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Observatório | Silvio Almeida: denúncias de assédio sexual movimentam política nacional

O então ministro foi exonerado de seu cargo no dia 06, após denúncias de assédio pela organização Me Too Brasil
Silvio Almeida, ex-ministro, aparece no centro da imagem, com um fundo escrito "Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos", com um mapa do Brasil preenchido com diversos rostos. Vários microfones são apontados para eles, pois está em uma entrevista e, portanto, está com a boca aberta. Silvio é um homem negro de terno, é careca, usa aliança, relógio e uma pulseira.
Por Henrique Giacomin (henrique.giacomin@usp.br), Luana Lima Mendes (luanalimamendes@usp.br) e Samuel Amaral (amaral.samuel@usp.br)

Na quinta-feira (5), o portal Metrópoles noticiou denúncias de assédio contra o ex-ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Sílvio Almeida. Elas apontavam como uma das vítimas a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. Além dela, ao menos quatro outros casos foram levados à justiça, e outras dez acusações de assédio moral contra Almeida dentro do ministério, segundo apurações da CNN Brasil.

O ex-ministro afirmou repudiar as acusações de assédio sexual feitas por meio da organização Me Too. Em nota, na quinta-feira (05), Almeida ressalta que as denúncias tem como propósito prejudicá-lo. “Apagar nossas lutas e histórias, e bloquear o nosso futuro”, declarou.

Ele também menciona o encaminhamento de ofícios para a Controladoria Geral da União (CGU) para realizarem uma “apuração cuidadosa do caso”. A CGU afirmou que não é de responsabilidade do órgão apurar denúncias de assédio contra agentes políticos, como o caso de Almeida. Nessas situações, cabe à Procuradoria Geral da República (PGR) ou à Comissão de Ética Pública da Presidência.

Notas oficiais 

Em publicações nas redes sociais, o Instituto Luiz Gama, associação civil fundada por Silvio Almeida, afirmou que as acusações de assédio sexual contra ele são “mentiras para derrubá-lo”. Segundo o instituto, Almeida é frequentemente alvo de “tramas” e que há um “movimento organizado por meio de mentiras para tirá-lo do jogo político”.

Ainda na quinta-feira, o Planalto reconheceu, em nota oficial,  a gravidade das denúncias contra Almeida e revelou que o chamou para prestar esclarecimentos. Na conversa com Lula, Almeida permaneceu negando as acusações e disse que não pediria demissão. Críticas foram feitas ao ex-ministro devido à forma como ele reagiu ao caso, principalmente devido ao uso da página do Ministério dos Direitos Humanos.

“Nesse momento, Lula disse que não gostou e reprova que ele tenha usado a estrutura da máquina pública para fazer sua defesa e ataques.”

— Natuza Nery, dia 06 de setembro, no globonews

A primeira-dama, Janja, postou nos stories de sua conta oficial no Instagram uma foto beijando a testa de Anielle Franco, confirmada posteriormente como uma das vítimas das acusações de assédio contra o ex-ministro.

Diante das graves denúncias contra  Almeida e depois de convocá-lo para uma conversa no Palácio do Planalto, o presidente Lula decidiu pela demissão do titular da Pasta de Direitos Humanos e Cidadania na noite da sexta-feira (06).

Nas redes sociais, a ministra Anielle Franco manifestou-se sobre a divulgação do caso, pedindo que respeitem seu espaço e seu direito à privacidade. “Reconhecer a gravidade dessa prática e agir imediatamente é o procedimento correto, por isso ressalto a ação contundente do presidente Lula e agradeço a todas as manifestações de apoio e solidariedade que recebi.”

Janja, a esquerda da foto, segura o rosto de Anielle Franco e beija sua testa. Janja é uma mulher branca de cabelo liso castanho com luzes mais claras e usa óculos e camisa branca. Anielle é uma mulher negra de cabelo cacheado castanho escuro com luzes, e tem semblante triste na imagem
A foto foi lida como um sinal de apoio da primeira-dama à ministra [Foto: Reprodução/ Instagram: @janjalula]

Quem é o Sílvio Almeida? 

