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Observatório | Palestina é reconhecida como soberana por países europeus

Primeiros-ministros da Espanha, Irlanda, e Noruega reconhecem oficialmente o Estado da Palestina na busca pela ‘promoção da paz à longo prazo’
Capa com a bandeira da Palestina
Por Aline Noronha (alinenoronha@usp.br), Davi Alves (davi.palves@usp.br) e Júlia Sardinha (jusardinha.eca@usp.br)

Após Espanha, Irlanda e Noruega anunciarem simultaneamente o reconhecimento da Palestina como um Estado no dia 22 de maio, os três países oficializaram a decisão na terça-feira (28) do mesmo mês. Dias depois, o governo da Eslovênia, seguindo os mesmos passos, reconheceu o Estado palestiniano, mas ainda aguarda aprovação do Parlamento.

Em resposta à medida dos países europeus, o Ministério das Relações Exteriores de Israel ordenou, no mesmo dia, a retirada imediata de seus embaixadores dos países que iniciaram o movimento. Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, classificou a decisão de reconhecimento como “prêmio pelo terrorismo”.

Dos 193 países que são membros da ONU (Organização das Nações Unidas), 145 reconhecem o Estado da Palestina, incluindo o Brasil, o qual passou a considerá-lo a partir do fim de 2010, durante o segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.

Em seu perfil na plataforma X (antigo Twitter), Lula celebrou o gesto dos três países europeus, classificando a decisão como “histórica”. Disse ainda que a atitude “faz justiça em relação ao pleito de todo um povo, reconhecido por mais de 140 países, por seu direito à autodeterminação”.

O Ministério das Relações Exteriores do Brasil publicou na quarta-feira (29) uma nota à imprensa que saúda os anúncios oficiais de Espanha, Irlanda e Noruega. Ainda segundo o posicionamento, o país “reafirma a defesa da solução de dois Estados, com um Estado da Palestina independente e viável convivendo lado a lado com Israel, em paz e segurança”.

As uniões controversas entre Espanha, Irlanda, Noruega e Palestina

As relações da Palestina com esses países não são atuais. No discurso oficial do reconhecimento do Estado árabe, o ministro norueguês dos Negócios Estrangeiros, Espen Barth Eide, afirmou que, “durante mais de 30 anos, a Noruega tem sido um dos mais fortes defensores de um Estado palestiniano”. Essa fala faz referência ao Acordo de Oslo em 1993, que teve a capital norueguesa como lugar escolhido para que o primeiro-ministro israelense, Yitzhak Rabin, e o líder da Organização de Libertação da Palestina (OLP), Yasser Arafat, assinassem um acordo de paz entre suas nações.

Para o professor e geógrafo Saulo Teruo, esse feito beneficiou mais os judeus do que os árabes no que se refere a partilha de terras, uma vez que Israel têm, apenas na Cisjordânia, 60% de controle, enquanto uma menor área foi destinada para uma população muito maior de árabes.

Além disso, ele ressalta que o reconhecimento do Estado da Palestina deveria ter sido feito há muito tempo pelo governo norueguês,  afirmando que, caso o país fosse questionado sobre as motivações do atraso, podeiram surgir desculpas envolvendo um intenso processo burocrático de votação e de que antes não era o ‘momento certo’. No caso da Espanha, Saulo também expõe o atraso da oficialização, pois antes do Acordo de Oslo, houve uma primeira reunião em Madrid. 

Já a Irlanda e a Palestina estão conectadas por terem vivenciado as mesmas experiências coloniais, na medida em que o Reino Unido, durante muito tempo, interviu e dominou ambos territórios. Apesar de ser reconhecido como o país mais pró-Palestina na Europa, foi a última nação a dizer que iria intervir contra o genocídio por parte do governo israelense no Tribunal Internacional de Justiça.

“Esse apoio já era para ter ocorrido há muito tempo. É tudo uma questão de diplomacia para ver quando irá se dar o holofote.”

Saulo Teruo

Saulo ainda aponta que o anúncio oficial dessas três nações foi feito em conjunto para aumentar a relevância internacional desse acontecimento. “Se um vai e fala que reconhece o Estado, é um peso. Se três vão de uma vez, o peso é outro. Então, eu vejo que foi algo estratégico”. O professor de geografia salienta que, antes de se tornar público, os representantes europeus desses países discutiram e avaliaram os ganhos e as possíveis perdas dessa atitude. 

