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Observatório | PEC 206 e a cobrança de mensalidades em universidades públicas

A Proposta de Emenda Constitucional 206/2019 reacendeu, na semana passada, o debate acerca das desigualdades no ensino superior público brasileiro. A PEC, de autoria do deputado federal general Roberto Peternelli, versa sobre a cobrança de mensalidades para alunos de renda mais alta nas instituições públicas de ensino superior, e tem o deputado federal Kim Kataguiri …

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A Proposta de Emenda Constitucional 206/2019 reacendeu, na semana passada, o debate acerca das desigualdades no ensino superior público brasileiro. A PEC, de autoria do deputado federal general Roberto Peternelli, versa sobre a cobrança de mensalidades para alunos de renda mais alta nas instituições públicas de ensino superior, e tem o deputado federal Kim Kataguiri como relator. O assunto seria votado na quarta-feira (24), na Câmara dos Deputados, mas acabou sendo retirado de pauta devido a ausência do relator. 

Na terça-feira (31), a votação da PEC foi adiada por tempo indeterminado, resultado de um acordo entre parlamentares do governo e da oposição. Isso significa que ela não está mais em processo de aprovação, mas pode voltar à discussão em algum outro momento. A possibilidade de cobrança de mensalidade foi recebida com repúdio por universidades públicas, que alegaram não ter sido consultadas acerca de um assunto que as atinge diretamente.

A PEC visa a alteração dos artigos 206 e 207 da Constituição Federal. De acordo com a justificativa apresentada no documento legal, “a gratuidade generalizada, que não considera a renda, gera distorções gravíssimas, fazendo com que os estudantes ricos – que obviamente tiveram uma formação mais sólida na educação básica – ocupem as vagas disponíveis no vestibular em detrimento da população mais carente”. Para diminuir essas desigualdades, o texto propõe a instauração de cobrança de mensalidades nas universidades públicas, a fim de que o dinheiro injetado seja revertido em benefícios para alunos de baixa renda dessas instituições e na melhoria da qualidade do ensino superior. 

 

O que é uma PEC?

Uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) é um dispositivo que permite a realização de alterações na Constituição Federal sem a exigência da convocação de uma nova Assembleia Constituinte. No entanto, a proposta apresentada não pode ferir cláusulas pétreas, ou seja, artigos do texto constitucional que não podem ser alterados.

O processo de tramitação começa na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), que avalia se o conteúdo proposto está de acordo com as normas constitucionais. Se for aprovada, ela segue para a Comissão Especial, encarregada de analisar o conteúdo e fazer possíveis alterações. Em seguida, a PEC vai para o Plenário, onde ocorre uma votação em dois turnos. Depois, a proposta segue para o Senado. E Por fim, caso seja aceita, é promulgada no Congresso Nacional.

 

A imagem mostra uma série de cadeiras enfileiradas vistas de cima em cima de um chão azul, em formas circulares. É o Plenário, onde as PECs são votadas.
Imagem do Plenário do Senado. Ao chegar nessa etapa, a proposta é votada em dois turnos. Para ser aprovada deve receber os votos de 49 dos 81 senadores. [Imagem: Agência Senado/Flickr]

PEC 206: o que ela afeta?

Para o deputado federal Kim Kataguiri, a renda obtida com os pagamentos complementaria as despesas da universidade pública. Em entrevista à Jornalismo Júnior, Kim Kataguiri define quem pagaria pelo ensino e defende o estabelecimento de um teto para a cobrança das mensalidades, instituído por meio de lei complementar.

 

“Na lei complementar, eu defendo que o valor seja de cinco salários mínimos per capita. É uma minoria mesmo dos alunos de universidades federais que pagaria, segundo a Associação Nac

Um homem japonês de terno e gravata roxa fala em um microfone pequeno com uma bandeira do Brasil atrás dele. É um dos apoiadores da PEC.
Deputado Kim Kataguiri (União Brasil), relator da PEC 206, ou seja, é responsável por dar um parecer sobre o projeto. [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]
ional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). É claro que isso seria proporcional à renda dos alunos. Mas vamos supor uma cobrança mínima de 500 reais de cada um, já daria uma arrecadação de 100 milhões de reais, que seria bastante significativa para problemas de assistência das universidades.”, diz o deputado.

