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Irã vai em busca de classificação inédita na Copa do Mundo em grupo equilibrado e recheado de tensões

Seleção do Oriente Médio chega para seu terceiro Mundial consecutivo sonhando com classificação inédita em meio a protestos no país

Você sabia que até pouco tempo atrás o maior artilheiro de uma seleção nacional no planeta em jogos oficiais era um iraniano? É isso mesmo! Ali Daei marcou 109 gols em 149 partidas pelo Irã entre 1992 e 2006. Ele só foi ultrapassado no ano passado, por ninguém mais, ninguém menos, do que Cristiano Ronaldo, que fez dois gols contra a Irlanda, pelas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2022, e chegou a 111. Cristiano tem, hoje, 117 gols por Portugal, mas nada disso importa. Um iraniano sustentou esse título por quinze anos, e esse é um dos maiores feitos de um país de pouca tradição no futebol e de tantos empecilhos para que o esporte se consolide socialmente.

Ali Daei fez carreira no Irã e na Alemanha, tendo inclusive atuado pelo Bayern de Munique, e parabenizou Cristiano Ronaldo quando o astro português bateu seu recorde, em setembro de 2021. [Fotos: Reprodução/Twitter @BayernMunchenBR e @revistaseriez]

Crise atual no Irã: protestos e repressão

Atualmente, o Irã sofre com uma crise interna grave. Desde o falecimento de Mahsa Amini, 22, presa por supostamente violar a lei dos costumes iraniana ao utilizar o hijab, vestimenta tradicional islâmica, de uma forma que seria inadequada, uma série de protestos em defesa dos direitos humanos, das mulheres e contra o Estado teocrático ocorrem no país. Várias pessoas já foram presas e outras morreram

O Irã vive sob um regime teocrático islâmico desde a Revolução Iraniana (1979). Ela derrubou, à época, a Dinastia Pahlavi, que perdurava desde os anos 1920, quando um golpe articulado com apoio do Reino Unido pôs fim ao governo vigente e instaurou um novo, nos moldes europeus de Monarquia Parlamentarista. Na prática, era um Estado autoritário e alinhado aos Estados Unidos – ainda que a reforma agrária e o voto feminino, por exemplo, tenham sido implementados.

Frente às oposições secular e religiosa, o Xá fugiu e o Irã tornou-se uma República Islâmica, abolindo a constituição anterior. Desde então, o país já entrou em conflito com os Estados Unidos, guerreou contra o Iraque e lidou com oposição de diferentes vertentes.

Impactos da crise no futebol e o risco de ficar fora do Mundial

O futebol já é, naturalmente, um ambiente machista, e quando isso se alia à interferência do Estado por meio de ações repressivas às mulheres, a situação tende a piorar. No Irã, existe um histórico de proibição à presença feminina em estádios devido à política teocrática. Em 2019, Sahar Khodayari, torcedora do Esteghlal, foi presa ao tentar entrar em uma partida de sua equipe vestida como homem. Como protesto, ela ateou fogo sobre si, gerando uma comoção internacional que chegou até a Fifa. Houve liberações em 2019, em 2021 e em 2022, mas nada definitivo, mesmo após 40 anos.

Diante disso, o grupo de direitos humanos Open Stadiums, que já havia tido papel importante na liberação limitada das mulheres nos estádios, enviou um comunicado à entidade máxima do futebol pedindo o banimento da seleção iraniana da Copa do Mundo, não obtendo quaisquer resultados concretos. O CEO do Shakhtar Donetsk (UCR) também pediu a exclusão, alegando que mísseis e drones iranianos estariam sendo usados pela Rússia na guerra instaurada em território ucraniano desde o início do ano. Ele sugeriu que a Ucrânia ocupasse o lugar do Irã. No dia 31 de outubro, a Federação Ucraniana de Futebol entrou com um pedido na Fifa para que a seleção iraniana fosse excluída da competição.

Em 2019, 3,5 mil mulheres acompanharam a goleada iraniana diante do Camboja, por 14×0, na capital Teerã. [Foto: Reprodução/Twitter@Duarte_Cau]

No que diz respeito à onda de protestos no país, após um silêncio inicial, o atacante e referência da seleção nacional Sardar Azmoun se posicionou nas redes sociais, em apoio aos protestos. Sua publicação foi apagada e ele desmentiu ter sofrido pressões para tal. Majid Hosseini, zagueiro, também compartilhou posts contra a repressão no país. Em setembro, os jogadores da seleção não tiraram o casaco que cobre a bandeira nacional e o símbolo da Federação Iraniana de Futebol ao entrar em campo, indicando uma manifestação velada.

Em adesão a esses protestos, um grupo de atletas iranianos, incluindo Ali Daei (que recusou o convite da Fifa e da Associação de Futebol do Catar para ir à Copa com sua família), enviou, no dia 25 de outubro, uma carta à entidade máxima do futebol solicitando a exclusão da seleção do torneio. A alegação é que a situação envolvendo a segregação das mulheres nos estádios, por exemplo, viola o Estatuto da Fifa. Muitos esperam que o destino do Irã seja similar ao da Rússia e ao de outros países suspensos de competições no passado.