Isoladamente, esses pronunciamentos não teriam a mesma expressão na medida que países do oeste da Europa, como França e Alemanha, apresentam maior relevância política internacional. Já unidos, o posicionamento, além de promover uma visibilidade positiva a esses países, pode gerar benefícios futuros internos, como no processo eleitoral dos representantes no parlamento europeu, que ocorrerá entre os dias 6 a 9 de junho. 

Para além disso, foram gerados impactos positivos externamente, no que diz respeito a manter boas relações de governos como o da China. Conforme diz Saulo, o país apoia o Estado da Palestina e hoje é a maior economia rival dos Estados Unidos, sendo preferível para algumas nações terem melhores relações com o governo chinês do que o estadunidense.

Fora do âmbito institucional, a pressão popular, especialmente através das redes sociais, tem tido seus efeitos nas decisões de governo e chamado a atenção de civis do mundo inteiro para se mobilizarem pela causa palestina. Após o ataque de Israel ao campo de refugiados no sul da Faixa de Gaza, uma imagem gerada por inteligência artificial com a legenda “Todos os olhos em Rafah” (tradução livre ao português) foi compartilhada mais de 40 milhões de vezes no Instagram para expressar apoio ao povo palestino e reprovação aos ataques israelenses.

Segundo Saulo, a pressão que a internet tem causado nesse conflito pode ser equivalente à ocorrida na Primavera Árabe,  que, apesar de ter começado nas ruas, a divulgação de fotos e vídeos impulsionou a repercussão do movimento. No caso da Palestina, para ele, esses registros expõem o genocídio incontestável que está acontecendo em Gaza.

Prints de postagens no Instagram sobre Rafah
Inúmeras pessoas têm se engajado em intensas mobilizações no mundo em prol do fim dos ataques de Israel na Palestina, exigindo que os culpados sejam responsabilizados por tirarem a vida de milhares de civis. [Imagem: Reprodução Internet/ X ]

Motivações do reconhecimento da Palestina

Para um Estado ser reconhecido como tal, é preciso que haja três elementos: o território, o povo e a soberania. Por mais que opositores da nação árabe tentem provar que a Palestina possui esses conceitos de forma fragilizada, para Saulo, a realidade é o oposto.

Ele aponta que, apesar da fragmentação territorial palestina causar um estranhamento inicial, ela é frequente em vários outros Estados. A França, além das terras europeias, possui um protetorado na América Latina: a Guiana Francesa. Os territórios são separados pelo Oceano Atlântico, com uma distância muito maior em relação aos espaços palestinos. Por essa razão, não haveriam problemas nesse critério de reconhecimento.

“Já na questão do povo, quando a gente fala sobre a Palestina, não dá para desconsiderar a questão religiosa”, complementa Saulo, que ressalta a importância da cidade de Jerusalém para árabes, judeus e muçulmanos. Essa forte relação entre aspectos materiais e espirituais são marcas de um nacionalismo, que revela o forte apego pela terra por muitas pessoas do Oriente Médio.

O ativista e político Abdulbaset Jarour – refugiado sírio, hoje naturalizado brasileiro – confirma esse sentimento e diz que, mesmo com o terror causado por Israel, muitos palestinos têm o desejo de continuar em seu país. Porém, quando são forçados a deixarem suas terras para sobreviver – como um dia mãe de Abdulbaset fez –, muitos refugiados carregam consigo, simbolicamente, as chaves de sua casa.

“Eu visualizo que Israel está perdendo força. Antes, ele [Israel] podia ter esse discurso ‘aconteceu comigo na Segunda Guerra Mundial [o Holocausto e a diáspora judaica] e agora eu posso fazer o que bem entender’, mas, agora, esse discurso está cada vez mais fraco.”

Saulo Teruo

Saulo reconhece que, quanto mais países notarem a postura desproporcional entre as mortes provocadas pelo grupo Hamas – cerca de 2.600 logo após o ataque de 7 de outubro de 2023 – e as mortes geradas pela retaliação de Netanyahu – próximo à marca de 40.000 em Gaza –, mais fraco e isolado politicamente ficará Israel. 

