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O admirável nordeste de Zé Ramalho

Em 3 de outubro de 1949, na pequena cidade paraibana de Brejo do Cruz, nasceu o mais libriano dos nordestinos: José Ramalho Neto. Filho de uma professora e de um seresteiro, Zé teve de quem puxar a veia artística e social de sua música. Ainda pequeno, passou a ser criado por seu avô, pois, seu …

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Em 3 de outubro de 1949, na pequena cidade paraibana de Brejo do Cruz, nasceu o mais libriano dos nordestinos: José Ramalho Neto. Filho de uma professora e de um seresteiro, Zé teve de quem puxar a veia artística e social de sua música. Ainda pequeno, passou a ser criado por seu avô, pois, seu pai morreu afogado em uma represa.

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Imagem: Divulgacão.

Quando menino, compunha versos de cordel. Já crescido, mudou-se com sua família para a capital João Pessoa, onde conheceu a Jovem Guarda. Foi misturando o estilo de som feito por Roberto e Erasmo com a força do sertão que Zé Ramalho construiu sua música. Seu primeiro filho nasceu em 1974, um ano antes dele participar, como instrumentista, do álbum “Paêbiru”, com Lula Côrtes, ainda na Paraíba. A gravação desse disco é considerada o marco inicial de sua carreira.

Imagem: Divulgação.

As primeiras obras solos vieram assim que foi morar no Rio de Janeiro, em 1976, onde viu nascer mais dois filhos. Mudou-se para Fortaleza em 1980 e lá compôs o terceiro e o quarto álbuns. Entre eles nasceu a primeira menina de Zé: Maria Maria.

Teve os anos 1980 como uma fase de intenso experimentalismo e profundidade em sua música. Nos 90, Zé estourou novamente pelo Brasil quando “Entre a Serpente e a Estrela” foi tema da novela “Pedra Sobre Pedra”. Nesse período, teve mais um casal de filhos. Esse momento é pontuado por um regionalismo belo e saudoso em sua musicalidade, movimento que culminou com a gravação do álbum “O Grande Encontro”, com ilustres nomes da música nordestina: Elba Ramalho, Alceu Valença e Geraldo Azevedo.

O ponto alto de sua carreira veio com a canção “Admirável Gado Novo”, tema da novela “Rei do Gado”. A temática nordestina também esteve presente nesse sucesso. Anos depois, Zé foi indicado ao Grammy Latino de Melhor Álbum de Música Regional com “Nação Nordestina”.

Desde de a virada do ano 2000, Zé Ramalho tem focado seu trabalho em cantar suas influências em álbuns cover. No entanto, jamais deixou de lançar álbuns novos e propagar a música nordestina em sua beleza e poesia por onde quer que ele fosse.

Discografia

A primeira obra solo do cantor, “Zé Ramalho”, tem início com um de seus maiores clássicos. Em “Avôhai”, Zé fala sobre o avô, quem o criou a pós a morte de seu pai. O “avô e pai” é mostrado como um ser místico, forte, praticamente uma entidade, provavelmente um reflexo da visão de menino que o músico tinha dele. O álbum segue então com outras músicas consagradas, como “Vila do Sossego”, “Chão de Giz”, “A dança das borboletas” e “Bicho de 7 cabeças”, que, mais tarde, seria gravada por muitos outros artistas, sendo a versão de Zeca Baleiro feita para o filme homônimo a canção.

“A peleja do diabo com o dono do céu” veio dois anos depois e manteve o estilo do primeiro, com melodias de características mais próximas ao nordeste e letras nas quais a palavra é cuidadosamente trabalhada. A está presente como no primeiro. Porém, há uma maior crítica às desigualdades e a concentração de renda. “Com tanto dinheiro girando no mundo/ Quem tem pede muito quem não tem pede mais/ Cobiçam a terra e toda a riqueza/ Do reino dos homens e dos animais.” (versos iniciais da canção “A peleja do diabo com o dono do céu”)

https://www.youtube.com/watch?v=nXFjzCo7TDs

Nesse disco também está a música que é, talvez, um dos maiores sucessos da carreira de Zé Ramalho: “Admirável gado novo”. O auge da canção foi tardio, só na exibição de “O Rei do Gado”, quase vinte anos depois. No entanto, é uma das maiores composições a respeito do sertanejo e seu sofrimento e, principalmente, sua luta.

