Jornalismo Júnior

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Casais gays no cinema mainstream e a falta de finais felizes

PARECE QUE NEM TODOS PODEM TER SAPATINHOS DE CRISTAL, BORBOLETAS NO ESTÔMAGO E UM FELIZES PARA SEMPRE

A doce Kate é uma jovem que trabalha em uma lanchonete e derruba, sem querer, um pouco de café na camisa de John, um grande empresário. Eles trocam o número de telefone, saem para jantar em um lugar especial e na volta para casa a chuva deixa as luzes da cidade mais brilhantes. Eles se beijam naquele cenário deslumbrante e passam por mil reviravoltas, mas no fim se casam porque percebem que um não vive sem o outro. À exceção de alguns detalhes, esse é o roteiro clichê de um romance típico de Hollywood, até os mais realistas se deixam levar um pouco pela atmosfera mágica que esses amores do cinema inspiram. Entretanto, no romance típico hollywoodiano, não só a fórmula de uma paixão que surge do nada e vira o tudo na vida dos personagens se repete, geralmente é indissociável que se trate de uma história entre duas pessoas brancas, norte-americanas ou europeias e estritamente heterossexuais. Por mais que na modernidade os resultados dos esforços das minorias por representação nas telas do cinema estejam caminhando de forma vagarosa, com maior inclusão de personagens negros, latinos, asiáticos e pertencentes à comunidade LGBTQIA+, as maiores referências de romances gays no cinema mainstream ainda têm o mesmo final, a iminente infelicidade.

Mesmo com todos esses problemas, o Cinéfilos questionou 23 jovens estudantes que vivem no Brasil, 22 entrevistados responderam acreditar que filmes de romance influenciam nas expectativas amorosas das pessoas; à segunda pergunta, 17 responderam que produções do gênero influenciam nas próprias expectativas amorosas. Diante do cenário no qual parece ser inconcebível que um casal homossexual possa viver paixões bem-sucedidas — como as de algumas das personagens de Julia Roberts —, fica o questionamento: quando a comunidade vai ter mais finais felizes nas telonas? 


O clube dos corações partidos

Jack Twist (Jake Gyllenhaal) e Ennis Del Mar (Heath Ledger), Elio (Timothée Chalamet) e Oliver (Armie Hammer), Chiron (Trevante Rhodes e Ashton Sanders) e Kevin (André Holland e Jharrel Jerome): se você, leitor, assistiu a algum desses filmes e reconhece os personagens, provavelmente vibrou com cada momento romântico deles e esperava que eles conseguissem driblar os problemas de suas realidades e vivessem em um conto de fadas pelo menos no momento final de cada um desses longa-metragens. Em O Segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain, 2006) Jack morre, Oliver vai embora em Me Chame Pelo Seu Nome (Call Me By Your Name, 2015) e a relação de Chiron e Kevin não se aprofunda durante os 110 minutos do vencedor do Oscar de Melhor Filme, Moonlight: Sob a Luz do Luar (Moonlight, 2015).

Um homem e um jovem se cumprimentando e sorrindo na frente do mar
O mais mágico da relação entre Elio e Oliver é o cenário em que se ambienta a história. [Imagem: Divulgação/Sony Pictures]
Além do final desesperançoso, os filmes se assemelham pela aceitação entre a crítica e público, que alcança audiência além da bolha LGBTQIA+. Também, os três possuem bilheterias superiores a 40 milhões de dólares e múltiplas indicações ao Oscar, incluindo a categoria de Melhor Filme. Um telespectador atento que assistiu a cada uma dessas produções pode inferir a existência de um padrão: para se fazer um filme de sucesso com temática gay, necessariamente ele deve ser melancólico e carnal.

Existe pouco espaço para alusões que se aproximam dos contos de fadas nos roteiros desses três filmes. Brokeback Mountain e Moonlight mostram personagens de realidades sociais desfavoráveis e famílias disfuncionais; o último, ainda, trata da vivência negra na periferia dos Estados Unidos. Me Chame Pelo Seu Nome pode ser citado como o único que foge à regra, pois se passa em uma realidade elitizada, com a graciosa casa de férias da abastada família de Elio como cenário. Ainda assim, essa diferença é mínima para o desenvolvimento amoroso dos protagonistas e seu desfecho semelhante.