As manifestações podem ter como ápice o reconhecimento da Palestina pela própria Organização das Nações Unidas (ONU), o que levaria a novas discussões quanto à divisão territorial entre palestinos e israelenses, uma vez que as delimitações feitas pelo órgão em 1948 não foram respeitadas por Israel. “É necessário fazer com que se tenha uma área territorial justa”, diz o professor.

Saulo e Abdulbaset concordam que o conflito entre Israel e Palestina vai além da ocupação de uma terra santa: a delicada situação abrange interesses territorialistas entre Estados. “A terra não é mais importante do que o sangue humano. Para mim, ‘terra santa’ é onde eu posso viver de forma tranquila, sem guerras e sem sangue derramado no chão”, ressalta Abdulbaset.

Civis palestinos na Faixa de Gaza
Para poder existir um equilíbrio entre Palestina e Israel, Saulo declara que o ideal é dividir a região em dois Estados, ação que já deveria ter sido feita há anos. [Imagem: Reprodução/IRNA/Fotos Públicas]

A progressiva perda da força política israelense, segundo o ativista, provém de uma “reação do mundo contra a maldade”. África do Sul e Chile estão entre os países apoiadores do processo da Corte Internacional de Justiça (CIJ) contra Israel e seu alto escalão político na execução de ataques e bombardeamentos contra civis na Faixa de Gaza e em corredores humanitários. 

E se a Palestina for reconhecida como um Estado pleno?

A Palestina, muito provavelmente, não será vista como um Estado soberano “enquanto eles [os EUA] estiverem lucrando com a guerra”, observa Saulo. Ainda assim, ele diz que, mesmo que os Estados Unidos ainda não reconheça o Estado árabe e reitere o seu apoio a Israel, as recentes oficializações promulgadas por quatro países europeus representam mudanças na geopolítica em relação ao Oriente Médio e aos povos árabes.

A declaração da Palestina como Estado membro da ONU traria fortes alterações ao cenário internacional, acredita Saulo. Dentre as primeiras modificações, ele ressalta a necessidade de delimitar as fronteiras na região, fato que poderia provocar um sentimento de fúria dos israelenses, que encarariam a medida como uma “quebra de acordo” com a organização.

“Uma declaração [de reconhecimento do Estado palestino] não basta, precisamos de ações.”

Abdulbaset Jarour

Para a própria população da Palestina, a “emancipação” do subjugamento israelense os colocaria sob o domínio do capitalismo global. Com mais de setenta anos de guerras, acordos e desavenças entre árabes e israelenses, uma Palestina soberana enfrentaria períodos de forte instabilidade sociopolítica, situação que, segundo Saulo, poderia levar ao estopim de uma guerra civil entre Hamas – governo da Faixa de Gaza – e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) – governo implantado na Cisjordânia.

Civis palestinos na Faixa de Gaza
Caso uma guerra civil ocorra na Palestina, após esta ser reconhecida como um Estado membro da ONU, os países árabes ao redor da área apoiariam a liderança da OLP, aponta Saulo Teruo. [Imagem: Reprodução/IRNA/Fotos Públicas]

A ocorrência de outro conflito armado pode levar a um volumoso movimento migratório. Abdulbaset, refugiado no Brasil há dez anos, ressalta a importância de órgãos internacionais e dos países ao redor do mundo estarem preparados para acolherem os refugiados em situação de vulnerabilidade social.

Paz na região 

Por mais que o reconhecimento de Espanha, Irlanda, Noruega e – eventualmente com a aprovação do Parlamento – Eslovênia seja importante, Abdulbaset ressalta que o caminho para o fim do conflito deve ir além de falas oficiais. “Há declarações verbais, só que eu não estou vendo ações na realidade. Isso tá parando aqueles mísseis e bombas que estão caindo em cima das mulheres?”, afirma.

Sobre a decisão dos países europeus, o professor Saulo acredita que apenas o reconhecimento não é o bastante para a paz na região: “Precisa-se reconhecer e delimitar: as fronteiras precisam estar muito bem delimitadas, o que é meu e o que é seu, justamente para não dar brigas”. O professor cita também que, além da partilha igualitária dos territórios, uma outra solução para a questão é garantir o “equilíbrio das forças”, ou seja, uma igualdade militar que preveniria ataques e respostas bélicas precipitadas.

Imagem de capa: Mohammed Abubakr/ Pexels

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