“A FIFA deve escolher um lado. A neutralidade não é uma opção, dado que a FA iraniana não tem sido neutra, mas tem sido mobilizada para fortalecer a opressão e a exclusão sistemática das mulheres no ecossistema esportivo. Basta.” – Trecho da carta dos atletas iranianos à FIFA

“A FIFA deve escolher um lado. A neutralidade não é uma opção, dado que a FA iraniana não tem sido neutra, mas tem sido mobilizada para fortalecer a opressão e a exclusão sistemática das mulheres no ecossistema esportivo. Basta.”

– Trecho da carta dos atletas iranianos à Fifa

Como era de se esperar, não há repercussão recente de protestos na seleção feminina do Irã, o que não a faz menos afetada por essas questões. Além da falta de incentivo, desde 2015 surgem acusações dentro do país, sugerindo que muitas das jogadoras são, na verdade, homens

O Irã em Copas do Mundo

A Copa do Catar será a sexta do Irã. O país asiático está no Grupo B, ao lado de Inglaterra, Estados Unidos e País de Gales. Sua primeira participação foi em 1978, na Argentina, antes de a revolução estourar no país, com eliminação na primeira fase. Devido à instauração do novo regime, a seleção teve que mandar seus jogos em campos neutros, e ficou fora da disputa pelas vagas para as copas de 1982 e 1986. 

O Irã voltou aos mundiais em 1998, caindo na fase inicial novamente, mas conseguindo sua primeira vitória, justamente diante dos Estados Unidos, em jogo cercado de tensões. Em 2006, o Team Melli (Time do Povo) também foi eliminado na fase de grupos; em 2010, em meio a protestos e afastamento dos jogadores, não conseguiu a classificação.

Já em 2014, o Irã caiu novamente na fase de grupos, após três jogos equilibrados. Na última copa, em 2018, a melhor campanha até hoje: quatro pontos, tendo vencido Marrocos, empatado com Portugal e perdido para a Espanha por 1×0. O Irã não passou de fase por um ponto, apenas. 

O caminho até a copa

Depois da campanha positiva de 2018, o Irã se classificou para o Mundial de 2022 em meio a mudanças de comando. Carlos Queiroz, treinador português que dirigia Os Guepardos desde 2011, caiu nas semifinais da Copa da Ásia em 2019 e saiu para que o belga Marc Wilmots comandasse a equipe. 

Após um trabalho curto e apenas 50% de aproveitamento na Primeira Fase de Grupos das Eliminatórias Asiáticas para a Copa do Mundo, o croata Dragan Skočić foi contratado, em 2020. Com ele, o aproveitamento subiu para 85%, o Irã passou da primeira fase e, na segunda, passeou, classificando-se para a Copa com a melhor campanha do futebol asiático e da história do país. Apesar disso, as únicas duas derrotas de Skočić fizeram com que a FFIIRI (Federação Iraniana de Futebol) optasse por sua demissão.

Diante da pressão externa e de divergências no elenco, a FFIIRI voltou atrás seis dias depois, mas uma troca no comando da Federação fez com que Carlos Queiroz (ele mesmo!) fosse chamado, já em setembro, para liderar o Irã em mais uma Copa – meses antes, Queiroz havia fracassado na tentativa de levar o Egito de Mohamed Salah ao Catar. Com o novo-velho líder, foram apenas dois amistosos, com vitória por 1×0 diante do Uruguai e empate em 1×1 com Senegal.

Os destaques!

Alireza Jahanbakhsh

No ano passado, o Feyenoord vetou a participação de Alireza em partidas contra times de Israel, o que já havia acontecido quando ele jogava pelo AZ Alkmaar (HOL). Os clubes temem que uma eventual visita a Israel impessa o atleta de atuar pelo Irã, já que ele é xiita e palestino. Israel e Palestina estão em conflito há décadas. [Fotos: Reprodução/Twitter @Willbird010 e @hatam_daddy1980]

Após uma passagem pela Premier League, Alireza Jahanbakhsh retornou ao futebol holandês, onde já havia se destacado, para jogar pelo Feyenoord Rotterdam. Alireza é ponta-direita de origem, mas pode jogar pela esquerda. É um jogador bem equilibrado, tendo 147 jogos, 43 gols e 37 assistências no Campeonato Holandês. Pela seleção nacional, são 13 gols e seis assistências em 64 jogos. 

