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Observatório | Estados Unidos envia navios militares à costa da Venezuela 

A Casa Branca justifica ação como guerra contra o tráfico de drogas, enquanto Nicolás Maduro acusa o governo norte-americano de promover uma ‘política sistemática de assédio’

Por Ana Vitória Barbosa (anavita.nb@usp.br), Gabriel Albuquerque (gabrielalbuquerque@usp.br) e Hellen Indrigo (hellenindrigoperez@usp.br)

No último mês de agosto, os EUA deslocaram três navios de guerra para o sul do Caribe, região próxima à costa da Venezuela, de acordo com  apuração das agências de notícias Reuters e Associated Press (AP). A medida foi tomada  em meio ao combate estadunidense ao narcotráfico. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou que usaria forças militares para combater os cartéis do tráfico de drogas, cujos grupos foram considerados organizações terroristas pelo governo americano.

Dentre os navios designados no dia 18 de agosto, estão três destróieres com sistemas de mísseis guiados Aegis: USS Gravely, USS Jason Dunham e USS Sampson. Ao longo da semana, outros três navios com capacidade para desembarque anfíbio foram designados. O USS San Antonio, USS Iwo Jima e o USS Fort Lauderdale chegaram na costa venezuelana no dia 24, transportando um total de 4.500 militares, sendo 2.200 fuzileiros navais, segundo a agência Reuters. De acordo com duas fontes anônimas consultadas pela agência, o USS Lake Erie — um cruzador de mísseis guiados — e o USS Newport News — um submarino de ataque rápido com propulsão nuclear — também chegarão à região nesta semana.

Navio militar estadounidense

No dia 30 de agosto, o USS Lake Erie adentrou o Canal do Panamá do Pacífico na rota para o Caribe. [Imagem: Reprodução/NARA & DVIDS Public Domain Archive]

A porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, anunciou no dia 19 de agosto que Trump vai “usar toda a força” contra o regime de Nicolás Maduro, ditador da Venezuela que está no cargo desde 2013. Leavitt não negou a movimentação das embarcações ou a intenção de enviar mais tropas, e também não deixou claro a posição dos navios de guerra ou suas posições finais. Segundo a Reuters, as movimentações iniciaram no dia 18 e duraram cerca de 36 horas.

“Maduro não é um presidente legítimo. Ele é um fugitivo e chefe de um cartel narcoterrorista acusado nos EUA de tráfico de drogas. Trump está preparado para usar toda a força americana para deter o tráfico de drogas”

Karoline Leavitt, aos jornalistas presentes na Casa Branca.

A epidemia de drogas: justificativa para a investida

A epidemia de drogas nos Estados Unidos tem recebido destaque constante na mídia. Segundo o Relatório Mundial sobre Drogas 2025, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), o aumento no número de usuários na última década segue uma tendência observada também em escala global.

Pote de remédio amarelo, com comprimidos brancos

O consumo de fentanil, um opióide mais potente que a morfina, causou overdoses em massa nos Estados Unidos no ano de 2023. Segundo o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), as overdoses são as maiores causadoras de mortes de estadunidenses entre 18 e 44 anos, apesar de terem sofrido uma redução em 2024. [Imagem: Reprodução/Moco360/Creative Commons] 

Nesse contexto, Donald Trump assinou, em janeiro, uma diretiva que classifica determinados cartéis de drogas como organizações terroristas. Entre eles o Tren de Aragua, da Venezuela, e o Cartel de Jalisco Nueva Generación, do México, estão nessa lista, segundo o The New York Times. A medida abriu espaço para justificar legalmente eventuais ações militares na América Latina.

Em entrevista à Jornalismo Júnior, Vitor Bueno, pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) e professor de Relações Internacionais no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), detalha que essa ação está alinhada à política doméstica do presidente estadunidense, especialmente à sua retórica anti-imigratória. “Internamente, o discurso de Trump, voltado para a segurança, utiliza nacionalidades específicas para criar a ideia de que muitos criminosos estão nos Estados Unidos por causa da imigração descontrolada”, afirmou o professor.

No final de julho deste ano, a organização criminosa venezuelana Los Soles foi incluída na lista de organizações terroristas associadas ao narcotráfico. A medida serviu de base oficial para as movimentações militares autorizadas por Trump nos meses seguintes. Nicolás Maduro, presidente da Venezuela,  criticou a decisão, alegando contradição no discurso do mandatário estadunidense. O venezuelano citou dados do UNODC, os quais mostram que apenas 5% das drogas provenientes da Colômbia que chegam aos EUA passam pela Venezuela.

Cartel de los Soles e a acusação contra Maduro

A acusação que justifica o envio das tropas estadunidenses à costa venezuelana é o suposto envolvimento de Nicolás Maduro com o “Cartel de los Soles”. Segundo Vitor Bueno, a suspeita é de que membros do governo e das forças armadas locais integrem a organização criminosa, responsável por controlar parcialmente ou totalmente o tráfico de drogas no país.

No início de janeiro, ainda durante o governo de Joe Biden, os Estados Unidos anunciaram uma recompensa de US$25 milhões por informações que levassem à prisão ou à condenação de Maduro. Mais recentemente, no dia 7 de agosto, o Departamento de Estado dos Estados Unidos anunciou o aumento da recompensa para US$50 milhões. Segundo Carolina Silva Pedroso, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a antiga condenação de dois sobrinhos da esposa de Maduro por tráfico de drogas em solo estadunidense é um dos fundamentos de Donald Trump para as atuais acusações contra o líder venezuelano.

Presidente venezuelano Nicolas Maduro

 Uma postagem feita pelo Drug Enforcement Administration (DEA) em 2020 acusa Maduro e outros colegas de alto escalão por, supostamente, conspirar com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) durante mais de 20 anos, e contribuir para que “toneladas de cocaína entrassem e devastassem comunidades americanas”. [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

Raphael Seabra, professor adjunto no Departamento de Estudos Latino-Americanos da UnB, comentou à Jornalismo Júnior que esse sistema de recompensas também foi usado na captura de Osama Bin Laden, embora ninguém tenha recebido a quantia oferecida na época. “Me parece que a intenção é utilizar de possíveis desafetos ou fraturas nas Forças Armadas venezuelanas para que alguém do alto escalão entregue Maduro”, afirma.

A movimentação estadunidense vêm sendo alvo de controvérsias, especialmente por conta da falta de evidências que sustentem a alegação da existência do Cartel de los Soles. “A primeira citação à organização foi feita em 1993, antes do governo de Hugo Chávez e Nicolás Maduro. No entanto, a existência formal desse cartel é incerta e difícil de ser comprovada por analistas e outras fontes, tornando suas atividades ainda mais desafiadoras de se verificar em um país fechado e de imprensa controlada”, declara Vitor Bueno.

Interesses estrangeiros no petróleo venezuelano

A Venezuela é um dos países com maior volume de petróleo em território nacional, com uma reserva de 300 bilhões de barris. O país sul-americano está à frente da Arábia Saudita e do Canadá, com 297,5 e 168,1 bilhões, respectivamente. Essa reserva natural é observada com muita atenção por nações estrangeiras, que temem perder permanentemente o acesso a esses recursos.

Em entrevista à Jornalismo Júnior, Carolina Silva Pedroso comentou sobre o interesse americano no petróleo e o conflito recente entre os dois países: “Não tenho dúvidas de que existe esse interesse”, comentou a docente. Na visão da pesquisadora, a Venezuela é um alvo fácil para iniciar uma guerra devido às inúmeras denúncias de violações dos direitos humanos no país. Ela também menciona que o país não é um grande exportador de drogas aos Estados Unidos, colocando em xeque a justificativa apresentada por Trump para o conflito.

A movimentação como interferência política

Apesar do crescente envio de tropas à costa venezuelana, o exército estadunidense não violou o espaço marítimo do país. Segundo Vitor Bueno, a mensagem principal é a exposição e a disposição dos movimentos militares como uma forma de pressionar o governo da Venezuela, e a expectativa é de que os interesses econômicos e o desinteresse doméstico dos cidadãos dos Estados Unidos inviabilizem um conflito direto.

