“O exílio é um oceano de informação caótica”. A frase é do filósofo Vilém Flusser, que conhecia bem o sentimento de ser forçado a deixar suas raízes: judeu, saiu da Tchecoslováquia durante a Segunda Guerra Mundial para viver no Brasil; do Brasil da ditadura militar, foi para a Europa, em 1972. É numa infinitude de informações caóticas que a protagonista de De Volta (Go Home, 2015) está. O detalhe que requinta o pesadelo é que o exílio é sua própria casa.
Nada (interpretada por Golshifteh Farahani, que também tem experiência com a distância de casa, já que foi banida de seu país, Irã, por posar nua para a publicação francesa Le Figaro), uma jovem libanesa, retorna ao seu vilarejo depois de fugir da guerra que assolava o lugar e crescer na França. Do lar de infância, guarda as lembranças das brincadeiras com o irmão e o avô e a confusão da guerra que expulsou sua família. Delas, o que resta hoje é ruína. Com o avô desaparecido, Nada fica sem chão – ou melhor, sem terra.
Nada se recusa a acreditar nos boatos que correm sobre o paradeiro do seu avô. Ao invés disso, se aloja em sua antiga casa, destruída pela guerra, abandono e ocupações. Ela vive à luz de velas, e sua visão sobre a situação também parece precariamente iluminada, de tão turvas que são suas percepções. Em certos momentos, o espectador se pergunta se Nada está presa às suas ideias infantis sobre o lugar ou se está se rendendo à loucura da volta que não pode ser realizada, uma vez que o lar é mais semelhante a um exílio.
O problema de Nada é que ela ainda tem a visão pueril de que a verdade necessariamente é lógica: ela se agarra à sua coerência para tentar entender a realidade. Mesmo quando é alertada por sua tia que “não há nada para compreender”, ela insiste no erro que todos nós cometemos um dia, ao procurar dissecar a vida por meio de uma narrativa que julgue certa para seus padrões. E nessa sua espiral mergulhamos numa interessante reflexão do que significa distância e proximidade, sanidade e loucura ao longo de suas descobertas familiares.
Apesar de pecar um pouco no ritmo lento, que acompanha a agonia vagarosa de Nada em não saber do passado, o filme compensa pelos insights sensíveis que nos convidam a pensar nos conceitos de lar, raízes, família e, em última instância, quem somos. Muita da emoção desses momentos é construída por Farahani, que ofusca as atuações medíocres que marcam os outros personagens não só pelo seu protagonismo, mas por sua maestria em construir a atmosfera do longa. Outro ponto que escancara a sensibilidade e a descoberta que “De volta” transmite é a fotografia que valoriza a profundidade construída em planos: somos convidados a ler as cenas da superfície às profundezas, tanto visualmente quanto em sentidos para a narrativa.
O filme estreia no dia 25 de janeiro. Confira o trailer:
por Carolina Unzelte
carol.unzelte@gmail.com