por Carolina Ingizza
carol.ingizza@gmail.com
Ao pensarmos nos grandes nomes do cinema mundial, imaginamos frequentemente diretores ocidentais. Nomes como Coppola, Kubrick e Hitchcock sempre surgem em nossas mentes, mas ignoramos todos que não seguem o eixo estadunidense, como, por exemplo, os cineastas orientais. Dentre eles, devemos destacar Akira Kurosawa, que inovou o cinema japonês e influenciou produções cinematográficas ao redor do mundo.
Biografia
Kurosawa nasceu no Japão em 1910, era o oitavo filho de uma família que descendia de samurais. Seu pai era forte entusiasta da cultura ocidental, mostrando sempre os filmes que eram lançados aqui. Uma de suas grandes inspirações para o cinema foi seu irmão mais velho, que trabalhava como narrador de filmes mudos no começo do século XX.
Akira era ligado ao mundo artístico desde cedo. Antes de se envolver com o cinema, estudou para ser pintor. Esse passado ligado às artes foi transportado para seus filmes por meio dos storyboards – sequência de desenhos que representam a maneira com que o diretor pretende filmar cada quadro- que ele desenhava das cenas que iria filmar. Também percebemos a importância que os grandes clássicos literários mundiais exerceram sobre sua obra, que era frequentemente baseada nas peças de Shakespeare.
Aos 26 anos de idade, em 1936, começou a trabalhar como diretor assistente. Foi nesse período que recebeu um conselho que transformaria toda sua obra. O diretor a quem assistia, Kajiro Yamamoto, disse que para ser um bom diretor ele deveria também escrever seus próprios roteiros. Assim, já em 1943, produziu o seu primeiro longa sozinho, A Saga do Judô (Sanshiro Sugata). Ao longo de seus cinquenta anos de carreira, realizou mais de trinta obras, tendo sido autor ou co-autor da maioria delas. Ainda trabalhando na direção e produção de obras, morreu em 1998.
Herança para o cinema
Em 1950, dirigiu Rashômon (Rashomon), o filme que o alçou à fama mundialmente, pois levou o prêmio máximo no festival de Veneza e ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, sendo refilmado nos Estados Unidos como o longa Quatro Confissões (The Outrage, 1964). Assim, ele introduziu o gênero Samurai (Chanbara) à sétima arte, consolidando-o no longa de 1954 Os Sete Samurais (Shichinin no Samurai, 1954), também regravado por estadunidenses.
Além de Os Sete Samurais, o cinema norte-americano foi fortemente influenciado por Kurosawa. Seu filme A Fortaleza Escondida (Kakushi-toride No San-akunin,1958), foi utilizado por George Lucas para a construção de Star Wars. Já o longa Yojimbo – O Guarda Costas (Yôjinbô, 1961), inspirou desde o faroeste Por um Punhado de Dólares (Per un pugno di dollari,1964), até Kill Bill (Kill Bill, 2003).
No filme Cão Danado (Nora Inu, 1949), ele filma a história de um policial novato em busca da manutenção do seu emprego, trabalhando a relação entre o jovem e um comandante experiente da polícia. Esse tipo de dinâmica entre policiais foi importado pelo cinema dos Estados Unidos, como no filme Seven – Os Sete Pecados Capitais (Seven, 1995).
No que tange aos aspectos técnicos, Kurosawa era conhecido por utilizar as transições wipe (um fotograma é substituído lateralmente por outro), muito comuns na obra de George Lucas; e também pelo seu uso das cores. Em seus filmes, a cor, e não a forma, ditava o conteúdo expressivo. Ele dizia que em vez de tentar reproduzir exatamente o que tinha diante dos olhos, ele usava a cor mais arbitrariamente, de forma a se expressar de maneira vigorosa.
Curiosamente, o diretor era criticado no Japão por ser considerado ocidental demais, apesar de ser um sucesso de público. Já no ocidente, além de inspirar grandes clássicos do cinema, ele foi um dos principais cineastas que difundiu a cultura japonesa, expondo características culturais e históricas de seu povo. Além do seu caráter nacionalista, Akira Kurosawa merece ser visto por ter produzido uma obra que transcende culturas e retrata as mais profundas questões humanas.
Os Sete Samurais (Shichinin no Samurai, 1954)
O épico de Kurosawa, com o maior orçamento do diretor até então, revolucionou ao utilizar aspectos tradicionais de filmes de ação e ao criar novos. Foi um dos primeiros filmes a apostar em um grupo de anti-heróis como protagonistas, o que influenciou os faroestes a criarem heróis com a moral dúbia, como ocorre nos spaghetti westerns de Sergio Leone. Com mais de três horas de duração, sem ser cansativo, o longa consegue desenvolver todos os seus personagens importantes, graças ao roteiro coeso.
A história acontece no Japão do século XVI, quando os samurais já não eram tão valorizados e muitos deles já estavam sem mestre (conhecidos como Ronin). Uma vila era um constante alvo de ataques de bandidos, que roubavam toda a colheita. Numa tentativa de defesa, os chefes do vilarejo contratam alguns ronins.
Sete samurais, sem dinheiro, liderados por Kambei (Takashi Shimura), concordam em ajudar os moradores a treinarem em troca de comida e abrigo. Em seguida, o filme trabalha a relação de aceitação dos guerreiros pelos membros da vila e o processo de adaptação dos Ronins no novo ambiente.
Por conta da abundância de tempo, o primeiro ato do filme consegue construir bem cada protagonista, o que nos permite conhecer e identificar as principais características de cada samurai. Dentre eles, quem mais se destaca é, sem dúvidas, Kikuchiyo, interpretado por Toshiro Mifune (ator que realizou diversos filmes como Kurosawa). O personagem destoa dos outros seis, por apresentar uma veia mais cômica e por ser um anti-herói mal-educado, mas bondoso.
O ponto alto do longa é a grande batalha final entre os camponeses e samurais contra os saqueadores. Filmada sob a chuva, com uma montagem precisa, alternando diversos ângulos de um mesmo acontecimento, com o uso de câmera lenta e com interpretações ideais. Toda a sequência evidencia as habilidades de Kurosawa como diretor, pois criou quase uma coreografia na ação.
Além da técnica, o filme consegue se perpetuar por ser sobre uma história profunda, com várias nuances e reflexões (há vencedores em uma batalha?), focando nos aspectos psicológicos de seus personagens e na relação existente entre eles. É tão impressionante que as três horas são imperceptíveis, devido a relevância de tudo que nos é mostrado durante a obra.
Confira o trailer de Os Sete Samurais: