A UEFA Champions League teve a sua partida final no último sábado, 28 de maio. A temporada 2021/22, conhecida como “a maior de todos os tempos”, contou com vários clubes de peso, elencos fortes, jogos espetaculares e o principal: muita bola no pé e na rede– ao todo foram 380 gols marcados.
O jogo decisivo tinha tudo para coroar todos os grandiosos momentos emocionantes que o torneio tinha propiciado ao torcedor até então. E dentro de campo, até o fez, mas fora … Em dia de Conmebol, a UEFA conseguiu fazer mais uma lambança na temporada (lembremos que houve um erro no SORTEIO ainda na fase de mata-matas).
Fala-se tanto do “amadorismo” do futebol sul-americano, da falta de segurança, do sistema que não funciona…no sábado a UEFA deu uma aula digna de protestos de Emerson Sheik. A partida foi atrasada em quase quarenta minutos devido aos “problemas de segurança com a entrada de torcedores”. Em outras palavras, a fiscalização na entrada do estádio não funcionou: torcedores sem ingresso invadiram a arena e outros, mesmo com o ingresso em mãos, foram impedidos de entrar à base de gás de pimenta. As cenas dos stewards tentando evitar que as pessoas invadissem o estádio chegam a ser ridículas. Era um segurança tentando conter 20 invasores de uma vez! E quem já jogou bola sabe: defender em desvantagem numérica nunca dá certo!
Em um país com histórico recente de ataques terroristas, em um continente com vários históricos de massacres em estádios, na final do maior torneio de clubes do mundo entre duas das maiores equipes do planeta, é vexatório o que aconteceu nas imediações do Stade de France no sábado. E a UEFA ainda colocou a culpa nos torcedores. No dia em que a França recebia sua sexta final de Champions, a terceira em Saint-Denis, o show de Camila Cabello e a partida foram atrasados por uma questão de segurança que até os estádios do Brasil já fazem: fechar a rua apenas para torcedores com ingressos em mãos.
Dito isso, vamos para as análises (nem um pouco clubistas) de Maria Trombini (Liverpool) e Ricardo Thomé (Real Madrid).
Liverpool
Uma jornada consistente
Eu sabia que Jurgen Klopp tinha um plano. Ao longo de toda a temporada, o técnico demonstrou saber muito bem como contratar, treinar, escalar e modificar o time. Foi sob essa liderança que o time inglês conseguiu chegar às finais da Copa da Inglaterra e da Copa da Liga inglesa, cujos troféus agora residem nas prateleiras de títulos em Anfield. Pela Premier League, os Reds chegaram a 38ª rodada ainda com chances de serem campeões. Porém, a vitória de virada do Manchester City sobre o Aston Villa garantiu a conquista do campeonato ao time de Pep Guardiola com 93 pontos, um a mais que o Liverpool.
O jogo final da Champions League seria o de número 63 na temporada do clube inglês. O desgaste físico do elenco era o maior problema do Liverpool. Em contraponto, o Real Madrid demonstrou ter uma resistência corporal muito superior quando comparado aos adversários que enfrentou anteriormente, principalmente durante a segunda etapa das partidas (dos 45 aos 90 minutos).
Colocando pressão
O desenho tático de Klopp tinha os 11 titulares dispostos em um esquema 4-3-3: Alisson; Alexander-Arnold, Konaté, Van Dijk e Robertson; Fabinho, Thiago Alcântara e Henderson; Mohamed Salah, Luiz Días e Sadio Mané. E funcionou. O Liverpool tinha maior posse de bola e oferecia grande perigo na área dos merengues.
Durante quase todo o primeiro tempo, o jogo do Real Madrid se baseou em defender-se e apostar em contra-ataques liderados por Vinícius Júnior e Benzema. O técnico alemão, porém, parecia ter antecipado esse ponto: Konaté e Alexander-Arnold faziam um ótimo trabalho neutralizando as investidas do brasileiro, enquanto Van Dijk e Robertson continham o francês.
Os Reds tentaram (e muito!). Aos 15’, Salah, dentro da pequena área, tentou empurrar a bola para o gol, mas Courtois fez uma grande defesa. Aos 16’, o goleiro belga pegou o chute de Thiago Alcântara e, aos 17’, o de Salah novamente. Aos 20’, foi a vez de Mané exigir mais uma incrível defesa de Courtois. Enquanto isso, Luis Diaz, pela esquerda, dava pesadelos a Carvajal.
Mesmo com as incessantes investidas inglesas, foram os espanhóis que, a princípio, abriram o placar. Aos 43’, após um confuso bate-rebate em frente ao gol, Karim Benzema consegue fazer a bola entrar. Porém, o gol é anulado pelo VAR (Video Assistant Referee ou Árbitro Assistente de Vídeo ) sob justificativa de um impedimento. Apesar da polêmica do lance, respirei aliviada.
O início do fim
Os times voltaram para o segundo tempo sem alterações. A resistência física dos merengues começava a se caracterizar como uma vantagem frente ao Liverpool, que parecia um pouco menos incisivo durante o começo da segunda etapa.
O gol da partida veio aos 58’. Alexander-Arnold errou. Ao focar em Valverde, que conduzia a bola pela direita, não percebeu Vinícius Jr passando às suas costas. Mesmo sabendo que ele não conseguiria me ouvir, gritei para a tela do computador: “OLHA PARA TRÁS, ELE ESTÁ ALI SOZINHO” A representação da malvadeza recebe o cruzamento do uruguaio e fica livre para empurrar a bola para dentro da rede.
Enquanto assistia à comemoração, só pensava em como era inacreditável que os Reds tivessem sofrido um gol no único momento de falha, após serem bem mais dominantes contra o time espanhol. Experimentava a mesma amargura que os torcedores do Paris Saint-Germain, Chelsea e Manchester City sentiram quando enfrentaram o peso da camisa merengue. O destino mostrava já ter decidido torná-los, mais uma vez, “los reyes de Europa”.
E agora?
Parecia não haver resposta sobre como prosseguir. O Liverpool estava encaixado, oferecia perigo e se defendia bem. Como modificar algo que não apresentava defeitos notáveis? Eu, particularmente, não saberia a resposta. Klopp decide tirar Luis Diaz, já cansado, para a entrada de Diogo Jota, na tentativa de que um jogador diferente no ataque pudesse trazer a inspiração que faltava ao time. O português, assim como o brasileiro Roberto Firmino, integram a dinâmica da partida muito bem. Os Reds continuaram atacando. Salah tentou tudo: chutou com a perna esquerda e direita; de dentro e fora da área; criou jogadas de contra-ataque e trabalhou a bola ao longo do campo. Nenhuma das tentativas superou o gigante que guardava o gol.
O plano tático de Jurgen Klopp não previu uma variável: a noite mágica de Thibaut Courtois. O belga foi, definitivamente, o destaque da partida. O goleiro transformou-se numa verdadeira muralha, impedindo que as nove finalizações ao alvo se concretizassem em gols. Era desesperador para a torcida vermelha assistir ao time, lentamente, cansar-se das diversas tentativas fracassadas.
A técnica de Klopp não foi suficiente para desbancar a trajetória mágica e memorável do time espanhol na competição. Aos 90’+ 5’, o apito do juiz tornava o Real Madrid campeão da Europa pela 14ª vez. Restou a torcida do Liverpool, então, uma última e sagrada tarefa: entoando o hino “You’ll Never Walk Alone”, lembrar aos jogadores e a si mesma de que, apesar da amarga derrota, a caminhada continua e nós sempre estaremos juntos.
Real Madrid
O início do jogo e a formação do Real
Do lado do maior time do mundo, o Real Madrid, o que se viu foi uma equipe muito ciente da sua estratégia desde o início, para confirmar a obra “Liderança Tranquila”, de seu treinador, o inabalável Carlo Ancelotti. Ele, aliás, se tornou o treinador mais vezes foi campeão da Champions (4), além de ter mais dois títulos como jogador e fazer com que o Real tenha o dobro do segundo maior campeão, o Milan (7).
Ao longo de toda a sua campanha no mata-mata, o Real não teve vergonha de ser mais atacado, ter menos posse de bola ou mesmo se preocupou em dar “show”. Afinal, os resultados épicos da equipe madrileña já são um show por si sós. E tudo o que aconteceu no jogo, de Courtois até as circunstâncias, eu já tinha adiantado na live do Arquibancada no Instagram da Jornalismo Júnior na sexta-feira…
O jogo iniciou como previsto e esperado por ambas as equipes. Embora “sofrer” na primeira etapa estivesse dentro do script, o começo de jogo do Real foi um pouco preocupante. No ataque, o time se desenhava num 4-3-3 clássico. Na defesa, um 4-1-4-1 com Courtois; Carvajal, Éder Militão, Alaba, Mendy; Casemiro; Valverde, Kroos, Modrić, Vinícius Júnior; Benzema. Até os 25 minutos, Carvajal sofreu com a dobradinha Luís Díaz e Robertson, o que fez com que Valverde tivesse que recompor numa linha de cinco em eventuais jogadas.