Mehdi Taremi

Decisivo. Foi de Taremi o gol da classificação iraniana para o Mundial do Catar, em janeiro, contra o Iraque. [Fotos: Reprodução/Twitter @warriorsofiran e Wikimedia Commons]

Atualmente, Taremi é o principal jogador da seleção iraniana. Técnico e dinâmico, tem 115 jogos, 62 gols e 43 assistências pelo Porto (POR). Por clubes, a média é de 0,75 participações em gol por partida, tendo atuado em diferentes ligas e disputado competições do mais alto nível. Na fase de grupos da atual edição da Champions League, o site de estatísticas Sofascore coloca Taremi como o segundo melhor do torneio, à frente de nomes como Robert Lewandowski e Kylian Mbappé, e atrás apenas de Lionel Messi. Ele tem cinco gols e duas assistências em cinco jogos, além de ser o atleta que mais criou chances claras até então (6). Números de dar inveja a qualquer atacante.

Na seleção, não é diferente: são 60 jogos, incluindo três na Copa da Rússia, com 27 gols e 13 assistências. Atua centralizado, mas também pelo lado esquerdo, já que dentre todos os centroavantes do Irã ele é o mais completo. Taremi é mais do que um 9: é uma das grandes esperanças dos Guepardos para o Mundial.

Sardar Azmoun

Azmoun está lesionado há mais de um mês, e seu prazo de recuperação coincide com o início da fase de grupos. É difícil de acreditar, porém, que Carlos Queiroz abrirá mão do futebol de um dos seus principais jogadores, e o atacante do Bayer Leverkusen estará no Catar. [Fotos: Reprodução/Twitter @prznsoccer e @433]

Hábil fazedor de gols, Azmoun fez a carreira toda no futebol russo, e na temporada passada se transferiu para o Bayer Leverkusen (ALE), onde a concorrência e o nível de competição são maiores. Artilheiro da seleção nas eliminatórias, com 10 gols, e recordista de participações em gol pelo Team Melli dentre os atuais selecionáveis, com 41 gols e sete assistências em 65 jogos, ele é o grande centroavante do Irã para mais uma Copa.

Como joga esse time, então?

Apesar das trocas de treinador, o Irã não perdeu muito da base construída por Carlos Queiroz em seu primeiro trabalho. A seleção iraniana joga com uma linha de quatro defensores, alternando entre dois ou três atletas no meio, cuja função principal é, além de proteger a defesa, municiar os atacantes, que, como vimos, são mortais, mas nem por isso muito móveis.

O retorno de Carlos Queiroz trouxe à tona nomes antigos da defesa iraniana, como Khalilzadeh e Pouraliganji, que podem entrar especialmente em jogos em que a equipe se retraia mais, em uma linha de cinco ou de seis defensores, com recomposição dos pontas. Desses, Jahanbakhsh aparece como opção mais leve, ao lado direito, enquanto Taremi joga da esquerda para o meio, combinando jogadas com o centroavante principal, que costuma ser Azmoun, mas deve começar a Copa sendo o experiente Karim Ansarifard. [Arte: Ricardo Thomé]

É de se imaginar que, para confrontos contra seleções mais poderosas, como a Inglaterra, o Irã tenha uma postura ainda mais retraída, como foi, com certo êxito, diante de Espanha e Portugal na última Copa do Mundo, apostando suas fichas em defesa experiente e na capacidade de finalização de seus atacantes. O contra-ataque iraniano pode ser uma boa aposta, afinal, posse de bola não é o forte dos Guepardos – a média na última Copa foi de 27%, e mesmo no contexto asitático eles estiveram abaixo de 50% em jogos contra adversários a nível mundial. 

O que esperar do Irã na Copa

O Irã começa o Mundial como zebra e definitivamente não é favorito a passar de fase. Mas em um grupo no qual a Inglaterra é franca-candidata à primeira vaga, País de Gales se classificou na bacia das almas e os Estados Unidos estão em formação, não é exagero sonhar com a classificação. Se o coletivo de Queiroz for aplicado com organização, concentração e eficiência, o Team Melli pode avançar para enfrentar o primeiro (caso passe em segundo) ou o segundo colocado (caso passe em primeiro) do Grupo A, que tem Catar, Equador, Holanda e Senegal

Em 2018, o grupo era muito mais difícil e os iranianos ficaram a um gol de conseguirem a classificação. Agora, o confronto contra os Estados Unidos será, acima de tudo o que o envolve, decisivo. Resta saber até onde o Time do Povo chegará e trará um alívio àquele responsável por seu nome, e que hoje tanto sofre.

A Majid, dos Emirados Árabes Unidos, apresentou os uniformes do Irã, 20º colocado do Ranking Mundial da FIFA, para a disputa do Mundial. [Fotos: Reprodução/Instagram @mantosdofutebol.com.br]

Datas, horários e locais das partidas

O Irã estreia no dia 21, em Doha, contra a Inglaterra, às 10h. Depois, enfrenta Gales em Al Rayyan, às 7h do dia 25, e fecha sua participação no jogo mais aguardado, contra os EUA, em Doha, às 16h do dia 29. Os horários estão no Horário de Brasília. A partida ocorrerá simultaneamente a Gales x Inglaterra, como é de praxe em últimas rodadas. O último compromisso dos comandados de Carlos Queiroz antes do mundial terminou em derrota por 2 a 0 para a Tunísia, em amistoso disputado no dia 16 de novembro.

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