, de quem somos e em que nos transformamos. 

https://www.instagram.com/p/CInSmSkAEhf/?igshid=YmMyMTA2M2Y=

Julián Fuks explica que Saramago é alguém com quem se deseja dialogar, mas não necessariamente pautou a forma de ser da literatura lusófona desde então.  Vencedor do prêmio José Saramago de 2007, Valter Hugo Mãe é um exemplo da continuidade da obra de Saramago, mesmo com uma escrita única. Na ocasião, Saramago referiu-se à escrita de Mãe como um “novo parto da língua portuguesa”. Ao destrinchar questões contemporâneas, o autor angolano tem se destacado como um dos mais marcantes escritores da literatura de língua portuguesa. 

O lado político

Saramago nunca tentou esconder seu viés político em seus escritos. Com uma carreira marcada por denúncias ao capitalismo e ao cristianismo, sobretudo o católico apostólico romano, o escritor esteve filiado ao Partido Comunista Português (PCP) desde 1969 e era declaradamente ateu. Após a Revolução dos Cravos de 1974, que marcou o fim do regime ditatorial em Portugal, ele entrou no Diário de Notícias como diretor-adjunto com o intuito de transformar o jornal em um instrumento para a construção popular do socialismo. 

No início de sua produção literária, Saramago voltava-se para a abordagem de temas históricos e culturais de Portugal. Em Levantado do Chão (1980), o autor discorre sobre a organização popular regional ante as forças opressoras, como os latifundiários e a Igreja. Já em O ano da morte de Ricardo Reis (1984), ele tece uma personagem no plano da história ao abordar a ascensão do fascismo lusitano. Saramago dialoga com o passado para expôr o presente cru. 

“É como se o mundo me incomodasse no sentido mais profundo e eu, através de um romance ou fábula, o deixasse exposto.”


Em Ensaio sobre a cegueira (1995), ele evidencia as crises do ser humano decorrentes de uma sociedade contemporânea capitalista e globalizada. Mais maduro e prestigiado, escancara a discriminação, a exploração e a cegueira generalizada. A reflexão humanística é a herança do escritor no campo narrativo – e fora dele. “Saramago descreve o horror que a nossa sociedade pode assumir, mas, ao mesmo tempo, não se desfaz da humanidade e da possibilidade de alguma esperança”, elabora Fuks.

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