Destaques improváveis
Com o tempo, porém, Carvajal se recompôs, passou a jogar com a raça e a disposição já conhecidas, e a partir dali não se ouviu mais o nome do atacante colombiano até ele ser substituído para a entrada de Diogo Jota, já no segundo tempo. E foi assim com vários jogadores do Real: Militão, que vinha fazendo um péssimo fim de temporada, acabou fazendo um jogo decente, tendo em vista o poder de ataque dos Reds. Toni Kroos, que talvez tenha feito sua pior temporada pelo Real em termos de consistência (sua maior marca) e cuja saída foi providencial nas semifinais para que o time melhorasse, fez um jogo bem inteligente e maduro na tentativa de desafogar a defesa do Madrid.
E o que falar dele? Federico Valverde, o homem que afirmou ao longo da semana que trocaria sua esposa pelo título da Champions (e tá errado?) e recebeu uma invertida bonita da moça, que disse que daria Fede em troca de uma Libertadores para o River Plate (também correta!).
Para quem pedia Rodrygo de titular, pode ter se impressionado com a atuação de Valverde. O uruguaio estava em todos os lugares! Recompunha a defesa, voltava pra ajudar na saída de bola, atacava o espaço como ponta e acabou sendo coroado com uma assistência (mas isso nós deixamos para depois). Foi talvez uma das melhores partidas dele pelo Real Madrid, mostrando que ele pode ser muito mais do que um “bom jogador tático” e que o futuro do meio campo do maior campeão europeu está em ótimos pés.
Thibaut Courtois: uma muralha
Bem, saindo daqueles sobre os quais muitos tinham ressalvas, vamos falar daqueles que já são exaltados, mas que conseguiram ir além do imaginável, além do possível. E fala-se aqui de um belo e esbelto belga cuja cara credita confiança: Courtois, caros. Nem Carlo crê no jogo que ele fez. E aqui aborda-se apenas o primeiro tempo.
Aos 15′, numa jogada de Alexander-Arnold pela direita, o grande guerreiro revanchista Salah finalizou e Courtois foi buscar. Minutos depois, aos 20′, o maior dos milagres da primeira etapa. Em jogada individual, Mané bateu forte no canto direito de Courtois. Ele alcançou, a bola bateu na trave e não entrou. A partir dali, o Real passou grande parte do jogo tranquilo, dentro de sua proposta e buscando, sempre que recuperava a bola no campo de defesa, os lançamentos para Vini Jr. O “Malvado” teve marcação dobrada de Konaté (que diga-se de passagem fez um grande jogo) e Alexander-Arnold, o que dificultou suas ações no campo de ataque.
LiVARpool?
Numa escapada pela esquerda, aos 43′, o VAR apareceu para impedir que Karim Benzema, o Bola de Ouro desta temporada (qualquer coisa fora disso será um delírio total da France Football e da FIFA), quebrasse o recorde de gols em uma única edição de mata-mata da Champions, que hoje é dividido pelo francês com o Cristiano Ronaldo de 2016/17, ambos com 10 gols. Como bom ronaldete que sou, isso até me alivia, mas o gol de Karim foi mal anulado. Em lindo lançamento de Alaba, o atacante recebeu, tentou cortar Alisson, rolou a bola para trás, Valverde dividiu, a bola tocou em Konaté e em Fabinho e sobrou para Benzema, a frente do penúltimo defensor, mandar para as redes.
A questão é que o VAR interpretou os dois toques intencionais dos jogadores do Liverpool como meros desvios. Desvios? O Fabinho dá um carrinho. Ele toma uma ação deliberada, ele quer tocar na bola. Se para a cabine, que nem chamou o bom árbitro Clément Turpin para ver o lance (sendo que normalmente lances interpretativos cabem à interpretação do árbitro de campo), não foi isso, perdão, o desvio desvairado daqueles que desviram a disputa, deve ser revisto. Ao menos isso não alterou o resultado final.
Dentro do previsto: mortal no segundo tempo e campeão mais uma vez
Segundo tempo. Já sabia-se que o “Real Madrid time” chegaria em algum momento. Só não dava pra saber se seria aos 44’, aos 45’ ou aos 50’ e se o Rayo teria que ser acionado. A força do preparador físico Antonio Pintos, o mesmo da Era Zidane, faria a diferença e aquele momento chegaria. E chegou! Aos 14’, no primeiro lance de perigo da segunda etapa, Casemiro acionou Valverde. Ahh Valverde! Como jogou esse garoto romântico. E como correu! “Parece que tem dois pulmão”, diria o outro. Valverde avançou com velocidade e voracidade e viu Vini, que venceu Alisson e voou nos braços da nação Madridista fazendo 1×0.
