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O que é verdade?

Em 14 de fevereiro de 1916, Henning Albert Boilesen nasceu em Copenhague, Dinamarca. Em sua terra natal, conheceu uma brasileira com quem se casou. Em 1942, veio morar no Rio, depois fixou-se em São Paulo. Tinha diploma em administração e contabilidade e, assim, começou a trabalhar na Ultragaz. Uma década depois, tornou-se presidente da empresa …

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Em 14 de fevereiro de 1916, Henning Albert Boilesen nasceu em Copenhague, Dinamarca. Em sua terra natal, conheceu uma brasileira com quem se casou. Em 1942, veio morar no Rio, depois fixou-se em São Paulo. Tinha diploma em administração e contabilidade e, assim, começou a trabalhar na Ultragaz. Uma década depois, tornou-se presidente da empresa e, consequentemente, um dos homens mais influentes da política nacional. Essa era a visão que todos tinham de Boilesen: um respeitável homem de família com talento para os negócios. Porém, por trás dessa personalidade havia uma outra que durante muito tempo foi escondida.

Boilesen foi um dos muitos empresários que financiaram a Operação Bandeirante (Oban) da Ditadura Militar no início dos anos 70. Além disso, participava das torturas executadas pelo Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), sendo responsável pelo avanço nas técnicas de tortura utilizadas pelos militares. É esse outro lado que é explorado por Chaim Litewski, no documentário Cidadão Boilesen (Brasil. 2009.).

Boilesen ao centro na primeira foto e estirado morto em uma calçada, na segunda

O filme chegou aos cinemas brasileiros em 2009, mas já havia percorrido e ganhado diversos festivais, como o renomado Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade. É com maestria que o diretor utiliza o caso do assassinato de Boilesen como gancho para expor a participação da alta sociedade e do empresariado brasileiro na máquina de tortura que foi a Ditadura Militar.

Isso é feito a partir de uma restrospectiva biográfica, na qual Litewski procura explicitar que esses traços de violência e sadismo sempre foram existentes na personalidade de Henning Boilesen. Porém, foi no Brasil que ele encontrou as condições perfeitas – dentro do regime militar – para agir em função dessas características.

O longa traz depoimentos da família do dinamarquês, como o de seu filho que até hoje não acredita na participação do pai na Ditadura. Também conta com o militar reformado Brilhante Ustra que afirma que, durante o período que administrou o DOI-CODI na década de 70, a única vez que Boilesen foi ao Destacamento foi para lhe desejar um feliz natal – e nunca para tomar parte das torturas.

Outro personagem que merece destaque é o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que, felizmente, mostra mais seu lado acadêmico do que político em seus depoimentos. Pessoas que foram torturadas por Boilesen e que foram grandes responsáveis por revelar que ele atuava no DOI-CODI também foram entrevistadas.

Atualmente, o documentário percorre circuitos menores, como a mostra gratuita “Cinema pela Verdade”, que nos meses de maio, junho e julho esteve em 81 universidades nacionais, dentre elas a Universidade de São Paulo (USP). A proposta é utilizar o cinema para fomentar discussões em torno da memória do período ditatorial. Além do longa de Litewski, outros filmes de mesma temática fazem parte do minifestival, como Uma Longa Viagem (Brasil. 2011.) (Leia mais sobre o filme neste link) e Hércules 56 (Brasil. 2006).


Na semana de 25 de junho, o Cinusp Paulo Emílio recebeu a mostra e o Cinéfilos participou da exibição de Cidadão Boilesen seguida de uma conversa com o Professor Doutor Douglas Ferreira Barros. Ele leciona no departamento de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP) e participou de debates em torno do livro O que Resta da Ditadura: a Exceção Brasileira (TELES, Edson. SAFATLE, Vladimir. Boitempo, 2010).

Dentre os diversos aspectos do filme que foram tratados por Douglas Barros, o mais intrigante foi a relação que nós, como brasileiros, temos com o regime militar e as verdades referentes a ele que ainda permanecem escondidas. Ele reforça que a Comissão da Verdade, que foi recentemente estabelecida, é o primeiro passo para que a busca pela verdade dê frutos, porém diz que é apenas um começo.

O professor caracteriza a lembrança do período de 1964 a 1985 como uma assombração. “A maioria daqueles que participaram, tanto de um lado quanto do outro, se escondem atrás da Lei de Anistia. Outros, que perderam família e amigos, exigem que haja punição”. Ele ressalta que em Cidadão Boilesen essas várias formas de lidar com o que foi a Ditadura são mostradas.

É a partir da presença da pluralidade de personagens que atuaram no período militar que diversos questionamentos são levantados (e não necessariamente respondidos). Além disso, os relatos permitem que o público entre em contato com figuras chave do desenrolar não só da narrativa de Boilesen quanto do momento histórico no qual ele estava inserido.

Douglas Barros destaca o enigmático depoimento de Carlos Eugênio da Paz. Ele foi guerrilheiro e hoje é professor de música no Rio de Janeiro. Também foi um dos assassinos de Henning Boilesen: no dia 15 de abril de 1971, juntamente com outros militantes da Ação Libertadora Nacional (ALN), cercou o presidente da Ultragaz em São Paulo e, friamente, apontou-lhe uma metralhadora e puxou o gatilho.

Tirar a vida de alguém porque este alguém é culpado por outras mortes é justificável? E como é acordar todos os dias sabendo que suas mãos foram responsáveis pelo derramamento de sangue de outro homem? A Lei de Anistia foi a melhor solução? Que tipo de justiça a Comissão da Verdade busca?

E, finalmente, o que é verdade?

Fotos: Divulgação

Letícia Sakata
let.sakata@gmail.com

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