A Universidade de São Paulo (USP) sediou, no dia 9 de novembro, um evento na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) para pedir a suspensão da guerra no Oriente Médio. O ato, denominado “Pelo fim do genocídio em Gaza”, teve palestras e uma performance artística em solidariedade às crianças mortas no conflito. A organização foi do Comitê USP pela Democracia.
O protesto foi marcado por pedidos de cessar-fogo e repúdios às ações militares de Israel na Faixa de Gaza, que têm causado a morte de civis. Também foi estimulada a assinatura de um manifesto, que pressiona o governo brasileiro a dar sinalizações enfáticas de não compactuação com “o crime contra a humanidade em perpetuação” nos territórios palestinos. O documento pede, ainda, a revogação imediata de “todos os acordos militares e de segurança já firmados com o Estado de Israel”.
Iniciada em 7 de outubro, a guerra entre Israel e Hamas deixou mais de 10 mil palestinos mortos em seu primeiro mês, incluindo mais de 4 mil crianças, segundo o Ministério da Saúde de Gaza. Do lado israelense, cerca de 1.400 pessoas morreram em 31 dias de conflito, segundo o governo local. No dia 8 de novembro, O Alto Comissariado da ONU (Organização das Nações Unidas) para Direitos Humanos disse que Israel e Hamas cometeram crimes de guerra.
Olhares sobre a guerra
O ato contou com as participações do historiador israelense Ilan Pappé, professor da Universidade de Exeter no Reino Unido; Yuri Haasz, membro do grupo Vozes Judaicas por Libertação; Ualid Rabah, presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal); e Milton Hatoum, autor de obras como “Relato de um certo Oriente” e “Dois Irmãos”.
Além disso, discursaram no evento a deputada estadual Luciana Genro (PSOL-RS), o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), a vereadora Silvia Ferraro da Bancada Feminista (PSOL-SP) e Valter Pomar e Markus Sokol, membros do Partido dos Trabalhadores (PT). Representantes de movimentos sociais e organizações sindicais igualmente realizaram intervenções.
Em declaração à Jornalismo Júnior, Luciana disse que a USP possui um papel fundamental na mobilização de intelectuais, professores e ativistas. Conforme a deputada estadual, o ato organizado por professores da universidade acontece em um momento crucial para o povo palestino:
“É preciso mobilizar muita gente no mundo inteiro para que se consiga interferir de maneira positiva em favor dos palestinos. É uma luta decisiva a que eles estão travando neste momento.”
– Luciana Genro, deputada estadual (PSOL-RS)
Entre os docentes da USP que se manifestaram no protesto estão Arlene Clemesha, Everaldo Andrade, Vladimir Safatle e Paulo Sérgio Pinheiro, da FFLCH. Além desses, Francirosy Barbosa, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), e Raquel Rolnik, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP).
Organizações não governamentais como Fórum Latino Palestino (FLP) também apoiaram o ato. Para Mohamad El-Kadri, presidente do FLP, os momentos mais importantes foram as falas de judeus como Yuri Haasz, que entendem o Estado israelense como um violador de direitos humanos. “Achei que a participação deles foi crucial para descaracterizar que o problema é [exclusivamente] religioso”, afirma Mohamad.
“Israel se configurou como um estado de “apartheid” [segregação]. Até nós conseguirmos reverter essa estrutura de dominação, não vamos ter uma transformação no sofrimento humano que acontece.”
– Yuri Haasz, em discurso durante ato na USP
Em nota para o Observatório, Arlene Clemesha, professora da FFLCH e uma das organizadoras do ato, afirmou que se vive um momento histórico, no qual silenciar equivale a estar de acordo com violações à lei internacional. “Não bastassem os mais de seis mil palestinos mortos na Faixa de Gaza de 2008 a 2022, ou os 1,2 mil israelenses mortos pelo Hamas de 7 a 9 de outubro, o número dos mortos em Gaza na ofensiva em curso atinge as raias da loucura”, defende.
“Ações concretas, como a revogação imediata de todos os acordos militares e de segurança já firmados com o Estado de Israel, teriam o efeito de sinalizar que não estamos dispostos a compactuar com o crime contra a humanidade em perpetuação na Faixa de Gaza”, pontua a docente. Para Arlene, a suspensão de relações diplomáticas com o país, adotada por alguns membros da comunidade internacional, deve ser interpretada como forma de repúdio ao “espetáculo grotesco” dos ataques israelenses.
Protesto simbólico
Quase uma hora após o início do ato, um grupo ligado ao movimento estudantil realizou uma performance artística em denúncia às crianças mortas na guerra. Alunas vestidas de preto com seus olhos e bocas tapados carregaram bebês de brinquedo envoltos em panos com manchas avermelhadas. Ações do gênero tornaram-se símbolo de protestos pró-Palestina ao redor do mundo.
A representação emocionou Mohamad El-Kadri, que se sentiu identificado com sua simbologia. “As crianças e as mulheres são as maiores atingidas pelo genocídio que Israel pratica na Palestina”, pontua Mohamad.
Questão histórica
A maioria dos oradores no ato buscou relacionar os acontecimentos recentes no Oriente Médio ao passado do Conflito Israelo-Palestino. A guerra iniciada em 7 de outubro ocorre entre Israel, Estado fundado em 1948 por judeus sionistas, e o Hamas, organização política e militar criada nos anos 1980 por representantes da resistência islâmica e que controla a Faixa de Gaza desde 2007.
Na visão de Mohamad El-Kadri, as mortes de civis em qualquer conflito devem ser condenadas. “Existem jovens de Gaza que nunca puderam sair de casa e conhecer a Palestina [Faixa de Gaza e Cisjordânia]. Isso vem acontecendo há anos e agora ficou evidenciado que o promovido por Israel é um genocídio”, aponta.
O Fórum Latino Palestino, presidido por Mohamad, já vinha trabalhando para juntar personalidades e parlamentares do Brasil para discutir a situação dos palestinos antes do início da guerra. “Aquele evento [do dia 7 de outubro] foi uma oportunidade ainda maior para nós esclarecermos muitas coisas que aconteciam e acontecem na Palestina”, diz.
A Jornalismo Júnior entrou em contato com a Embaixada de Israel para comentar o evento, mas até o fechamento desta reportagem não obteve resposta.
Imagem de Capa: Everaldo Andrade/Acervo pessoal