Daquele momento em diante, começava a saga do Liverpool e da sua estrela Mohamed Salah para vencer o invencível Thibaut Courtois. Aos 19’, ele cortou para dentro, bateu e o belga fez uma defesa dificílima parecer fácil. Aos 24’, idem. Aos 33’, em uma bola rebatida por Jota, que mudou de direção, ele pegou de novo. E aos 37’, mais uma. E foi a partir deste lance, de um chute de Salah para mais um milagre de Courtois, que o Liverpool e o egípico parecem ter olhado para os céus e falado: “tá bom, hoje a gente não vai fazer gol. Eu desisto!”. Depois disso, a jogada mais perigosa dos Reds foi um destempero de Fabinho que lhe rendeu um cartão amarelo.
Ainda deu tempo doReal Madrid desperdiçar dois contra-ataques de irritar o torcedor, um com Benzema (que deve ter recebido um pix do CR7 pra não fazer gol, porque ele nem tentava mais) e outro com Dani Ceballos (o cosplay que ele fez de Zé Rafael na final do mundial foi brincadeira!) antes que o francês apitasse para decretar “La Catorce” oficialmente. Marcelo, o maior campeão da história do time merengue, com 25 taças erguidas, duas a mais do que a lenda Paco Gento, foi também o primeiro brasileiro da história a erguer um troféu de Champions League como capitão. Após o jogo, o Twelve revelou, emocionado, à brilhante Tati Mantovani, da TNT Sports, que vai sair do Real Madrid. Foi uma história linda do melhor e mais fantástico lateral esquerdo que eu vi jogar.
Courtois fez a maior atuação de um goleiro em uma final de Champions. Mais defesas, mais defesas difíceis e a chancela de melhor do mundo na posição na atualidade. Carter Batista, da popular página essediafoilouco, foi feliz ao dizer que “Se ontem tivesse caído outro meteoro daqueles que extinguiu os dinossauros há 65 milhões de anos, o Courtois teria espalmado e salvado toda a humanidade”. E é um fato! Até o Salah concorda. Foi lindo de ver e de vibrar junto aos outros jogadores. Lembrou até Weverton contra o River.
Faltou também citar alguns jogadores: Alaba fez uma partida simplesmente espetacular, na defesa e no ataque. A qualidade técnica dele faz muita diferença. Modrić foi mais discreto mas jogou bem no segundo tempo. Mendy fez o dele dentro do que é possível para marcar Salah. Casemiro foi muito bem defensivamente e aos poucos se acertou com a bola nos pés. Dos que entraram, Camavinga foi muito bem para mais uma vez renovar o meio, Rodrygo teve pouco tempo em campo apesar da grande importância na campanha e o Ceballos eu nem comento…dava pra dar uns minutos para o Marcelo, né, Ancelotti? Ou para Bale, Hazard, Mariano Díaz!! Calma, me empolguei…
Catorze vezes Real Madrid
“Jürgen Klopp tinha um plano”. Tinha. Verbo irregular, transitivo direto. Pretérito imperfeito. E esta foi a base para o que se viu na noite mais longa do que se previa no Stade de France. O plano de Klopp era perfeito. O time do Liverpool era perfeito. Mas o Real Madrid…ah, o Real Madrid! Ele é imperfeito. Ele se agarrou às suas imperfeições, e a partir delas foi se superando a cada etapa de sua jornada até a sua glória. E em Saint Denis não foi diferente: o maior campeão europeu teve menos posse de bola e finalizou oito vezes menos. Para muitos, jogou até pior. Mas isso foi a marca da campanha do Real Madrid. Sofrer na primeira parte, seja ela um primeiro jogo, ou um primeiro tempo, e resolver na segunda. Quando a Tati perguntou ao Rodrygo e ao Vinícius Júnior, animadíssimos após a derrota por 4×3 para o City, qual era a porcentagem de chance de reversão, a resposta foi simples: “100%. Esse é o nosso lema e no Real Madrid temos que lutar até o fim por essa camisa”.
E foi assim, pela mente de Ancelotti, pelas mãos de Courtois, pelos pulmões de Valverde e pelos malvados pés de Vinícius, que o maior time do mundo moldou seus milagres de modo a, merecidamente, mirar mais uma meta, e arrematá-la à la Madrid. Ou melhor, ¡Hala Madrid!
Imagem destaque: Reprodução / Twitter Real Madrid