Apesar dos cálculos do relator, o  texto da PEC ainda não esclarece quem estaria sujeito à cobranças e quanto seria pago em mensalidades. Estabelece apenas a possibilidade de regulamentação por parte das universidades públicas, desde que obedeçam aos critérios que fossem estabelecidos pelo Ministério da Educação. Também, propõe como piso máximo 100% do valor médio cobrado pelas universidades privadas da região e como piso mínimo 50% desse valor.

De acordo com a Agência de checagem de notícias Aos Fatos, desde 1988, ano de promulgação da Constituição, houve oito propostas de emendas constitucionais que tinham como objetivo alterar o previsto no artigo 206 e instituir algum tipo de cobrança nas instituições públicas de ensino superior. No entanto, nenhuma delas foi aprovada. A única alteração na gratuidade do ensino público se deu em 2017, quando uma decisão do Supremo Tribunal Federal passou a permitir que as universidades públicas cobrassem mensalidades em cursos de pós-graduação lato sensu.

 

A PEC, proposta pelo deputado Peternelli, teria se inspirado no exemplo da Universidade Municipal de Taubaté (UNITAU), que cobra mensalidades por seus cursos de graduação. Os valores desembolsados pelos alunos da instituição variam entre R$ 540,00 e R$ 7 mil reais, a depender do curso. Uma reportagem produzida pela BBC Brasil, porém, revelou que, apesar das mensalidades cobradas, a UNITAU enfrentou crises e sofreu cortes consideráveis em seu orçamento ao longo dos últimos anos. De acordo com o reportado pela BBC, a dívida de alunos e ex-alunos alcançou 108 milhões de reais, o que representaria 61% da renda da instituição prevista para 2022. A taxa de inadimplência na UNITAU está em 17%, quase o dobro da média nacional. A universidade tentou recuperar parte dos valores devidos em processos judiciais, e, em 2020, era parte interessada em aproximadamente 15 mil processos de cobrança. 

Um dos argumentos apresentados na justificativa da PEC, é que essa medida contribuiria para a amenização de injustiças sociais. De acordo com o texto, o sistema de tributação, do modo como funciona hoje, acaba beneficiando os mais ricos, que têm mais acesso às universidades devido à melhor qualidade de sua educação básica. Como consequência, pessoas pobres estariam financiando a educação de ricos por meio dos impostos. No entanto, nos últimos anos, essa verdade tem se mostrado apenas parcial. 

Embora o ensino superior brasileiro seja historicamente elitista e excludente, essa realidade vem sofrendo alterações importantes. Muitas delas são consequências de políticas públicas efetivas, como a ampliação e interiorização de instituições de nível superior e a implementação da Lei de Cotas, que nos últimos dez anos vêm contribuindo significativamente para a democratização do ensino público

 

Diversos estudantes de diversas etnias estão com caras fechadas olhando para a direita com placas amarelas em mãos. Há uma placa vermelha na parte inferior da imagem.
Os estudantes de diversas universidades públicas protestaram contra a PEC 206. [Imagem: Reprodução/Twitter/@aduasindicato]

De acordo com os dados do Mapa do Ensino Superior no Brasil, o perfil da maior parte dos graduandos brasileiros, tanto em instituições públicas quanto particulares, é composto pelo sexo feminino, entre 19 e 24 anos, ex-estudantes de escolas públicas e com renda de até dois salários mínimos. Uma pesquisa realizada pela Andifes, em 2018, revelou que para mais de 70% dos alunos de instituições federais de ensino superior, a renda domiciliar per capita não ultrapassa um salário mínimo e meio.