Silvio Almeida é advogado, filósofo e professor universitário. Graduado em Direito e em Filosofia, é Doutor pela Universidade de São Paulo (USP). Ele também foi pesquisador da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, docente da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Autor da obra Racismo Estrutural (Pólen Livros), sua atuação na última decada no debate antirracista e defesa de direitos humanos lhe fez conhecido na mídia. Esteve na presidência do Instituto Luiz Gama entre 2008 e 2022, do qual participou da fundação, e em 2021 foi o relator da comissão de juristas criada pela Câmara dos Deputados para propor o aperfeiçoamento da legislação de combate ao racismo estrutural e institucional no País.

O ex-ministro era indicação pessoal do presidente Lula, e assumiu o cargo devido à proximidade do presidente com o grupo Prerrogativas, o conjunto formado por advogados progressistas e tem como propósito lutar por uma sociedade mais justa. Além de Almeida, o grupo conta com a presença de nomes como Fernando Haddad e a própria Anielle Franco. 

Silvio Almeida em um palanque com símbolo da Petrobrás, ao lado da bandeira do Brasil, olha sério para frente e aponta o dedo. Imagem anterior as denúncias
“É um impacto que se tem um ministro dos Direitos Humanos ser acusado de assédio judicial, ainda mais um ministro dos Direitos Humanos de um governo de esquerda que tem como essa uma das principais pautas”, ressalta Bruno Henrique de Moura, formado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e mestrando pela USP [Foto: Joédson Alves/Agência Brasil]

O que é o Me Too?

O Me Too Brasil é uma organização sem fins lucrativos dedicada à defesa dos direitos das vitimas de violência sexual, que recebe denúncias e oferece apoio por meio de escuta, acolhimento e atendimento psicológico, jurídico e assistencial.

Inspirado no movimento norte-americano #MeToo, fundado por Tarana J. Burke, a organização brasileira foi criada em 2019 com o objetivo de fornecer atendimento direto a sobreviventes de violência sexual, independentemente de idade ou gênero. Por meio do site oficial e de um canal de atendimento é possível que as vítimas recebam acolhimento da organização.

Maria da Penha, a esquerda, é uma mulher que usa cadeira de rodas, está de roupa preta e jaqueta rosa e sorri. Abaixada ao lado dela, a direita, está Marina Ganzarolli, usa uma camisa branca e calça preta, tem cabelo curto e também sorri. Atrás delas, o painel diz "Instituto Avon"" e "2 workshop internacional de acesso a justiça"
Idealizado por Marina Ganzarolli, advogada especialista em gênero graduada na Faculdade de Direito da USP, o Me Too Brasil é pioneiro no país em atendimento direto a sobreviventes de violência sexual [Foto: Reprodução/ Instagram: @mariganzarolli]

Como está o processo?

Para além da CGU, o ex-ministro fez uma solicitação à PGR e à Comissão de Ética Pública (CEP) para que apurem as denúncias feitas contra ele.  A Comissão de Ética da Presidência da República já abriu um procedimento para apurar os fatos e convocou seus integrantes para uma reunião de emergência para analisar o caso.

O pedido de Almeida deve ser despachado para a Procuradoria da República no Distrito Federal, a fim de que a investigação ocorra em primeira instância. Caso o futuro processo movido pelo ex-ministro permanecer na esfera do Supremo Tribunal Federal (STF) ou da justiça federal, o órgão terá a função de eventual titularidade da ação penal pública.

Com a exoneração do cargo e a consequente perda de prerrogativa de função, conhecida popularmente como foro privilegiado, as ações da CEP e do CGU tomam outra função. “Trazem no máximo consequências administrativas, muitas delas já sem efeito em razão da exoneração. Mesmo assim, é de interesse da União apurar, até por conta da função pública que ele desenvolvia e por uma das vítimas ser a ministra Anielle”, explica o professor de direito penal, Allan Joos, em entrevista à Jornalismo Júnior.

Na sexta-feira (6), a Polícia Federal anunciou que investigaria as denúncias feitas contra Almeida e realizou a abertura de inquérito. No dia 12, enviou a apuração ao STF e solicitou uma avaliação sobre o andamento do caso, se ele deve ser supervisionado pela Corte ou tramitar na primeira instância e até ser levado à Polícia Civil.