Além delas, estavam no disco “Garoto de aluguel”, canção autobiográfica, visto que Zé, ao se mudar para o Rio de Janeiro, ganhava dinheiro de fãs dos músicos com quem tocava para passar a noite com elas, e “Frevo Mulher”, a canção que mais rendeu versões e regravações. Artistas como Amelinha, Elba Ramalho, Nando Reis, Banda Calypso e, até mesmo, os Aviões do Forró, cantaram essa que é considerada por Zeca Baleiro, quase uma oração, tanto é que o maranhense, antes de cantá-la em seu show, recita todos os versos e pede que a plateia repita. Nesse álbum, a aproximação de Zé com o Rock e novas maneiras de fazer música aumenta, dando um prognóstico do que seria a década de 80.

De 1981 a 1987, foram lançados um álbum por ano, mas nenhum deles alcançou grande sucesso. Os três primeiros (A Terceira Lâmina, Força Verde e Orquídea Negra), ainda tinham xotes, frevos e alguns baiões. Contudo, de “Para não dizer que não falei do Rock”, álbum no qual Zé mostrou sua influência de Beatles, Bob Dylan e outros roqueiros do cenário internacional, a “Décima de um cantador”, houve certa fuga de sua raiz, ao menos na parte melódica. “Táxi Lunar”, “Galope Rasante e “Mistérios da Meia Noite” são três das músicas de sucesso no período.

Após 4 anos sem lançar nada, Zé Ramalho voltou a cena com “Brasil Nordeste”, constituído de regravações de clássicos da música nordestina, como Luiz Gonzaga, Dominguinhos e Jackson do Pandeiro. Além disso, clássicos de autoria própria, como “Avôhai”, “Frevo Mulher” e “Galope Rasante”, também marcaram presença no álbum, que fugiu do estilo anteriores. Um ano depois, em 1992, “Frevoador” vende mais de 1 milhão de cópias. A música homônima ao álbum é uma versão em frevo de “Hurricane”, de Bob Dylan. “Entre a Serpente e a Estrela”, trilha sonora de “Pedra Sobre Pedra”, alavanca o disco.

Depois do grande sucesso, foram mais 4 anos sem lançar nada, só fazendo turnês. Uma delas, em 1996, com Geraldo Azevedo, foi assistida por Elba Ramalho e Alceu Valença. Depois disso, os quatro amigos se juntaram e lançaram “O Grande Encontro”. O sucesso do primeiro foi tanto que lançaram mais dois, porém, gravados em estúdio e sem Alceu  Ainda em 96, lança o álbum “Cidades e Lendas” e volta as origens, com melodias semelhantes a seus primeiros sucessos. E, em 97, para comemorar seus 20 anos de álbuns solos, lança “Antologia Acústica”, um duplo com versões acústicas de suas mais famosas canções.

Para virar o século, lança “Nação nordestina”. Com capa inspirada no clássico “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, dos Beatles, o disco trouxe á tona o regionalismo do cantor. Com a participação de grandes nomes como Hermeto Pascoal, foi indicado ao Grammy latino de melhor álbum regional.

Essa primeira década e meia do século XXI foi marcada por discos ao vivo, coletâneas e releituras. Zé Ramalho cantou Raul Seixas, Bob Dylan, Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga e Beatles, em álbuns especiais. Sem contar os inúmeros artistas que regravou em “Estação Brasil”, sempre dando sua cara para as interpretações. Os álbuns de inéditas músicas como “O gosto da criação”, “Parcerias dos viajantes” e “Sinais dos tempos” mantiveram seu estilo. Além deles, “Zé Ramalho ao vivo” e, mais recentemente “Zé Ramalho & Fagner”, foram shows transformados em CD e DVD, com canções já muito conhecidas depois desses 40 anos de carreira.

Foram muitos discos, inúmeras canções, sucessos e pequenos fracassos. Porém, é interessante perceber um ponto em comum no estilo todos eles. Se tentarmos enquadrar Zé Ramalho, sempre vai ter algo para fora. E isso não ocorre devido a nenhum tipo de esquizofrenia ou crise de identidade de sua música, e sim pelo excesso dela. Zé é músico, e é apaixonado por música. Sua obra se renova sem eliminar nada do que foi usado antes.

Imagem: Divulgação.

A miscelânea de ritmos, sons, palavras e sensações vem de pesquisa, de parar para ouvir o novo sem nenhum tipo de ranso vanguardista, e, ao mesmo tempo, de tratar o velho com respeito e usá-lo para construir e adaptar o novo. Do amor ao exotérico, com toque de crítica. Do xote ao rock, sem ter medo da mais romântica balada. Este é Zé Ramalho. Da Paraíba, do mundo, da música.

 

Por Flávio Ismerim e Guilherme Weffort
flavio.ismerim@gmail.com, guilhermeweffort@gmail.com

 

2 comentários em “O admirável nordeste de Zé Ramalho”

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