Por Nelson Niero Neto
Minha primeira lembrança do futebol é um jogo no Morumbi, São Paulo e Internacional de Limeira, pelo Campeonato Paulista, em maio de 1999. Não lembro de muitos detalhes, mas o momento que Raí foi substituído e se aproximou da torcida para jogar sua camisa para algum sortudo é muito nítido em minha memória. A segunda lembrança, também dessa época, envolve Rogério Ceni.
A Penalty, fornecedora do material esportivo do São Paulo naquela ocasião, havia feito para o goleiro artilheiro uma camisa com o desenho de uma caminhonete que tinha como motorista, claro, o próprio Rogério. Aquilo foi demais para um garoto de cinco anos e ainda hoje lembro como insisti minha mãe para que comprasse para mim – mostrando para ela, inclusive, o álbum de figurinhas do Campeonato Brasileiro de 1999: Rogério usava uma camisa de treino na foto, e eu ressaltei dezenas de vezes que NÃO era aquela camisa cinza comum que eu queria, e sim a da caminhonete! Certo tempo depois, ganhei a camisa e uma relação de respeito e carinho pelo maior jogador da história do São Paulo Futebol Clube começou para mim.
Na última sexta-feira, fui à despedida de Rogério no Morumbi. Uma homenagem à altura de sua história no clube tricolor, com cerca de 60 mil presentes, arquibancadas forradas de bandeiras de mastro e sinalizadores – proibidos em jogos oficiais – shows de bandas e, o principal, um amistoso entre o elenco bi-campeão mundial do São Paulo (contra o Barcelona em 1992 e contra o Milan em 1993) e o time de 2005, campeão do mundo em cima do Liverpool.
É difícil descrever o que senti. Desde que comecei a entender o que era um jogo de futebol, Rogério estava lá, defendendo o gol do São Paulo. Grande parte da minha paixão pelo time se deve a esse craque, o qual dedicou 25 anos de sua vida para defender um mesmo clube e, por ele, fez 1237 jogos.
Sempre ao assistir a um jogo, olhava para o gol e tinha certeza que ali estava um cara que amava o São Paulo tanto quanto eu e faria de tudo para ganhar aquela partida. Tinha certeza que ele era tão torcedor quanto eu, que estava na arquibancada. Mesmo quando o time jogava mal, ou não tinha garra suficiente, eu sabia que pelo menos um jogador entre os onze estava totalmente comprometido e dedicado à camisa de três cores. Rogério sabia que a vitória do São Paulo muda o dia seguinte de quem está na arquibancada, porque também muda para ele. Isso dava um sentimento de confiança e de estar sendo representado. Identificação do ídolo com sua torcida, uma das coisas que Rogério fez melhor. Agora, pra quem vou olhar quando o time estiver perdido em campo ou aparentemente estar fazendo corpo mole?
Sexta-feira, muitos jogos e momentos me vinham a mente enquanto o amistoso acontecia. Para começar, Raí estava em campo, o que já emocionava e fazia lembrar daquele primeiro jogo, com meu pai, onde comecei a ser são paulino. Mas as lembranças que envolviam o protagonista da noite eram as mais fortes. Lembrei de jogos marcantes e das inúmeras vezes que pude comemorar uma defesa ou um gol do Mito. Lembrei das vezes que chorei com ele, pois a derrota também faz parte do jogo.
Não sei como será daqui para frente. Nenhum jogador é maior que um clube e a vida segue, mas é algo que vai muito além de como o São Paulo seguirá a partir de agora. É uma questão pessoal. Meu jeito de olhar o futebol mudará. O sentimento é de tristeza e desesperança, mas também fica a admiração pela carreira brilhante e a lembrança de uma despedida em ritmo de festa. Nunca mais verei um jogador como Rogério Ceni.