Os desenhos são o nosso primeiro contato com o mundo que não seja a nossa própria família e vizinhança. Além da TV, são os quadrinhos e os gibis que vão nos apresentar a novas realidades, novos universos, dilemas e conflitos de fora do nosso convívio.
Mas quem um dia irá dizer que os quadrinhos são “só para baixinhos”? Travestidos de inocência e infantilidade, os cartuns são uma das principais fontes de informação, crítica e denúncia social.
Um dos exemplos mais famosos de tirinhas impregnadas de crítica à sociedade é o das que compõem a coleção da Mafalda, de Quino. Todo mundo já curtiu ou compartilhou uma tira da pequena argentina inconformada com a corrupção e as injustiças sociais.
Mas essa utilização não é exclusividade dos nossos Hermanos. Muitos brasileiros se destacaram nesse cenário e suas tirinhas simbolizaram o combate a ditadura, ao autoritarismo, à corrupção, à precariedade do Nordeste e outras situações cotidianas.
Um dos brasileiros mais ousados nessa arte foi inegavelmente o Henfil. Ele deu vida a personagens icônicos. Os mais famosos são sem dúvida os que compõem o Fradim, revista publicada entre 1971 e 1980. Eles se dividem em dois núcleos: Os fradinhos e a Turma da Caatinga.
Os fradinhos são dois sujeitos completamente opostos, o Cumprido e o Baixim. O primeiro é o típico politicamente correto e comportado, enquanto o segundo é um grande pentelho e sarrista. Foi na dupla de frades que Henfil encontrou o ponto para satirizar os costumes autoritários da igreja. Através deles, ele discute a questão da homossexualidade e a postura da igreja em relação a ela, bem como os dogmas ameaçadores, principalmente para as crianças.
A Turma da Caatinga é formada pelo Capitão Zeferino, o Bode Orelana e a Graúna. Os três personagens dão voz aos problemas do nordeste, como a seca, a violência, o atraso, a desnutrição, a mortalidade infantil e o racismo.
Henfil também se destacou na resistência à ditadura, na luta pela redemocratização do país e na campanha das Diretas Já e usou os cartuns como uma de suas armas. O comunismo, a esquerda e a militância são temas comuns tanto nos fradinhos quanto na turma da caatinga. O próprio Baixim passa a encarnar o papel do opositor à ditadura, sendo preso e torturado por não obedecer a ordem vigente, não ter papas na língua e tentar subverter o sistema, enquanto o Cumprido simboliza a sociedade acuada e oprimida.
Henfil morreu de aids em 1988, aos 43 anos, contaminado em uma transfusão de sangue para combater a hemofilia. No entanto, sua obra permanece atual e relevante, como ele mesmo previu: “morro, mas meu desenho fica”.
Por Thaís Matos Pinheiro
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