A tensão entre os governantes abre a discussão de uma possível ameaça à soberania da Venezuela.O evento cria mais um precedente para a preocupação em relação ao crescimento da interferência dos Estados Unidos nos países da América Latina. Bueno afirma que a política externa de Trump – desde as tarifas até as ameaças de confrontos – age em um cenário de “testagem”.

 “Isso não quer dizer que vá existir alguma intervenção física. O efeito deve ser mais psicológico momentaneamente, buscando apoio interno em países que não se alinharam totalmente aos Estados Unidos”.

Vitor Bueno

A Argentina, presidida  por Javier Milei, se destaca pelo apoio às medidas do governante norte-americano. Segundo Bueno, a postura política do presidente argentino vem sendo marcada por uma “subordinação clara e frequente” aos Estados Unidos, o que inclui a adoção de ações semelhantes ou idênticas às de Donald Trump — como a designação do Cartel de los Soles como uma organização terrorista, por exemplo. Já o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, constantemente adota uma postura combativa frente às medidas do presidente estadunidense e tem demonstrado esforços para normalizar as relações diplomáticas com a Venezuela.

Presidente Donald Trum discursando

O “tarifaço” promovido por Donald Trump gerou repercussões e tensões globais. O Brasil foi um dos maiores afetados, e enfrenta atualmente taxas de 50% sobre seus produtos. [Imagem: Reprodução/Creative Commons]

O professor aponta que o continente americano como um todo parece enfrentar uma mistura da política do “Big Stick”, que representava o uso do poderio estadunidense para influenciar decisões na América Latina no início do século XX, e da Doutrina Monroe, que buscava blindar o continente da influência europeia e favorecer os desejos dos Estados Unidos no primeiro quarto do século XIX. Entretanto, o professor destaca que as políticas de Trump, embora também afetem outros países independentes de forma proposital, enfrentam mais resistência do que as estratégias empregadas no passado.

Desenvolvimento do conflito e perspectivas futuras

Especialistas em Relações Internacionais consideram improvável que o conflito se estenda por terra. Vitor Bueno destaca que Trump adota uma postura alinhada ao seu eleitorado, que rejeita a escalada de conflitos devido ao custo que isso traria ao país, especialmente com tropas em solo estrangeiro.

A Venezuela, por sua vez, possui uma força militar mais habituada a lidar com conflitos internos. Carolina Silva Pedroso falou que, além das forças regulares, a estrutura militar do país é constituída pela Guarda Nacional Bolivariana — “equivalente a uma polícia militarizada, que faz o controle direto das fronteiras” — e por civis organizados em milícias, “treinados semanalmente pelos militares, e que já atuam em enfrentamentos políticos domésticos”, disse a pesquisadora.

No último dia 26, após a movimentação de três navios dos Estados Unidos próximos às águas internacionais da Venezuela, Maduro anunciou que pretende mobilizar milicianos, além de empregar drones e navios da Marinha.

O pedido de ajuda da Venezuela

Após o avanço estadunidense, o Governo da Venezuela solicitou apoio à António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), devido ao aumento da tensão entre os Estados Unidos e o governo venezuelano. O comunicado oficial partiu das redes sociais do Ministro de Relações Exteriores da Venezuela, Yván Gil, em uma reunião com o coordenador residente da ONU em território Venezuelano, Gianlucca Rampolla.

A carta publicada por Yván e assinada por Nicolás Maduro acusa os Estados Unidos de promover uma “política sistemática de assédio” à Venezuela, caracterizada por “medidas coercitivas unilaterais, campanhas de descrédito, desconsideração da legitimidade das suas autoridades constitucionais e utilização de mecanismos de lawfare para criminalizar instituições e líderes legítimos’. 

“Solicitamos o apoio do secretário-geral da ONU, António Guterres, para restaurar o bom senso”, comentou Gil. O ministro também anunciou que a movimentação militar dos EUA na região representa um “ataque contra a paz”. Gil ainda afirmou que existem “narrativas falsas” que procuram justificar os ataques contra a Venezuela, referindo-se às alegações da Casa Branca de que Nicolás Maduro lidera o Cartel de los Soles, cuja existência é negada pelo governo venezuelano.

*Foto de capa: [Reprodução/Wikimedia Commons]

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