Fábio Waltenberg, economista e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), analisa exemplos de cobrança de mensalidades no ensino superior, e reconhece as limitações da democratização do ensino público brasileiro em um artigo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). O professor percebeu as disparidades no ensino e a necessidade de se pensar alternativas de distribuição de renda nas universidades. No entanto, acredita ser ineficiente a cobrança de mensalidades para resolver esses problemas. Para ele, o mais interessante seria atacar a raiz da questão ao mudar o sistema de tributação brasileiro para taxar os mais ricos, e reverter essa renda diretamente no ensino público, que se manteria gratuito e acessível a todos.

 

 Crítica e apoio ao projeto

A deputada federal pelo PSOL Sâmia Bomfim aponta que a medida não apresenta nenhum aspecto benéfico e discorda da justificativa utilizada: “o autor da proposta desconhece a significativa transformação pela qual passou a universidade pública brasileira com a imple

Uma mulher branca de batom vermelho e cabelos lisos castanhos sorri com uma blusa preta e colar roxo. Ela é contra a PEC
A deputada Sâmia Bomfim (PSOL) é contra a PEC 206. [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]
mentação de políticas de ações afirmativas, não levando em consideração que, hoje, a ampla maioria dos alunos das universidades federais é formada por estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica.”

Para Kim Kataguiri, a principal vantagem da PEC 206 é a possibilidade de aumentar a receita das universidades públicas, as quais ele alega estar em crise, e permitir que essa renda seja revertida em benefício ao aluno. O deputado aponta como possíveis direcionamentos das mensalidades, o financiamento de programas de assistência e de programas de pesquisa e desenvolvimento, que “sofreram prejuízos por conta dos cortes de orçamento”.

 

Um gráfico em azul sobre a PEC 206.
O gráfico evidencia os cortes realizados no orçamento das instituições públicas de nível superior. [Imagem: Reprodução/Twitter/@moreira_uallace]

Já a presidente da União Estadual dos Estudantes do Rio de Janeiro (UEE-RJ), Bell Bezerra, é contra a proposta. “O governo federal tira a verba e a universidade fica cada vez mais sucateada: falta luz, água e, em alguns casos, um campi próprio. A sociedade e os alunos são induzidos a acreditar que a única forma de fazer as coisas melhorarem é injetando dinheiro da iniciativa privada, como era a proposta do Future-se, ou pagando mensalidade, como propõe a PEC 206”.

Um ponto criticado por outros deputados é a abertura que o projeto dá para privatização. Bomfim pontua que embora a proposta não resulte na privatização do ensino, “na prática, é a privatização dos serviços públicos que essas pessoas defendem”. 

Kataguiri negou que as universidades estariam sendo privatizadas. O deputado não acredita que uma privatização pode ocorrer porque a maioria dos alunos, que têm mais poder para eleger o reitor, não pagará a mensalidade. 

O relator do projeto afirmou que existe um ponto negativo na proposta: a operacionalização do sistema de arrecadação e a fiscalização do pagamento, ou seja, quando e como esses pagamentos seriam feitos. Como solução, Kataguiri propõe o modelo australiano, que também foi defendido por alguns deputados. Nesse caso, os custos da graduação só seriam cobrados após a formatura e

Uma mulher parda de cabelos curtos fala gesticulando com as mãos e uma camiseta branca com um simbolo preto redondo ao centro.
Bell Bezerra, presidente da União Estadual dos Estudantes do Rio de Janeiro (UEE-RJ). [Imagem: Reprodução/Instagram/@_bellbezerra]
a partir do momento que este aluno ingressasse de forma efetiva no mercado de trabalho, sendo o valor das mensalidades estabelecidos de forma proporcional à renda adquirida. 

O professor Waltenberg diz que esse modelo e a cobrança de mensalidades apresentam algumas falhas e podem desonerar o Estado. Ao analisar o exemplo australiano, citado por Kataguiri, notou-se que a introdução do investimento privado resultou na diminuição do investimento público.

Bell Bezerra acredita que existem melhores soluções para melhorar a qualidade de ensino e infraestrutura das universidades. Para ela, é necessário “investir nas universidades e na educação básica, valorizar os professores e técnicos, e pensar em uma assistência estudantil para que, depois de entrar, o estudante consiga sair da universidade formado e volte para a sociedade com todo o conhecimento adquirido”.

 

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