“Constatadas as condutas apontadas pela Me Too pelos órgãos administrativos (CEP e CGU), os relatórios podem servir de elementos informativos para a investigação criminal”, afirma Joos. 

A bancada feminina do Senado Federal e a Procuradoria Especial da Mulher no Senado divulgaram pedidos de investigação contra Almeida. O Ministério da Mulheres também se manifestou, em nota oficial disse: “é preciso que toda denúncia seja investigada de forma célere, com rigor e perspectiva de gênero, dando o devido crédito à palavra das vítimas, e que os agressores sejam responsabilizados de forma exemplar”.

Na sexta-feira (13), a defesa de Almeida enviou uma notificação extrajudicial à ONG Me Too perguntando como se deu o “vazamento de dados” e a chamou para prestar esclarecimentos acerca da divulgação das denúncias. O argumento é de que a organização foi contra a Lei Geral de Proteção de Dados.

Silvio Almeida, de terno e óculos, fala ao microfone enquanto segura um Diário Oficial. Imagem anterior as denúncias
Múltiplos órgãos governamentais foram acionados pelo ex-ministro para realizarem as apurações [Foto: Reprodução/Agência Brasil/Lula Marques]

A defesa de Almeida

Desde a demissão, Almeida contratou advogados e se pronunciou nas redes sociais. O ex-ministro compilou cópias de imagens de locais em que esteve com Anielle Franco e as mensagens trocadas entre os dois como prova de uma postura contrária às acusações. Também declarou que irá processar todas as pessoas que o acusarem de assédio sem a demonstração de provas.

Em sua equipe de defesa, figura a advogada Juliana Faleiros, que é ex-aluna dele no período em que lecionou na Mackenzie e ativista de Direitos Humanos. Junto a ela está Fabiano Machado da Rosa, especialista em direito antidiscriminatório e gestão de crise.

O criminalista Nélio Machado também integra a equipe. Ele foi defensor de presos políticos na época da ditadura militar, já presidiu o Conselho Penitenciário do Rio de Janeiro e hoje é membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

Ricardo Alexino, membro da Comissão de Direitos Humanos da USP e professor permanente do programa de pós-graduação “Humanidades, Direitos e outras legitimidades” da USP, ressalta a necessidade de perceber os atravessamentos raciais. A forma pela qual é realizada o julgamento de um mesmo crime por homens negros e homens brancos, debatida por Sérgio Adorno em “Racismo, criminalidade violenta e Justiça penal: réus brancos e negros em perspectiva comparativa”, é fato claro na repercussão do caso.

“Quando o lado ‘sombra’ do homem negro vem a tona ele é exemplarmente punido, em qualquer falha cometida por ele dentro do sistema. Já com o homem branco há uma maneira diferente de se punir, ela não vai até os limites da lei”, declara Alexino. “Não quero dizer que o Sílvio Almeida é inocente ou culpado, isso cabe a lei, mas é importante considerar esses atravessamentos sociais.”

Ministério com cara nova 

A nova ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania é Macaé Evaristo. A ministra assumiu o cargo no dia 09, e já no dia 12 participou, com o presidente Lula, do evento de lançamento da Rede Alyne, programa que visa reduzir a mortalidade de mulheres no parto. Para Alexino, a nomeação da ministra vem em boa hora: “estávamos em processo de luto e perplexos com que tinha acontecido e ele [Lula] de repente resolve isso nomeando a Evaristo, uma mulher negra com um amplo histórico da luta anti-racismo. Eu acho que essa agilidade foi muito importante em um resgate também da autoestima das pessoas negras que ficaram impactadas com tudo o que houve”.

Macaé Evaristo, mulher negra de cabelo crespo, curto e grisalho, está usando aparelho e tem um sorrio largo. Ela está usando um macacão cinza. Ao seu lado, Conceição Evaristo, também com o cabeo crespo e grisalho, de tamanho médio, sorri para a foto. Ela usa uma roupa colorida
 A atual ministra já foi secretária municipal de educação do estado de Minas Gerais, e também é prima da escritora Conceição Evaristo. [Foto: Reprodução/ Instagram: @macaeevaristo]

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