O jornalista e criador de conteúdo Marcel Nadale, dono do canal no YouTube que foca em produções culturais e estilo de vida LGBTQIA+, afirma que filmes sobre romances gays têm uma relevância gigante entre o público do canal, majoritariamente homossexual. Ele explica que talvez tais produções cinematográficas tenham até mais impacto entre a comunidade LGBTQIA+ pela falta de referências no convívio social da maioria dos membros.

A falta de modelo a seguir na realidade, somada ao fato de as representações cinematográficas mostrarem apenas o lado mais triste de viver um amor não-hétero, indubitavelmente pode afetar as escolhas pessoais dos homossexuais, além de tais paródias terem o poder de promover o afastamento de expressões românticas do grupo. Com isso, parte da sociedade continua a ter base para a manutenção de estigmas que marcam a comunidade gay como promíscua e descompromissada, sem profundidade suficiente para viver um amor “eterno” nos moldes mais clássicos, segundo os parâmetros de Hollywood.


Por trás da representatividade

Os Estados Unidos é sem dúvidas o maior produtor e exportador de longas-metragens, é quase indissociável falar de cinema sem lembrar do glamour de Hollywood e de seus milhares de estereótipos. A divulgação de roteiros racistas e misóginos acompanha a história do país, que há menos de 60 anos vivenciava um período de segregação racial, cujo deixa até hoje seus vestígios na sétima arte. Com a comunidade LGBTQIA+ não é muito diferente, uma vez que até 2003 as práticas sexuais consentidas entre pessoas do mesmo sexo ainda eram criminalizadas em alguns estados norte-americanos. 

Em 2005, dois anos depois da revogação das Leis de Sodomia, Brokeback Mountain, uma trágica história de amor entre dois caubóis de Wyoming, é lançada com polêmicas desde o início de sua promoção. Alguns pôsteres de divulgação foram acusados de promover o straightbaiting, prática utilizada para vender uma imagem heterossexual de uma produção a fim de atrair mais espectadores. O fim do circuito de promoção da obra também foi marcado por problemas, uma vez que a perda do longa na categoria de “Melhor Filme” para Crash – No Limite (Crash, 2004) no Oscar de 2006 até hoje é citada como injusta e motivada pela homofobia da Academia na época.

Pôsteres que promovem o “straightbaiting” de Brokeback Mountain. [Imagem: Divulgação/Pathé Distribution]
A pouca inspiração de grandes estúdios para compor finais felizes em filmes de romance que não tenham personagens heterossexuais como protagonistas pode levar a um debate em que é crível a hipótese de que as produções querem vender a ideia da impossibilidade de ser feliz ao se viver romances gays. Ao não compartilhar dessa ideia, Nadale sustenta que os filmes mainstream gays seguem uma demanda da própria comunidade, que tem em sua vivência problemas mais urgentes para serem representados e discutidos. Ele acha responsável que alguns temas, por mais que angustiantes, sejam retratados em cena, usando como exemplo o caso de homofobia fatal em Brokeback Mountain, o qual se aproxima da veracidade, tendo como pano de fundo o Oeste dos EUA da década de 60.

Apesar disso, o criador de conteúdo crê que as próprias expectativas amorosas diferiram das quais lidou durante sua vida caso fosse heterossexual. Ele percebe o privilégio dessa população em ter no cinema várias frentes para retratar uma história entre pessoas apaixonadas, das mais convencionais as menos. Essa chance de se ver de várias formas, segundo Marcel, ajuda a manter a ideia da heterossexualidade como padrão amoroso. 

 

Em busca de outros finais felizes

A maioria dos lindos romances gays do cinema podem não terminar juntos, mas não há motivo para perder as esperanças e achar que o seu futuro amoroso vai ser triste porque o Elio, com quem você tanto se identifica, está afundado em desilusão. Marcel Nadale pontua que a representatividade não é um espelho, mas um prisma de espelhos: a complexidade da composição de uma personalidade não pode se limitar a uma representação, mas a várias. Desse modo, é preciso lutar pela ascensão de minorias para que seja possível que elas sejam retratadas e se vejam em diversas situações, não só nos locais comuns estigmatizantes.

Para fugir desse tipo de limitação, Nadale recomenda que haja uma busca mais ampla sobre as obras cinematográficas LGBTQIA+, saindo do óbvio de filmes de somente romances gays e produzidos pelos grandes estúdios hollywoodianos. Porém, como dito no início, atualmente existe uma mobilização lenta na indústria do cinema norte-americana, que com toda sua influência tem sido um espaço fomentador de debates e pode ser um aliado ainda mais potente no combate à homofobia, se acatar a diversidade de modo plural.

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